Relato das experiências em três CAPS de Maceió: uma visão holística e regionalizada da saúde mental

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Este é um relato de experiência de três indivíduos e suas experiências singulares em cada CAPS no qual desempenhou suas atividades durante o estágio de Saúde Mental do Internato Médico da Faculdade de Medicina da Universidade Federal de Alagoas. Desta forma, as atividades foram desempenhadas por Lucas Monteiro, Kleberson Souza e João Bosco Barros, no CAPS Rostan Silvestre, CAPS Dr. SADI FEITOSA DE CARVALHO, CAPS Casa Verde, respectivamente.

CAPS Rostan Silvestre: A experiência de Lucas

Durante meu estágio no CAPS Rostan Silvestre, tive a oportunidade de fazer parte integralmente da equipe multiprofissional, junto de um grupo verdadeiramente acolhedor. Pude participar do acolhimento de pacientes tanto com psicólogos quanto com agentes de saúde, bem como presenciar ativamente as oficinas de musicoterapia e de pintura com lápis de cor.  A partir dessas atividades, pude perceber que a saúde mental vai muito além do processo saúde-doença, e que o acolhimento do indivíduo (e não do paciente) que torna o CAPS um local tão especial para a cura e melhora de qualidade de vida das pessoas que usufruem deste.

Além disso, fui convidado a participar do acompanhamento com consultas com o psiquiatra do CAPS e observar também o papel do médico na relação do indivíduo com seus familiares e outros usuários da unidade. A partir deste momento, pude perceber a importância de se ter uma relação médico-paciente integral e longitudinal, como é prezado pelos princípios do Sistema Único de Saúde. Percebi também que nem todo paciente com problemas de saúde mental tem o perfil do CAPS, pois assim como um centro cirúrgico atende apenas necessidades cirúrgicas e uma emergência psiquiátrica apenas problemas agudos da saúde mental, o CAPS deve ser responsável por usuários que sejam capazes de usufruir melhor das ferramentas que o centro pode oferecer.

Um CAPS é responsável por seu território, e o entendimento deste conceito de territorialização é extremamente relevante para que a melhor experiência possa ser ofertada aos usuários, já que o acesso (outro princípio do SUS), deve ser respeitado tanto quanto o de regionalização, com isso, durante o acolhimento, pude ver usuários sendo indicados para outros CAPSes por terem se mudado para outra parte de Maceió e, assim, tendo mais dificuldade de manter o acompanhamento na Jatiúca.

Desta forma, minha experiência no CAPS foi extremamente frutífera, tendo em vista que pude me aproximar dos profissionais presentes lá e conhecer melhor as histórias das pessoas que rodeiam a região em que moro. Conhecer o seu povo é o primeiro passo para cuidar dele, e eu, como médico em formação, sinto que estou mais próximo de me tornar um médico melhor por conhecer melhor as pessoas que frequentam um CAPS. As doenças da saúde mental são extremamente estigmatizadas, sendo preciso que todo profissional de saúde possa ter contato, de uma forma ou de outra, com esses pacientes, levando para si as noções de que cada paciente é seu ser biopsicossocial.

Finalizando, gostaria de agradecer ao prof. Sérgio Aragaki, ao Dr. Rostan Silvestre, ao Dr. Lucas, bem como à Paula e à Janine, que puderam tornar minha experiência no CAPS homônimo extremamente proveitosa e singular.

 

CAPS Dr.SADI FEITOSA DE CARVALHO: a experiência de Kleberson.

Em meu estágio no CAPS tive a oportunidade de conhecer a dinâmica da assistência à saúde mental mediante atividades em grupo a qual constituiu em rodas de conversa a respeito das temáticas medo e ansiedade, assuntos esses considerados tabus porém de suma importância para a qualidade de vida dos paciente, além disso houve um jogo de tabuleiro de modo a estimular a integração e o raciocínio dos pacientes.

Ademais , houve a realização do acolhimento a uma paciente que sofre de Transtorno do Estresse pós traumático (TEPT) com a tentativa de suicídio, sendo esta assistida pela Psicóloga da unidade. Em tal consulta tive a possibilidade de perceber que a paciente não se resume apenas a doença mas a uma conjuntura biopsicossocial, abrangendo o psique, o físico e o social, tendo esses fatores que estarem em alinhamento para uma boa qualidade de vida.

Não obstante, pude ouvir como a visita domiciliar se articula, compreendendo o chamado da unidade de saúde da família do território responsável pelo usuário ao CAPS, sendo acionada a equipe multidisciplinar formada pelo Psiquiatra, Educador Físico ,Farmacêutico, Enfermeiro, Assistente Social e Psicólogo, que se dirige até o local em que o usuário se encontra juntamente com o Agente de Saúde da unidade, prestando todos os cuidados ali necessários.

Logo, considero que minha experiência no CAPS, participando ativamente da articulação das atividades, foi uma etapa fundamental em minha formação, agregando em meu arsenal de habilidades e me ajudando a ser um futuro profissional mais humano , vendo o paciente como um todo e não apenas mediante sua condição.

Aproveito ainda  a oportunidade para agradecer ao prof. Sérgio Aragaki pelos  ensinamentos proveitosos sobre as práticas de desmedicalização, movimento antimanicomial, diálogo aberto e gestão autônoma da medicação durante o estágio de saúde mental.

CAPS Casa Verde: A experiência de João.

O estágio de Saúde Mental da Faculdade de Medicina da Universidade Federal de Alagoas, nos dá a oportunidade de passar 3 semanas acompanhando as atividades realizadas nos CAPS de Maceió. Durante esse tempo, acompanhamos a equipe multiprofissional nas intervenções e temos tempo para sentar e conversar com os usuários, conhecê-los e crescer com essa experiência. Também, somos instruídos sobre as atividades, às vezes assistindo, às vezes participando conjuntamente, às vezes organizando, em um processo de muitos aprendizados diferentes.

Muito perceptível é a importância das ações planejadas pela equipe multidisciplinar. As atividades realizadas no CAPS Casa Verde serviam de vários propósitos. Preparar o usuário para melhor integrar a sociedade, desenvolver suas questões internas, se relacionar com pessoas diferentes e semelhantes, em um processo de reconhecimento e aprendizado. Por exemplo, atividades planejadas pela terapeuta ocupacional em que, em primeira vista, poderiam parecer uma atividade lúdica, tinha como objetivo ajudar a traçar um plano de futuro laboral para o usuário, sondar suas vontades e habilidades para planejar essa conquista de integração, a medida que um indivíduo trabalhando, integra melhor a sociedade, adquire mais independência e tende a melhorar do quadro psiquiátrico à medida que se ocupa com o trabalho.

As oportunidades de conversar com a equipe multidisciplinar também foram de extrema importância. Conhecer a rotina, entender algumas questões por trás das ações e ver o cuidado sob a perspectiva de outras especialidades. Durante o curso de medicina, costumamos acompanhar médicos, às vezes equipes de enfermagem. Entretanto, acompanhar os diferentes profissionais teve utilidade tanto de praticar conviver trabalhando com a equipe multi, como aprender um pouco das nuances de suas abordagens conforme seus conhecimentos específicos.

Por outro lado, sentar numa mesa e conversar com os pacientes, trouxeram várias reflexões. Ter a oportunidade de conversar de igual para igual, ao invés do típico encontro que temos, atrás de uma mesa dentro de um consultório, nos possibilitou conhecermos sua história, seus gostos, suas vontades, seus anseios e seus sonhos. À medida que progredimos nos estudos da psiquiatria, também, vamos sendo treinados a reconhecer padrões de pensamento que são classificados muitas vezes como patológicos, e poder reconhecer esses padrões nas conversas com os usuários também foi interessante. Porém, uma parte importante desse estágio no CAPS foi conhecer os usuários além das suas patologias e, apesar de tê-las e serem comumente o foco da atenção dos médicos e estudantes de medicina, foi uma oportunidade única de conhecer as pessoas além das suas patologias.

Tivemos também, durante esse período a oportunidade de organizar conjuntamente com a equipe de enfermagem ações de educação em saúde que foram muito importantes para nossa formação enquanto treinamento para realizarmos futuramente ações parecidas, como pela oportunidade de discutir assuntos importantes para os usuários e tentar trazer um pouco dos conhecimentos de dentro da universidade para fora dela e para dentro das casas da população. Além disso, uma das atividades mais marcantes foi uma oficina de leitura, escrita e discussão em que lemos conjuntamente O Alienista de Machado de Assis. Definitivamente foi um momento de reflexão. A medida que sentamos em mesa redonda, lemos conjuntamente e abrimos espaço para cada um falar suas interpretações da leitura, traz à tona como somos pessoas tão diferentes que pensamos diferente e, apesar disso, estamos sentados juntos em um espaço para discutir nossas ideias sobre uma leitura em comum. Curioso, inclusive, a escolha do livro considerando o CAPS Casa Verde e a leitura do Alienista, onde Simão Bacamarte denomina sua casa de cuidados desta mesma forma, porém sem comparações com o cuidado prestado em ambas Casas Verdes.

Ouvimos de colegas falas de que as atividades do CAPS costumavam ser terapêuticas até para nós estudantes que as acompanhamos. E definitivamente, estar nesse período presente no CAPS trouxe grandes conhecimentos de mundo, de educação formal e de conhecimento próprio. Esses aprendizados fazem com que os estudantes saiam mais humanos, mais pacientes e com um melhor entendimento das nuances da mente humana.

Finalizo agradecendo a toda a equipe do CAPS Casa Verde que me acolheu tão bem, foi tão paciente no processo de aprendizado das atividades, nos deu a oportunidade de organizar atividades de educação em saúde e sempre presta um serviço de atenção tão importante e especial aos usuários que frequentam o CAPS. Por fim, agradeço ao Professor Sérgio Aragaki por organizar nossas idas aos CAPS além de proporcionar interessantes e formativas discussões sobre Atenção Psicossocial, que foram tão importantes para complementar nossos aprendizados nos estágios no Hospital Escola Portugal Ramalho, e para abrir um ambiente de discussão sobre práticas antigas e atuais em saúde mental.