na inglaterra, um big brother em 20.000 casas

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(por Silvio Meira no post Na inglaterra, um big brother em 20.000 casas)

O governo inglês decidiu que tem que fazer alguma coisa sobre as 20.000 famílias mais problemáticas do país, algumas das quais parecem fazer parte de quadros sobre adolescentes difíceis na TV do mundo inteiro.

e esta “alguma coisa” pode ser um dos projetos mais polêmicos de todos os tempos na ilha e no mundo: o governo anunciou um esquema para instalar CFTV [circuito fechado de TV] nas casas das tais 20.000 famílias-problema e mantê-las sob supervisão 24h por dia. o custo por casa vai de £5.000 a £20.000 [entre quinze e sessenta mil reais] pelos próximos dois anos, o que custaria aos cofres de sua majestade a bagatela de um bilhão e duzentos milhões de reais.

A inglaterra deve ser o país mais vigiado do mundo. consta que tem o maior número de câmeras de segurança por habitante do planeta. sempre que estou por lá, tenho a estranha sensação de há alguém me olhando o tempo todo. na praça [acima, CFTV em trafalgar sq.], rua, restaurante, hotel, estrada… todo lugar. sem falar em lugares que eles consideram de alguma “segurança”, como prédios públicos, universidades, aeroportos, estações de trem e lugares de concentração popular. nas escolas da ilha, a novidade são câmeras nas salas de aula, para supervisionar alunos e professores. coisa de louco.

a novidade neste projeto de vigiar as pessoas dentro de casa é a escala da operação, pois cerca de 2.000 famílias já são vigiadas desta forma, numa tentativa de fazer com que os pais tomem conta de seus filhos, afastando-os dos “caminhos do mal”. um dos papéis das câmeras [e das pessoas que, por trás delas, vigiam as famílias], imagine, é observar se a garotada está fazendo a tarefa da escola…

há algo ao mesmo tempo novo e bizarro nesta forma de controle social, que tomara não se espalhe pelo resto do planeta. o novo é um governo achar que pode realmente sequestrar a privacidade das famílias e indivíduos para, em troca, livrá-los de um “mal maior”, como a cadeia para seus filhos. o bizarro é as pessoas aceitarem, qual cordeiros, serem tangidas qual manada, por funcionários públicos que lhes dão conselhos e ordens pela rede, em função do que vêem ou deixam de ver em áudio e vídeo, em tempo real.

tempos atrás, neste blog, dizíamos que… uma das principais defesas da sociedade é justamente o direito à privacidade. revoluções inteiras têm sido feitas por sua causa. e talvez seja bom lembrar que regimes totalitários têm, como habitual primeiro ato, a suspensão dos direitos e garantias individuais, começando pela privacidade.

mas algo me diz que uma série de argumentos pode ser usada a favor de esquemas de supervisão da população, como o proposto pelo governo inglês, na linha do “quem não deve não teme”. sobre este assunto, já dissemos queum dos argumentos mais falaciosos, usado por muita gente, segue a linha do… "não tenho nada a esconder", para acusar quem defende a privacidade, na rede, de estar fazendo alguma coisa imoral ou ilegal. não tem nada a esconder? então porque não deixa o vizinho tirar fotos suas tomando banho ou na cama, com a mulher, numa daquelas noites quentes, e publicar na internet? imagine o milhar de outras situações que não queremos ver disseminadas, na rede ou em qualquer outro meio. de repente, temos tudo a esconder. simples assim.

de resto, é sempre bom reler pelo menos um resumo de 1984, clássico de george orwell [inglês, sabia do que estava falando] que tem passagens como

The telescreen received and transmitted simultaneously. Any sound that Winston made, above the level of a very low whisper, would be picked up by it, moreover, so long as he remained within the field of vision which the metal plaque commanded, he could be seen as well as heard. There was of course no way of knowing whether you were being watched at any given moment. How often, or on what system, the Thought Police plugged in on any individual wire was guesswork. It was even conceivable that they watched everybody all the time. But at any rate they could plug in your wire whenever they wanted to. You had to live — did live, from habit that became instinct — in the assumption that every sound you made was overheard, and, except in darkness, every movement scrutinized.

…e se indignar, logo e alto, que haja alguém em qualquer governo, com poder e recursos suficientes, para pensar e propor tais esquemas. mesmo que seja bem longe de nossas casas. porque não falta quem esteja atrás de “boas práticas” pra transplantar, sem pensar, de um pra outro lugar.