Toque da realidade, sensibilidade para a vida!

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Escrevi este relato como comentário do post da Angela Maria "Mudando o ritual para humanizar"  nesta RHS. Mas acho que deve compor meu blog, pois é uma história que se confunde com minha vida, com muita potência transformadora.

A história da Angela Maria  me fez lembrar minha própria história, que me considerando humanizada e sensível acabei por aprender, com uma usuária, a ouvir o que a vida tem a nos ensinar.

Muitos que já me conhecem, também conhecem esta história, pois fiz dela um mote para minha vida profissional.

As pessoas em seu silêncio tem muito a nos ensinar.

Sou nutricionista e por muito tempo trabalhei em um hospital geral público estadual. Atendia ambulatório 12 consultas por turno de 6h. Ao final desta rotina também me sentia como sua descrição, cansada da rotina, explorada em minha força de trabalho, ao esgotamento.

Certo dia recebi em meio a muitas consultas uma senhora de aproximadamente 60 anos, obesa, diabética, com complicações circulatórias de membros inferiores. Ao fazer a anamnese, poucas palavras conseguia arrancar da senhora.

Olha que sou muito falastrona e tentava sempre deixá-los a vontade!

Então resolvi prescrever a dieta, depois do exame antropométrico e de avaliar os exames de sangue e ler atentamente o encaminhamento médico.

Marcamos um retorno para o próximo mês e muitos meses se seguiram e a senhora não emagrecera nem 100g.

Questionando minha contuda, fazendo uma autocrítica, julguei sempre ser da senhora a "culpa" pela falta de êxito no tratamento.

Realizei adaptações, busquei alternativas de cardápio, etc…

Ela vinha regularmente à consulta, mas não aderia ao tratamento.

A esta altura estava bem incomodada com isso.

Então decidi dizer a ela que a estratégia seria gastar a energia consumida, ao invés de reduzir a dieta. Prescrevi então caminhadas que tinham sua intensidade aumentada a cada semana tanto em relação a distância quanto no tempo, até que pudesse caminhar 1h diária. Disse então que desse ao menos uma volta ao redor da casa após cada refeição.

Passaram-se alguns meses e a senhora não veio mais a consulta. Pensei: desistiu, não quer mesmo se tratar.

Porém o ambulatório tinha um serviço de apoio aos seus pacientes que não podiam se deslocar até o hospital, atendimento domiciliar que tinha por objetivo principal dar suporte aos pacientes em seu tratamento, pós alta hospitalar e evitar a reinternação.

Qual não foi minha surpresa quando o grupo de apoio solicitou minha presença numa visita a casa daquela paciente.

 Ela havia perdido a perna por amputação. Sua casa ficava na periferia, num morro que nem o carro subia. E ela morava num penhasco, não havia a mínima possibilidade de se caminhar em volta da casa. Vivia sozinha, os filhos e netos não a vizitavam e ficara viúva a 1 ano!

Só te digo que desde este dia, passei a ver que não sabia tudo e que minha técnica era muitas vezes ineficaz diante das diversas realidades. Aprendi a ouvir de verdade as pessoas que entravam no ambulatório e menos prescritiva passei a construir com as pessoas as alternativas para os tratamentos.

 

Patrícia S. C. Silva

Blumenau SC