Baixa Distintividade Étnico-Cultural, Currículo e Formação Profissional em Saúde no Vale do São Francisco: apontamentos teóricos
Nos próximos dias 09 a 11 de junho, acontecerá, no Vale do São Francisco (mais precisamente na cidade de Juazeiro/BA), o
III Vale Humanas – Encontro de Pesquisa em Ciências Humanas
(https://valehumanas.blogspot.com/). Seu tema será "Educação e Cultura". As duas primeiras edições do evento, ocorridas nos meses de novembro dos anos de 2007 e 2008, tiveram como temas , respectivamente, “Metodologias da Pesquisa Científica” e “Ética e Pesquisa”.
Uma vez que esta edição objetiva "problematizar os processos formativos e os modos de participação dos sujeitos de diferentes realidades sociais e culturais nas praticas educativas do Vale do São Francisco", inscrevi um trabalho-provocação, que entitulei
"Baixa Distintividade Étnico-Cultural, Currículo e Formação Profissional em Saúde no Vale do São Francisco: apontamentos teóricos para investigações necessárias". Independente do aceite no evento, creio que esta seja uma discussão a fazermos também aqui na Rede.
Abaixo, o resumo apresentado em minha inscrição. Espero começar a conversa já por aqui:
"Neste trabalho, objetivo apresentar os argumentos pelos quais busco evidenciar a necessidade ético-política de investigações locais que, tendo a realidade sócio-cultural do Vale do São Francisco como campo e a formação profissional em saúde como objeto, apresentem enquanto problema central as consequências, teóricas e metodológicas no campo da Saúde Coletiva, do fato de vivermos numa das regiões do Brasil pós-colonial onde as violências da conquista européia moderna mais fortemente atingiram a possibilidade de reconhecimento jurídico-político e auto-afirmação existencial, singular e coletiva, das identidades étnico-culturais dos povos originários deste continente. Ora, como se pode pressupor a partir do conhecimento já produzido no âmbito seja do novo pensamento indigenista, comprometido com a descolonização, seja no âmbito dos estudos das políticas culturais e identitárias contemporâneas e das teorizações críticas dos currículos, as consequências de tal situação são impeditivas da realização local do sonho de uma sociedade de liberdades, apoiada e sustentada num Estado popular, democrático e republicano. Desde minha perspectiva, tal fato apresenta-se cotidianamente patente, por exemplo, na forma precária como não ganham atualização os princípios constitucionais que deveriam orientar os serviços públicos das políticas sociais setoriais locais. No setor saúde em particular, tal realidade evidencia-se, apenas como um exemplo possível, no posicionamento relacional alienígena de boa parte dos profissionais em relação à população sob sua responsabilidade de cuidado (em lugar do cuidado, descuido!). Sua ignorância prepotente – pseudo-científica – em relação à beleza dos horizontes étnico-culturais desta população – da qual em geral os mesmos fazem parte, embora lutem por negar através de artifícios identitários de classe: ignorância de si mesmo… –, incapacita-os para a promoção de um diálogo fecundo entre os conhecimentos de saúde tradicionais e científicos, incapacitando-os, no limite, de realizar justamente aquilo para o qual são pagos com recursos dos tributos. Enfim, são muitas as possibilidades indesejáveis de tal situação, o que a torna, certamente, um tema necessário de nossas investigações."
Por Pablo Dias Fortes
"(…) O que é teoricamente inovador e politicamente crucial é a necessidade de passar além das narrativas de subjetividades originárias e iniciais e de focalizar aqueles momentos ou processos que são produzidos na articulação de diferenças culturais. Esses "entre-lugares" fornecem o terreno para a elaboração de estratégias de subjetivação – singular e coletiva – que dão início a novos signos de identidade e postos inovadores de colaboração e contestação, no ato de definir a própria idéia de sociedade." (Bhabha, Homi K. O Local da Cultura. Ed: UFMG).
Herlon, sigo as pegadas de outras tantas conversas que mantivemos recentemente a esse respeito. Continuo a crer que algo ainda mais revolucionário consiste nos gestos de abertura, e não de fechamento, dos signos. Se estes apontam para qualquer "apelo originário" (mas, afinal, sabemos até onde ir nesse ponto?), quando se trata das políticas de identidade, não se trata de um equívoco em si, mas torna ainda mais complexo e delicado o trabalho mesmo de articulação social e política. Que narrativa será capaz de viabilizar a auto-afirmação dos grupos (não será a do atual Estado de Direito, suponho), ao mesmo tempo em que se deve produzir outras bases para a própria produção dos laços sociais? Sob esse aspecto, talvez caiba dizer que a sua aposta-provocação é realmente bem instigante, uma vez que põe ninguém menos que os profissionais de saúde na fronteira desses "entre-lugares", quiçá o o único ponto alquímico à concepção de outras formas de vida. Estaríamos então diante de uma nova espécie de "espaço público"? É o que arrisco pensar imaginando o pavor de alguns sobre o imperativo de sua própria metamorfose…
Abs,
Pablo Dias Fortes