O Bêbado, A Equilibirista e os 50 anos de Golpe Militar

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Dia 31 de março completa-se 50 anos do Golpe de 1964 que levou os militares ao poder no Brasil. A repercussão da data e as muitas manifestações mostram que as feridas ainda não se fecharam.  Existe muito a ser feito para que famílias ainda possam sepultar mortos até hoje desaparecidos. Parte do entulho autoritário da época do regime militar ainda está presente nos aparatos legais e, pior, no espírito de toda uma geração criada sob a percepção de que devemos nos manter calados diante da autoridade como se a noção de hierarquia militar fizesse parte da vida cotidiana das pessoas, o que implicou na dificuldade de se expressar, numa forma de auto culpabilização por se desejar ser que se quer ser.

De  certa forma, o embate político continua. Os fantasmas de 1964 rondam nossas almas. Eles comparecem quando indivíduos e grupos enfrentam-se em torno de projetos que buscam aprofundar formas de inclusão social. Quando educadores de rua são impedidos de trabalhar para cuidar melhor de dependentes químicos na “Cracolândia” pela ação repressiva da polícia; quando nota-se que parte da sociedade acha-se entorpecida frente a trabalhadores que desaparecem depois de serem detidos pela polícia  ou por uma mulher ter sido morta arrastada por uma viatura policial; é impossível não se render a impressão de que parte das pessoas ainda vivem o medo imposto pela ditadura ou, pior, acham certo que coisas como essas aconteçam pois “se ainda não era marginal, iria se transformar em um deles.

Quando nos deparamos com uma pesquisa que afirma que a maioria da população acha natural que uma mulher seja estuprada por estar vestindo roupas mais sensuais, significa concluir que parte da atmosfera conservadora que levou às marchas onde a classe média implorou pela ditadura em 1964, ainda nos intoxica de forma letal. E hoje quando pequenos grupos ensaiam repetir a história em tom de farsa e convidam Deus para marchar com elas por uma nova ditadura, significa dizer que parte de nós parece pronta a abrir mão da liberdade, seja por ingenuidade, seja por desconhecimento, seja pela convicção que toda  forma de diferença deve ser contida ou destruída. Perceber que parte da sociedade ainda flerta com o fascismo afirma em alto e bom som que 1964 ainda não terminou!

Hoje com 52 anos de idade ainda possuo um sonho. Que as “manchas torturadas” de “O Bêbado e a Equilibrista” possam se transformar numa triste lembrança de uma época.  As manchas ali permanecerão, mas já não sangrarão mais porque o país soube cauterizar suas feridas expondo a verdade sobre elas. Enquanto uma única família chorar pelo cadáver insepulto de um desaparecido, o sangue não estancará. Quero sonhar que o andar feito um bêbado trajando luto com chapéu-coco pela rua lembre apenas o Carlitos de Chaplin e não mais se pareça com o gesto de loucura que era afrontar a ditadura. Se hoje o Betinho, que era irmão do Henfil já voltou e ainda pode sensibilizar o país contra a fome, foi porque as pessoas puderam sonhar com o fim da opressão e  cometer o atrevimento de transformar parte do sonho em realidade. 

“Apesar de você [ditadura], amanhã há de ser outro dia”, Estava certo Chico Buarque!  E quando o galo insistiu em cantar, não houve proibição que desse conta da nova melodia do povo na rua. É esse o ponto que quero ressaltar. Que os 50 anos do Golpe de 1964 sirvam para que a gente possa se lembrar de todos que lutaram pela liberdade, não só dos mortos, mas dos que continuam lutando, dos milhões de gestos anônimos que até hoje ocorrem!

É verdade, a luta ainda não acabou. Mas hoje podemos continuar lutando ao som de “O Bêbado e a Equilibrista”, com o galo que continua insistindo em cantar! "Azar, A esperança equilibrista, sabe que o show de todo artista, Tem que continuar…"

DITADURA NUNCA  MAIS!