Esta foi uma resenha que escrevi em meados de 2023, e surgiu através da proposta de atividade da professa Helen Barbosa dos Santos, que consistiu em assistir ao filme “O Experimento de Aprisionamento de Stanford (ALVAREZ, Kyle Patrick. Estados Unidos, 2015) e realizar uma resenha.
O filme “O Experimento de Aprisionamento de Stanford”, baseado em fatos reais, é uma representação dramática do experimento de psicologia social conduzido por Philip Zimbardo em 1971. No longa metragem, um grupo de jovens foi selecionado para se voluntariar como cobaias, onde foi dividido em dois grupos: guardas e prisioneiros. Eles seriam recompensados com quinze dólares semanais. Eles foram colocados em um ambiente que simula uma prisão real. À medida que o experimento avança, os participantes começam a internalizar seus papéis. Os guardas se tornam autoritários, abusivos e violentos, e os prisioneiros passivos, submissos e oprimidos.
O filme explora a teoria de Gustave Le Bon sobre o comportamento das massas, em particular a atomização do sujeito. A teoria de Gustave Le Bon sobre as massas afirma que as pessoas, quando estabelecidas em grupo, pensam, sentem e agem de forma diferente. O grupo age por meio de um inconsciente coletivo, sendo que, em um grupo, o que se manifesta são as personalidades inconscientes de cada pessoa. Para o autor, a massa (um grupo de pessoas) é irresponsável porque este sentimento se desfaz, pois, as pessoas tornam-se potentes e invencíveis. Elas perdem sua subjetividade e são transformadas em indivíduos; perdem seu vínculo com o social, permitindo que o político seja reduzido a estruturas, instituições e objetividades. É importante destacar o uso do termo indivíduos ao invés de sujeitos. Esta diferenciação se faz necessária porque o primeiro aponta para uma afirmação do “individualismo”, que é um produto das rupturas sociais que consolidaram a “sociedade industrial”, conforme o autor Marco Aurélio M. Prado. Le Bon enfatiza a necessidade que tem o grupo de ser dirigido, influenciado e oprimido por um líder. Este, por sua vez, precisa ser autoritário, e possuir determinadas características a fim de exercer domínio sobre o grupo. Com isso, é possível afirmar que suas ideias também influenciaram no surgimento e manutenção dos movimentos fascistas do Século XX e neofascistas do Século XXI, especificamente no que diz respeito ao surgimento de líderes populistas.
Ao comparar a massa de forma absolutamente igual a como as células formam um corpo, Gustave Le Bon reduz os sujeitos a partículas, a indivíduos, separados de um NÓS político, e isso significa alienar pessoas do espaço social. O autor, ao amparar sua teoria em discursos racialistas de sua época (de que uma forma de racionalidade seria responsável pela legitimidade de uma superioridade civilizatória), evidencia que suas teorias objetivavam excluir o diferente, fazer não existir as diferenças, daí a transformação do sujeito em indivíduo. Assim, através de deu discurso, o autor se posiciona ao lado das trincheiras nazistas e fascistas que assolaram o mundo durante a Segunda Guerra Mundial.
A partir do ponto de vista mais contemporâneo, o autor se posiciona também de forma contrária ao Artigo I da Declaração Universal dos Direitos Humanos, proclamado pela Resolução de número 217 da Assembleia Geral das Nações Unidas, em 10 de dezembro de 1948:
“Todas as pessoas nascem livres e iguais em dignidade e direitos. São dotadas de razão e consciência e devem agir em relação umas às outras com espírito de fraternidade”
Declaração Universal dos Direitos Humanos, Art. I.
Se faz necessário, também, entender que o autor do experimento, Zimbardo, também não considerou o disposto no artigo primeiro da Declaração Universal dos Direitos Humanos.
No que diz respeito à Psicologia brasileira, e como bacharelando em Psicologia, o pensamento de Le Bon não condiz com os sete princípios fundamentais que estão expressos no Código de Ética Profissional da pessoa psicologia, que está em vigor desde 27 de agosto de 2005, em especial os princípios I, II, III:
“I. O psicólogo baseará o seu trabalho no respeito e na promoção da liberdade, da dignidade, da igualdade e da integridade do ser humano, apoiado nos valores que embasam a Declaração Universal dos Direitos Humanos.
II. O psicólogo trabalhará visando promover a saúde e a qualidade de vida das pessoas e das coletividades e contribuirá para a eliminação de quaisquer formas de negligência, discriminação, exploração, violência, crueldade e opressão.
III. O psicólogo atuará com responsabilidade social, analisando crítica e historicamente a realidade política, econômica, social e cultural.”
CONSELHO FEDERAL DE PSICOLOGIA. Código de Ética Profissional dos Psicólogos, Resolução n.º 10/05, 2005, Art. I, II e III.
As cenas de encarceramento e sofrimento nos convidam a pensar acerca do que é saúde e em como o argumento de “fazer ciência” também pode ser utilizado para fins que atentam contra a vida e à saúde.
“A saúde é direito de todos e dever do Estado, garantido mediante políticas sociais e econômicas que visem à redução do risco de doença e de outros agravos e ao acesso universal e igualitário às ações e serviços para sua promoção, proteção e recuperação.” Constituição Federal (1998), Art. 196.
REFERÊNCIAS
__STF – Constituição Federal do Brasil.
Disponível em: <https://constituicao.stf.jus.br/dispositivo/cf-88-parte-1-titulo-8-capitulo-2-secao-2-artigo-196>.
__CÓDIGO DE ÉTICA PROFISSIONAL DO PSICÓLOGO Agosto 2005. [s.l: s.n.].
Disponível em: <https://site.cfp.org.br/wp-content/uploads/2012/07/codigo-de-etica-psicologia.pdf>.
__ ORGANIZAÇÃO DAS NAÇÕES UNIDAS. Declaração Universal dos Direitos Humanos, 1948. Disponível em: <https://www.unicef.org/brazil/declaracao-universal-dos-direitos-humanos>
__ DARDOT, P.; LAVAL, C.. A nova razão do mundo: ensaio sobre a sociedade neoliberal. São Paulo: Editora Boitempo, 2016. 402p.
__ PRADO, Marco A. M. (2001). Psicologia Política e Ação Coletiva: notas e reflexões acerca da compreensão do processo de formação identitária do “nós”. Psicologia Política, 1(1).
Por Sérgio Aragaki
Gustavo,
Ótimo poder ler sua resenha e saber que essas preciosas reflexões estão sendo feitas e que o orientam como futuro profissional.
A discussão (infelizmente) é muito atual. Tenho visto profissionais da psicologia e de outras áreas da saúde, assim como da educação, aderirem a discursos autoritários, xenofóbicos, misóginos, lgbt+fóbicos, racistas, aporofóbicos, fascistas. E o pior: se dizem a favor da Vida, da humanização da saúde.
Ter noção crítica e posicionamentos contrários a tudo isso faz parte da nossa jornada coletiva.
A Luta é contínua e se faz em redes. Redes de produção de saúde, redes de produção de Vidas, redes de Afetos. Seguimos contando com você e demais pessoas que defendem a Democracia e os Direitos Humanos.
AbraSUS!