SUS, 30 anos: Outras Palavras lança Outra Saúde, um site dedicado ao jornalismo sobre saúde pública

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Compartilho texto de divulgação do site “Outra Saúde“, que parece ser uma iniciativa bem interessante em termos de disputa de narrativas sobre a saúde pública no Brasil, bem como um novo espaço de defesa do direito à saúde e de combate à privatização do SUS, maior sistema público de saúde do mundo!

Há trinta anos surgiam, com uma nova Constituição, o Sistema Único de Saúde e a política pública brasileira mais estruturada e participativa – ambos agora ameaçados. Fruto de uma longa batalha, que se confunde em parte com as lutas contra a ditadura, o SUS vive uma encruzilhada. A Emenda Constitucional 95 corroerá, enquanto não revogada, as bases de sua existência Desde 2016, o ministério da Saúde age, agora abertamente, em favor das lógicas mercantilizantes. A mídia apoia. Mas, embora poderosas, as forças privatizantes são rejeitadas pela maioria da população. E, entre os que atuam em favor da Saúde Coletiva, há um esforço nítido de rever velhos erros e buscar novos rumos.

Neste cenário, Outras Palavras lançou acaba de lançar Outra Saúde, um site dedicado ao jornalismo de profundidade e de combate. Realizado por duas jornalistas experientes e implicadas no tema – Maíra Mathias (editora) e Raquel Torres –, Outra Saúde entrou no ar nesta segunda-feira, 19/2. Tira proveito de nossa experiência editorial. Oferece informações e análises inéditas. Ao mesmo tempo, agrega: reúne material produzido por outras fontes e que, embora muito valioso, permanecia disperso. E inova: apresentará, todas as manhãs, uma resenha das informações indispensáveis para quem luta pelo Direito à Saúde.

MATERIAL PROFUNDO E INÉDITO

O novo site nasce do melhor jornalismo. Maíra Mathias e Raquel Torres debruçam-se há anos sobre os dilemas da Saúde Pública. Escreveram dezenas de reportagens e análises a respeito, em especial nas revistas da Fiocruz (Fundação Oswaldo Cruz). Toda semana, Outra Saúde publicará ao menos uma reportagem de produção própria, que ajude a destrinchar questões atuais e polêmicas. As agruras do SUS. Os riscos de privatização e a resistência da população e do setor. Os percalços dos usuários dos planos privados. As disputas no Congresso e no Judiciário.

O primeiro texto está no ar. Em reportagem especial, Maíra Mathias examina em profundidade as crises emblemáticas de dois dos maiores sistemas de Saúde Pública do Ocidente: o SUS brasileiro e o NHS britânico. Ao refletir sobre a situação nos dois países, e dialogar com estudiosos de seus serviços, a editora chega a duas conclusões perturbadoras – mas também a algum alento. Sim, o direito universal à Saúde, esta conquista humana do pós-II Guerra, pode estar se desfazendo, vítima do capitalismo financeirizado e suas políticas de “austeridade”. Sim, a situação é bem mais grave em países periféricos como o nosso, onde o acesso de ricos e pobres aos mesmos tratamentos nunca foi assimilado.

Mas – aqui, a esperança – a crise não é terminal. Os dados estão rolando. As populações continuam favoráveis, nos dois países, ao SUS e ao NHS. As percalços atuais podem resultar, também, na constatação de que os mecanismos de solidariedade têm de ser resgatados, corrigindo-se os erros anteriores dos sistemas. No Brasil, o principal deles sempre foi (como destaca nosso texto) a transferência de grande parte do atendimento a empresas privadas.

O esforço editorial não se limitará ao texto escrito. Ao longo do ano, uma série especial de entrevistas em vídeo investigará a situação do SUS e do Direito à Saúde. Um tema destacado abre a sequência: o risco de desregulamentação completa dos planos privados, a partir de projeto de lei em tramitação acelerada no Congresso Nacional. A ameaça é analisada, em seus múltiplos aspectos, por um grande estudioso do assunto: Mário Scheffer, professor da Faculdade de Medicina da USP e vice-presidente da Associação Brasileira de Saúde Coletiva (Abrasco). Vale conferir.

A PODEROSA LÓGICA DA AGREGAÇÃO

Outra Saúde valorizará sempre a produção de material próprio e inédito – mas irá muito além disso. Servirá como agregador do esforço já realizado por diversas iniciativas editoriais que debatem o Direito à Saúde do pondo de vista jornalístico ou teórico. Um esforço prévio ao lançamento do novo site identificou dezenas de publicações alternativas valiosas, cujo conteúdo encontra-se até hoje disperso. Outra Saúde reproduzirá este material – sempre mencionando as fontes de origem e oferecendo link direto para elas.

Os primeiros resultados desta agregação já estão visíveis. O novo site abriga também cerca de quinze textos de publicações que prezamos. Alguns breves exemplos: Bruno Marchetti revela, em Motherboard, que os simpáticos descontos ofertados pelas grandes redes de drogarias aos clientes “fiéis” podem envolver quebra de sigilo médico e captura de dados – oferecidos aos planos privados de Saúde. Entrevistado pela IHU Online, o cardiologista Luiz Vianna Sobrinho aponta, com riqueza de dados, a tendência à mercantilização crescente do atendimento médico e da produção de remédios. Luiz Felipe Stevarin expõe, na Revista Radis, as ameaças de fim do programa Farmácia Popular e os dramas sociais que isso já acarreta.

INFORMAÇÃO ATUALIZADA PARA QUEM PRECISA AGIR

A luta pelo Direito à Saúde é, além de árdua, intricada. Os interesses privados são bilionários. A capacidade destrutiva dos grandes grupos empresariais, de seus lobistas e dos políticos ligados a eles não pode ser negligenciada. Tampouco é possível desconsiderar as ações dos movimentos sociais, deixar de incidir sobre as descobertas científicas e avanços técnicos, desconhecer as experiências internacionais.

Outra Saúde assumiu um desafio: produzir todas as manhãs um boletim que busca captar e sistematizar as novidades mais relevantes sobre o tema. O universo de pesquisa inclui centenas de publicações brasileiras e internacionais. A busca e a redação são feitas todos os dias, de madrugada. Por volta das 8h, o boletim é distribuído. Entre diversos outros assuntos, o desta quarta-feira aponta uma manobra do ministério da Saúde para reter recursos destinados a investimentos e custeio. Trata-se do envio de bilhões de reais , ao fim de cada ano fiscal, para a rubrica contábil de “restos a pagar”. Na virada de 2017 para 2018, por exemplo, foram R$ 13,6 bi – suficientes para custear 10,5 mil Unidades de Pronto Atendimento… Já ontem, o destaque era a entrevista do ministro da Saúde, Ricardo Barros, ao programa Roda Viva da véspera (“Vamos ter de conviver com a febre amarela… Vai acontecer todos os anos”). E a edição de terça-feira chamava atenção para o surgimento de clínicas de reabilitação para viciados em internet, nos EUA. Também alertava para a proposta “muy amiga” do diretor de Relações Institucionais do laboratório Roche, em artigo na Folha de S.Paulo (mais presença privada na Saúde Pública). E sugeria a leitura de uma série de reportagens sobre a intersexualidade, no site Nexo.

Cada edição do boletim informa sobre múltiplos assuntos – sempre com recomendações de leitura e os respectivos links. Vale (muito) conferir.

RESENHAS E AGENDA

A experiência de luta pela Saúde Pública no Brasil resultou, também, numa vasta produção teórica, que continua a se atualizar. Há diversas revistas científicas e acadêmicas de muita qualidade – a começar pelas publicações pioneiras do Cebes – o Centro Brasileiro de Estudos sobre Saúde. O novo site procurará resenhar parte deste imenso e importantíssimo material. Já no lançamento de Outra Saúde, está no ar resenha de Raquel Torres sobre estudo do IPEA que aponta, com base em vasta pesquisa, a inconsistência da proposta de “Planos Populares” privados de Saúde. O estudo destaca (e Raquel frisa), em especial, as consequências nocivas para o SUS.

Centenas de congressos, seminários, simpósios, mesas redondas e debates marcam a luta pela Saúde Pública. O site procurará destacar, numa seção específica, os mais relevantes.

OUTRA SAÚDE E UM NOVO JORNALISMO

O jornalismo comercial, todos sabemos, está em crise profunda. Reinventá-lo será tarefa de décadas. Dificilmente retornaremos às velhas redações da era industrial, caríssimas e ultra-hierarquizadas. É preciso sondar alternativas.

Outra Saúde expressa uma proposta. E se fosse possível estimular, entre a sociedade, um esforço permanente de informação recíproca? E se, ao invés de um número cada vez mais reduzido de “grandes” publicações, tivéssemos uma galáxia de iniciativas editorialmente muito consistentes, e financeiramente sustentáveis? Com Outra Saúde, oferecemos um pequeno experimento. Esperamos que você goste, leia, compartilhe, critique. Numa civilização em crise, é preciso inventar. Queremos sua companhia nesta aventura.

Fonte: Outras Palavras