Relato de caso: Desafios na humanização em ambiente de UTI – Discussões em um round multidisciplinar

6 votos

 

Relato de caso: Desafios na humanização em ambiente de UTI – Discussões em um round multidisciplinar.

 


Introdução:

Este relato é o compartilhamento de nossas discussões em um round multidisciplinar a cerca de uma paciente jovem sem qualquer problema de saúde prévio mas que teve quadro agudo cardíaco (inesperado) em sua residência, que determinou parada cardíaca prolongada com falência múltipla de órgãos e necessidade de imediata internação em UTI e alto risco de vida (em sua patologia, a literatura médica estimava mortalidade maior que 86%) impactando psicologicamente toda equipe, familiares e amigos pela gravidade, complexidade e alto risco de morte. A humanização dos cuidados de saúde é uma abordagem fundamental que busca tratar o paciente de forma integral considerando sua individualidade, emoções e necessidades.


Metodologia:

Na discussão, observamos grande comoção de toda a equipe e principalmente dos familiares que, inconformados com tal fatalidade, padeciam de ansiedade e tristeza apesar de toda informação e acesso aos dados de nossos cuidados. O Ministério da Saúde, por meio do Programa Nacional de Humanização (PNH), estabelece protocolos e diretrizes para fomentar a humanização nos serviços de saúde, incluindo as unidades de terapia intensiva (UTIs). A nossa UTI adulto tem mais de 40 anos de existência na Santa Casa de Misericórdia de Araçatuba e, com relação ao PNH, desde de seu lançamento nacional, as cartilhas do protocolo  sempre fizeram parte da discussão de nossa rotina multidisciplinar em seus princípios e valores apesar de todos os desafios sociais, financeiros, físicos, humanísticos e epidêmicos vivenciados em todo o país nos últimos anos. Desta vez, tivemos a idéia de criar, em paralelo à discussão dos cuidados técnicos, alguns objetivos pontuais no processo de humanização, elaborados e gerenciados pela própria equipe de maneira clara, ultrapassando os princípios genéricos e objetivando aspectos da individualidade da paciente. Desta forma, todos participaram na criação e aplicação dos princípios discutidos em grupo. Tais discussões foram descritas em tópicos que passaram a gerenciar os princípios da PNH para marginar maior suporte em nossa unidade. Após criação dos tópicos, discutiu-se a aplicação dos mesmos de maneira livre e espontânea de toda equipe, entre os quais:

 

  • Estabelecimento de Relação Terapêutica: A equipe médica e de enfermagem já mantinha grande relação empática com a paciente demonstrando compaixão e compreensão. No despertar, todos se aprimoraram de maneira objetiva em realizar conversas acolhedoras com espaço para expressão de sentimentos, permitindo que a paciente se sentisse ouvida e compreendida, ainda que um pouco desorientada em sua recuperação.
  • Tratamento Integral: Além dos cuidados médicos, a equipe da UTI considerou a importância do cuidado psicossocial. Foi oferecido suporte psicológico especializado, tanto para a paciente quanto para seus familiares, visando fornecer apoio emocional e trabalhar na reconstrução da sua saúde mental.
  • Valorização da Dignidade: Os profissionais de saúde asseguraram que a paciente fosse tratada com respeito, dignidade e privacidade em todos os momentos. Foram tomadas medidas para garantir que ela se sentisse segura e protegida, mesmo em um ambiente tão desafiador como a UTI.
  • Inclusão da Família: A equipe envolveu ativamente os familiares da paciente no processo de cuidado, fornecendo sempre informações atualizadas sobre o estado de saúde,  encorajando sua participação nas decisões relacionadas ao tratamento e esclarecendo sobre os riscos e a possibilidade de um desfecho insatisfatório como possível  elaboração de luto e suporte. Ampliamos o tempo de permanência deles na UTI. Esse envolvimento foi crucial para fortalecer o apoio emocional e criar um ambiente de suporte durante a recuperação.
  • Cuidado Espiritual: Considerando a perspectiva augustiniana, a equipe de saúde também se preocupou com o bem-estar espiritual da paciente. Foram oferecidas opções de suporte religioso ou espiritual para ajudá-la a encontrar força e significado durante esse momento desafiador.

Discussão:

Abordar ativamente, em grupo de trabalho, sobre humanização neste formato estruturado e individualizado foi salutar, assim como a criação de estratégias elaboradas de maneira pontual pelos cuidadores de maneira simples, clara, objetiva e com envolvimento de toda a equipe com naturalidade e espontaneidade trouxe benefícios, maior clareza e segurança nas ações relacionadas à humanização.


Conclusão:

A paciente, apesar de um quadro gravíssimo, teve excelente evolução e alta da UTI após 1 mês. A abordagem na UTI com foco ativo e individualizado na humanização, empatia e compaixão em estratégias pontuais elaboradas e aplicadas pela própria equipe com base nos princípios da PNH junto do primor técnico-científico de todos permitiu que a equipe de saúde promovesse a recuperação integral da paciente e de seus familiares. A valorização da dignidade, o cuidado psicossocial, a inclusão da família e o suporte espiritual foram elementos fundamentais para a recuperação plena da paciente. Sugerimos a outras equipes e unidades críticas de outros Hospitais que experienciem esta vivência nestes moldes pontuais e também compartilhem suas experiências.


 

Equipe:

Dr. Luiz Claudio A. Lima – médico intensivista, preceptor de residência e professor de Medicina do UniSalesiano

Dr. Fabio Bombarda – médico intensivista, preceptor de residência e professor de Medicina do UniSalesiano

Dra. Anadeline Katsumy Hirata Teixeira- médica plantonista da UTI

Enfa. Cybelle Aparecida Pimentel Gualberto – enfermeira pós graduado em UTI

Enf. Caio Augusto Barbosa – enfermeiro pós graduado em UTI

Enf. Beatriz Regina Bordin Bordon – enfermeira pós graduado em UTI

Enf. Alex Gustavo Viveiros de Almeida – enfermeiro pós graduado em UTI

Enf. Juliana Barbosa Alves – enfermeira pós graduado em UTI

Enf. Jairo Cesar de Moura Hilsdorf – enfermeiro pós graduado em UTI

Fta. Regina Lucia Siqueira Lang Telline – fisioterapeuta

Fta. Alessandra Fernandes Antigo de Castilho – fisioterapeuta

Médicos residentes:

Dr. Carlos Henrique Massuda Mullon – médico residente de Clínica Médica

Dra. Lorise Donadelli de Oliveira Soltovski- médica residente de Clínica Médica

Internos do sexto ano da faculdade de Medicina do UniSalesiano:

Tayla Ranieri Martins

Daniella Rezende Ferreira

Flavia Regina L. Ferreira

Jaqueline dos Santos Kanematsu

Mirella Mayumi Yazawa