Reforma sanitária e o Sistema Único de Saúde (SUS) – Gastão Wagner de Sousa Campos

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Para defender o SUS é essencial reconhecer seus problemas e, ao mesmo tempo, indicar caminhos para enfrentá-los(1). Grande parte da população brasileira tem experiência pessoal com o sistema. Suas experiências, no entanto, produzem sentimentos ambíguos: junto ao reconhecimento vêm vivências de sofrimento – maltrato institucional, filas, espera desnecessária, informação incompleta, cuidado parcial a agravos. Com a pandemia, as relações conflitivas com o SUS se transformaram em experiência coletiva. E não tem havido, por parte dos governantes, disposição política e técnica para enfrentamento das carências estruturais do sistema.

Há que se ampliar as condições de possibilidade para que o direito universal à saúde possa se realizar(2). É fundamental desenvolver novas estratégias para reacender a esperança da sociedade, dos trabalhadores de saúde e do importante segmento de gestores. É preciso construir proposições e práticas que articulem necessidades de saúde, como o redesenho dos modos de financiamento, gestão e cuidados, numa perspectiva interseccional e processual, tendo em conta a complexidade das questões da saúde.

É fundamental universalizar a atenção primária à saúde, duplicando o número de equipes (ESF) e núcleos de apoio à saúde da família (NASF). Para isso, serão necessários mais R$ 40 bilhões para elaborar planejamento e programação integrada (tripartite) para implementação em quatro anos, e será preciso também obter o comprometimento da opinião pública, dos candidatos à presidência, de governadores e
parlamentares com um SUS centrado na atenção primária.

Há que se assegurar o cuidado integral, mediante a reformulação do funcionamento em rede, delegando poder às Regiões de Saúde e criando fundos regionais de saúde, com alocação de percentual dos orçamentos da União e de estados e municípios; criando um planejamento e uma programação que reduza vazios assistenciais e filas. É essencial integrar todos os sistemas de regulação de acesso à média e à alta complexidade
ao grupo gestor da Região de Saúde.

É imperioso ter uma política e uma gestão nacional e integrada do pessoal de saúde, que assegure direitos trabalhistas, responsabilidade sanitária e humanização do cuidado. A gestão do trabalho deve continuar descentralizada e de responsabilidade de cada ente da federação e de cada serviço de saúde. E ao mesmo tempo, constituir-se em carreiras nacionais, integradas e interprofissionais, com base em grandes áreas temáticas do sistema: atenção primária, vigilância em saúde, saúde mental, reabilitação física, hospitalar e especialidades, urgência/emergência, entre outras. Os profissionais deveriam ser contratados mediante concursos de abrangência estadual e com avaliação e critérios de progressão operados segundo mérito e de forma participativa.

É crucial reduzir o clientelismo, a fragmentação e os compadrios, com a redução drástica das funções de gestão na modalidade de livre provimento ou cargos de confiança do poder executivo, e realizar seleção interna para mandatos, valorizando os trabalhadores do SUS com base em currículo e provas, como já é comum em outros sistemas públicos.

Para que esse novo paradigma seja viável, é necessário que seja criada uma autarquia especial, formada e comandada pela Comissão Tripartite, bem como um fundo orçamentário tripartite que ordene carreiras, remunerações e aposentadorias. Essa autarquia poderá, em período razoável, substituir e extinguir as formas de terceirização (organizações sociais e assemelhadas) que tanto dano têm produzido ao SUS e à gestão
pública.

Por fim, as reformas progressivas precisam se integrar a políticas e programas públicos, como Vigilância em Saúde, Ciência e Tecnologia, Sistemas de Informação, Formação e Educação Permanente e integração com os Sistemas de Educação, o Sistema Único de Assistência Social, a Gestão Urbana e outros.

1 Faculdade de Ciências Médicas, Universidade Estadual de Campinas. Campinas SP Brasil.
Referências
1. Paim JS. O que é o SUS. Rio de Janeiro: Editora Fiocruz; 2009.
2. Aleluia IRS, Medina MG, Vilasbôas ALQ, Viana ALD. Gestão do SUS em regiões interestaduais de saúde: análise da capacidade de governo. Cien Saude Colet 2022; 27(5):1883-1894.

LINK: Editorial Abrasco – Julho/2022