A “esperança a olhos vistos” de Beth Caló

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Faleceu em São Paulo no início da madrugada dessa quarta-feira (12/10) Beth Caló, aos 60 anos, de causa desconhecida. Beth morava sozinha e foi encontrada morta em seu apartamento. O velório foi programado para esta quinta-feira (13/10), das 9h às 14h, no Cemitério da Lapa, mesmo local do sepultamento, marcado para 15 horas. Beth formou-se em Jornalismo pela Faap em 1977 e trabalhou no começo de carreira no Shopping News, onde ficou por vários anos. Depois passou por Editora Abril, Folha de S.Paulo, jornal PropMark, entre outras empresas e em cargos diversos. Tinha sua própria empresa, a Texto Express, para os trabalhos como freelance, e atuava na plataforma MyFunCity, dedicada às questões urbanas e de cidadania. Foi casada com Guilherme Calderazzo, com quem teve as filhas Júlia e Laura. ( Texto do site “Jornalistas e Cia “)

Beth deixou este belo post-depoimento sobre o SUS e sobre as mudanças que percebeu no país em junho de 2015.

Republicamos aqui por se tratar de uma fala que reencanta pela própria experiência, como ela mesma coloca, “na pele”, do contato com o SUS.

Domingo, 14/06/2015

A vida é cheia de sobes e desces. De uns tempos pra cá não estou lá no ”alto”, digamos assim. E, assim sendo, fui obrigada a mudar meus hábitos. Sem plano de assistência médica, passei a usar o SUS. Sem carro e com pouca grana pra táxi, ando a pé ou de ônibus. Compro roupas a quilômetros de distância dos shoppings e procuro opções de lazer gratuitas ou baratas etc etc. Foi  dessa maneira que pude constatar (meio que sentindo na pele) a mudança que houve neste país.

O SUS, por exemplo.Tem coisas péssimas mas também tem coisas maravilhosas. Alguns serviços que ficam acima do que qualquer convênio pode oferecer. Por exemplo: agentes de saúde indo à sua casa (quando é que a gente viu isso?), exames de imagem sem tempo absurdo de espera. Tudo muito longe do ideal, mas melhor, bem melhor do que já foi.

Nas filas (não importa de quê) acabo encontrando pessoas de baixíssima renda. Vivem na corda bamba mas não são quase indigentes como poderia se pensar. Pra começar, elas comem (gente, isso é demais, elas comem). A grande maioria não passa frio, trata os dentes e estuda. Sim. Es-tu-da. Mais do que isso: quer continuar estudando. Mora na periferia da periferia mas batalha bolsa para cursinho, se prepara para o ENEM e quer, sim, fazer uma faculdade. Paralelamente vai atrás de cursos profissionalizantes gratuitos –cabeleireiro, eletrecista etc. E eles existem aos montes.

As pessoas voltaram a ter esperança. E querem mais. Com toda razão.

Quem mora numa cidade como São Paulo, como eu, viu as possibilidades de lazer gratuito multiplicadas. E o transporte? Quando estou no ônibus e atravesso a av. Rebouças em 10 minutos, usando os corredores, morro de rir de ver aquele monte de carros parados no trânsito. E acho as ciclovias um luxo – ainda que precisem de um melhor planejamento.

Que mais? Praticamente acabou aquele negócio de você ter uma geladeira velha, caindo aos pedaços e oferecê-la ao porteiro, à empregada etc. Eles te dizem: não, obrigado. Sem nenhuma empáfia. É que eles já compraram, em dez mil prestações, que seja, todos os eletrodomésticos que precisam.

No HC e nos postos de saúde, imaginem, encontrei médicos negros. Pouquíssimos, é verdade, mas eles existem. Estudaram com algum tipo de bolsa e chegaram lá.

Eu não sou militante do PT (digo isso pela milionésima vez). Não sou filiada, aliás, a nenhum partido. Não fui beneficiada pessoalmente em absolutamente nada pelo governo petista. Mas quando estou na fila do ônibus ou do SUS ou do cinema gratuito junto com aquele motorista, aquela moça que mora num albergue, o mecânico, a costureira, percebo a diferença que faz termos um governo empenhado em fazer as políticas públicas funcionarem e contemplarem o maior número de pessoas possível.

Aí eu fico feliz. Porque esperança é contagiante. Meus hábitos tiveram que mudar, devido à essa fase ruim. Muita gente pode encarar isso com “descida”. Pode ser. Mas ao “descer” me encontrei com pessoas que “subiram”. E desta maneira ficamos mais alinhados. Olhos nos olhos. Tive (estou tendo) a oportunidade de enxergar e analisar as coisas não mais de cima. E sim de igual para igual. E estou gostando do que eu vejo.

Há muito o que fazer, muito o que melhorar, mas, tenho a impressão de que estamos no caminho certo. Ainda longe, muito longe da igualdade social, de taxações que promovam uma melhor distribuição de renda, de medidas que ponham fim à especulação imobiliária, à privatização da saúde, da educação etc. Mas estamos chegando lá, eu acho. De pouquinho em pouquinho caminhamos. Ainda vamos celebrar tempos muito melhores. Quem viver, verá.