No post mais recente do Portal do Slow Medicine, comento sobre como aos valores de normalidade da dosagem de vitamina D foram definidos e como vem mudando ao longo do tempo, bem como a ampliação das indicações podem configurar um caso de Disease Mongering – mercantilização da doença – é um termo utilizado para aumentar as fronteiras da doença e agressivamente promover campanhas de sensibilização para expandir o mercado para tratamento, entre elas definir uma doença da qual um grande número de pessoas a tem.
“Falar sobre vitamina D não é uma tarefa fácil diante de todos os artigos publicados. Até o final de 2017, cerca de 13.000 artigos foram indexados nos últimos 5 anos sobre vitamina D em humanos, dos quais 2700 só sobre suplementação. Se há pouco mais de uma década atrás só se ouvia falar em vitamina D nas doenças ósseas (pelo menos na endocrinologia), como raquitismo, osteomalácia e osteoporose, hoje temos publicações desde o diabetes na endocrinologia, até doenças cardiovasculares e esclerose múltipla, câncer, ampliando e muito os potenciais benefícios da vitamina D nas mais diversas especialidades. Esses são os chamados efeitos extraesqueléticos dessa vitamina. A utilização da vitamina D para doenças não ósseas ainda gera controvérsia.
Em 2011, foram publicadas recomendações de diversas entidades em relação à deficiência de vitamina D, entre elas a da Sociedade Americana de Endocrinologia, vigente até hoje. Conforme essa diretriz, o rastreamento de deficiência de vitamina D seria recomendado para indivíduos com fatores de risco para tal deficiência. Essas recomendações foram endossadas Sociedade Brasileira de Endocrinologia e Metabologia, e recentemente pela Sociedade Brasileira de Patologia Clínica juntamente com a Choosing Wisely. A reposição seria recomendada com o objetivo principal de evitar quedas e fraturas ósseas.
Segundo a diretriz de 2011, os níveis normais da vitamina D (250HD) estariam seriam iguais ou superiores a 30ng/mL; entre 20 e 30ng/mL caracterizariam insuficiência e 250HD < 20ng/mL seriam compatíveis com deficiência.
De acordo com esses números de corte, 20 a 100% dos idosos nos EUA, Canadá e Europa seriam deficientes em vitamina D, ou seja, a normalidade estatística seria a exceção. De acordo com o livro do Dr. Marco Bobbio – O Doente imaginado– a normalidade estatística é definida determinado resultado está num intervalo de valores em que se encontram 95% da população. Essa definição pode sofrer influência dependendo das características da população.
No Brasil, estudos mostram valores inadequados de Vitamina D em 85% dos idosos moradores na cidade de São Paulo, em mais de 90% dos idosos institucionalizados e em cerca de 50% da população de jovens saudáveis.
Até o momento das publicações de diretrizes em 2011, os níveis de vitamina D que definem deficiência ainda são controversos. Esses números foram oriundos de estudos que se baseiam na resposta da administração da vitamina D sobre a normalização do marcador intermediário, ou desfecho substitituto: a normalização do paratormônio (PTH). Faltavam estudos clínicos que pudessem avaliar os desfechos clínicos importantes como quedas e fraturas ósseas.
Estudos começaram a ser publicados avaliando a suplementação de vitamina D no risco de queda em idosos. A controvérsia da suplementação da vitamina D faz parte da história do Slow Medicine, registrada no post como começou a proposta do movimento Slow Medicine no Brasil. Esse estudo que surpreende pelos seus resultados: os grupos que receberam doses maiores de vitamina D ou associada ao calcifediol conseguiram atingir os valores preconizados de 30 ng/mL, entretanto não melhoram significativamente a performance física e ainda foram associadas a risco de quedas maior quando comparadas ao grupo de dose baixa (respectivamente – 66,9%, 66,1% e 47,9%). Os autores discutem que o mecanismo pelo qual as altas doses de vitamina D permanecem incertos, contudo, não seria justificado por um aumento da atividade física e com isso aumentando a oportunidade de queda. Como conclusão desse artigo, os autores aconselham a manutenção da suplementação de vitamina D conforme preconizada pelo Instituto de Medicina (800 UI/dia) em detrimento de doses mais altas.1
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