Marielle era uma porta-voz. Talvez tenha sido por isso que chorei com sua morte. Teria ela levado consigo a minha voz? Quem falaria agora por mim e por milhões, que impossibilitados de falar, apostavam na voz de Marielle?
Muitos não falam por medo. Poderiam ser calados de maneira forçada e não teriam garantias sobre se um novo porta-voz assumiria seu lugar. No fundo não são covardes, são simplesmente estrategistas tentando manter a voz, como aquele que mantém uma chama achando que sem ela inexistiria fogo na Terra.
Mas Marielle não tinha medo. Insanidade? Fantasia? Prefiro acreditar que ela acreditava.
Ela sabia que sendo porta-voz, não era a dona da voz. E nunca foi ambiciosa tentando usurpá-la. Os usurpadores sim, temem pela perda, temem pelo silêncio. Ela acreditava que sua voz era a voz de uma rede, e que sua morte devolveria a voz a seus respectivos donos. Eis o segredo de sua coragem: acreditar na rede.
Dar-se conta da rede e saber-se parte dela não é esperar que alguém fale por nós. Mas saber que alguém fala quando um outro está impossibilitado. Em outro momento trocarão de lugar. Na rede, o porta-voz é porta-vozes.
Marielle, obrigado por me fazer me dar conta da minha voz.
Você estava certa, sua voz permanece, PRESENTE!
9 Comentários
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Linda postagem Marcelo! Também choro junto com vocês!
Fizeram calar uma voz que dava voz a tanta outras, mas não vão nos calar. Neste momento somos todas Marielle.
#mariellepresente
Abraços!
Emília
Por patrinutri
Choro por Marielle, choro pelos jovens cariocas que inspiraram seus ideias, choro pelo Rio de Janeiro, que já não tem fronteiras entre a justiça e a atrocidade.
Sinto dor que faz pulsar ainda mais o desejo de equidade, de justiça social, de Direitos HUMANOS.
A diferença nos une, o ideal nos une, embora em espaços diferentes.
Não queremos simplesmente um culpado, queremos verdadeira justiça. Queremos oportunidade aos jovens, que Marielle queria proteger. Queremos oportunidades legítimas para estas pessoas reféns da violência, nesta guerra no abismo urbano.
Queremos UBUNTU “sou o que sou graças ao que somos todos nós”.
#mariellepresente
Por Sérgio Aragaki
Choramos, mas continuamos na luta.
Nossas vozes vão se amplificando e novas vozes vão se juntando.
Marielle sempre presente. Marcus Vinicius sempre presente. Muitas outras pessoas continuam presentes.
Grato pelas suas reflexões.
Abraço
Marcelo, que lindo post e que material para reflexão, meu caro.
Também chorei e choro até agora, não porque conhecia pessoalmente Marielle, mas conhecia as suas lutas, por tê-las em meus próprios braços e peito, por saber que era uma voz potente e, lindamente, voz de mulher, voz da Kizomba, voz da favela, voz dos desvalidos, voz que evocava tantas e tantas vozes.
Quando soube, pela manhã, da execução, um arrepio dos pés à cabeça me tomou e, estupefato, só consegui pensar: mataram Marielle, não acredito!
No caminho ao trabalho, fui me despejando no facebook, numa espécie de choro desaberto por um peito que, embora militante, também se sentia executado, porque minha perplexidade era também uma acusação.
Cômodo estar na posição de alguém cuja voz seja a porta que não abrimos. Por que, afinal, Marielle, morta, seria silêncio?
Não, meu amigo, não era, não podia ser, porque, embora ela fosse a voz que evocava e ecoava a minha no lugar estratégico, o meu lugar de comodidade não podia deixar de sentir que ela morreu por todas as vezes e a cada vez que a deixamos ser porta de alguma coisa que, juntos, somos a própria abertura.
Marielle não tinha medo? Quem disse? Provavelmente ela o tinha sim, mas não se paralisava diante dele, porque agia empoderada de sua vida e de sua convicção de que qualquer vida merece uma luta de dignificação, quando aviltada.
Marielle executada, cri e ainda creio, era um tiro numa militância de representação que, infelizmente, as redes sociais têm, também, nos estimulado a utilizar.
Alguém que, atrás do plasma, faz aquilo que achamos que deve ser feito e que nos sentimos muito felizes apenas por curtir, como se o curtir e compartilhar fossem a própria ação da militância.
A morte de Marielle, seja quem for que a matou, era o tapa na cara, com sangue, de nossa comodidade burguesa.
O sangue de Marielle escorria em minha alma e, de repente, percebi que a morte de Marielle seria e foi um grito de: acorda e vem para a luta, porque sozinha, evidentemente, eu só poderia parir as vozes que se calam e morrer de parto.
Ninguém está impossibilitado, porque a potência é algo que não morre. Mataram a mulher, nasceu a guerreira imortal e invencível, assim me pronunciei no facebook.
Não a calaram, não nos calarão.
Marielle vive e está presente porque ela engravidou todos nós de uma voz potente que faremos nascer ou abortaremos.
Eu, Miguel, homem, mas mulher, negra, lésbica, guerreira estou presente, pronto para a luta!
Por patrinutri
Chorei contigo querido Miguel.
Você deu palavras à sentimentos que não sabia explicar e que jorraram em mim quando soube deste brutal assassinato.
“Marielle vive e está presente porque ela engravidou todos nós de uma voz potente que faremos nascer ou abortaremos.”
Obrigada
#mariellepresente
Choro pelo motorista que morreu anonimamente sem aspirações políticas.
Anderson Presente!
Sei que nada vai mudar, como tantos que morreram na ditadura lutando por liberdade e hoje temos um cenário político que é o pleno assassinato das utopias e dos ideais, com o retorno inclusive da intervenção militar!
Choro por todas as mulheres negras e jovens que morrem diariamente, seja pela violência ou seja na fila do SUS.
E como diria Raul:
“Eu não sou besta pra tirar onda de herói sou vacinado, eu sou cowboy, cowboy fora da lei, durango kid só existe no GIBI e quem quiser que fique aqui entrar pra história é com vocês…”
Choro por todos nos Raphael… por termos que viver tudo isto
depoimento retirado do mural da Cristina Ventura no facebook:
Para ler, pensar e agir.
De um colega da rede
Bom dia pessoal. Dos 46 mil votos que Marielle conseguiu, um era meu. As atrocidades que ela havia denunciado (e ela SEMPRE denunciou, denunciou tanto que incomodou demais) em Acari, um dos bairros que ficam no território de abrangência do CAPS onde trabalhei por quatro anos, acontecem TODO DIA. Um autista acompanhado por nós, morador de Acari, com o recurso da fala muito precário, repetia pra mim durante os atendimentos: olho, urubu! olho, urubu! olho, urubu! A mãe explicava que, à caminho do CAPS, eles viam os corpos desovados no valão sendo comidos pelos urubus.
Uma senhora que se trata conosco, divide o muro de seu quintal com um dos matadouros do Complexo do Chapadão (favela que a mídia não mostra, que não é pra gringo fazer passeiozinho de “zoológico”, que ninguém sabe o nome ou se interessa por quem precisa sobreviver ali). Ela conta das coisas que escuta nos momentos de execução, de participação da polícia, dos gritos e da carnificina. Quando em crise, numa apresentação catatoniforme, para de comer, de ingerir líquido, de falar, “dorme” com os olhos abertos.
Marielle foi nossa parceira também na luta pela saúde mental. Estava na frente parlamentar em defesa da Reforma Psiquiátrica, nas audiências em defesa da política de redução de danos, pela garantia do orçamento pra saúde, contra o sucateamento severo que temos sofrido já há pelo menos uns 5 anos. Estava conosco nas ruas, nos atos e manifestações. Suas falas e propostas, sua firmeza e seu sorriso davam corpo à nossa voz, alimentavam uma esperança real de que nossa luta é fundamental e não pode, não vai cessar.
Em uma das audiências, nos encontramos no corredor e nos abraçamos, falei olhando nos olhos dela: a gente precisa de vc! Ela respondeu firme: Tô aqui!
Marielle tinha 38 anos, era preta, favelada, cria da Maré. Feminista, antiproibicionista, bissexual, mãe. Socióloga, mestre em administração pública. Vereadora, coordenadora da comissão de direitos humanos na Câmara, relatora da comissão que fiscaliza a podridão dessa intervenção militar no Rio.
Marielle tombou na quarta, dia 14 de março, exatamente no dia em que encerrei meu percurso de trabalho de quatro anos naquele território que ela tanto defendeu.
Ontem, junto com dezenas de milhares de pessoas, eu estava na rua, por Marielle e sobretudo COM ela. A dor e o pranto não nos impediram de gritar que o recado nos foi dado, mas que nós não vamos aceitar! A energia e o sorriso de Marielle eram fora do comum, e o único conforto neste momento é pensar que o formigueiro, ainda meio perdido e desorganizado, foi atiçado e está se movimentando. Nós não vamos parar!
Hoje preciso conseguir arrumar minhas trouxas pra partir rumo à Minas. A marca que o Rio deixou em mim é uma ferida eternamente aberta. E um aprendizado de luta e solidariedade que nenhuma discussão política maniqueísta blá blá blá vai tirar de mim. Vivi na carne, e sei todos os porquês das coisas que insisto em acreditar.
Vivemos uma ditadura sim. Vamos à luta! Força na peruca e boa sorte pra nós.
Amei
Por Maria Luiza Carrilho Sardenberg
Choro junto com você, Marceloamado.
Choram Marias e Clarices no solo do Brasil.
Mas para cada um abatido no vôo, muitos acordam.
Linda postagem que nos faz milhões de nós de rede!