Carta Aberta a Alexandre Garcia – Considerações sobre a “bobagem” do Parto Humanizado
Esta é a carta escrita pelas ativistas da Parto do Principio em resposta ao Radialista Alexandre Garcia, disponivel em: https://cbn.globoradio.globo.com/colunas/mais-brasilia/MAIS-BRASILIA.htm.
Caro Sr. Alexandre Garcia,
Somos mulheres ativistas da Rede Parto do Princípio, uma rede nacional, com mais de 100 mulheres por todo o Brasil, que luta para que toda mulher possa ter uma maternidade consciente e ativa através de informação adequada e embasada cientificamente sobre gestação, parto e nascimento.
É com profundo pesar que recebemos em pleno dia das mães uma fala cheia de preconceitos sobre a maternidade em um veículo de comunicação pública.
Diante de sua fala, nota-se o profundo desconhecimento das políticas de controle de infecção hospitalar, como também da legislação que garante a toda mulher o direito à presença de um acompanhante de sua livre escolha no pré-parto, parto e pós-parto imediato. Não é só uma “bobagem” do Ministério da Saúde. É lei (Lei Federal n° 11.108 de 2005). Uma lei que vem sendo sumariamente descumprida por todo o país.
Transcrição realizada a partir do áudio disponível em:
https://cbn.globoradio.globo.com/colunas/mais-brasilia/MAIS-BRASILIA.htm
“[…] eu tô criticando essa bobagem do Ministério da Saúde de parto humanizado… será que vão deixar entrar um pai na sala cirúrgica pra infectar a sala cirúrgica? O pai barbudo, cabeludo, bêbado, sei lá o quê, mas enfim… hã… vestido com… com poeira da rua numa sala cirúrgica? Isso é um absurdo. Ah, mas é o parto de cócoras… tudo bem, peça para sua mulher fazer um parto de cócoras pra ver o que vai acontecer com o joelhos dela, não é índia, nã… vão… vão acabar… É um sofrimento. Ah, porque as cesárias… eu disse olha… que ele mesmo concorda que o… o serviço público as cesárias só é feita [sic] em último caso… é parto normal normalmente… não precisa ficar anunciando que o hospital do Gama vai ter isso […]“
Existem normas de controle de infecção hospitalar que devem ser cumpridas por toda a equipe de saúde, pelos pacientes e por seus acompanhantes. Independente se são “cabeludos”, “carecas” ou “barbudos”. Seguidas essas normas, não há porque restringir o acesso do acompanhante. O direito da mulher não pode ser violado a partir de discriminação, de preconceito.
Várias pesquisas comprovaram que a presença do acompanhante no parto proporciona uma série de benefícios como: maior sentimento de confiança, aumento no índice de amamentação, diminuição do tempo de trabalho de parto, menor necessidade de parto cirúrgico, menor necessidade de medicação, menor necessidade de analgesia, menores índices de escores de Apgar abaixo de 7, menor necessidade de parto instrumental, menores taxas de dor, pânico e exaustão, entre vários outros benefícios. Diante desses indícios, a Organização Mundial de Saúde (OMS) preconiza, desde 1996, a presença de um acompanhante para a parturiente.
E isso não é bobagem. São pesquisas científicas.
Hoje, existe a possibilidade da mulher escolher a melhor posição para o parto. De posse de evidências científicas, muitos profissionais não mais recomendam uma única posição, mas permitem que a mulher encontre a posição mais confortável para dar à luz. Para a posição de “cócoras”, que é como são chamadas algumas posições verticalizadas, existem apoios e banquetas. Há também muitas mulheres que conseguem ficar de cócoras sem comprometer os joelhos, mesmo as não-indígenas.
“[…] O ministério da saúde não fez só isso não. O Ministério da Saúde tá estimulando agora pessoa com HIV a engravidar. Eu duvido que o Ministério da Saúde vá fazer uma… uma cesária pela terceira vez numa mulher com HIV e respingar sangue nele pra ver o que vai acontecer. É uma… é uma maluquice. Tão fazendo uma brincadeira com a saúde… Tá lá escrito na instituição a saúde é direito de todos e dever do Estado. O Estado não está cumprindo seus deveres com a saúde… e os problemas são de gestão, são administrativos.[…]“
Atualmente, diante de assistência médica adequada, nós mulheres podemos ter uma gestação e um parto mais seguros tanto para nós, quanto para os bebês. Inclusive as mulheres HIV positivas. Existem protocolos, embasados cientificamente, para os atendimentos às soro-positivas que evitam a transmissão vertical do HIV. Todos nós temos direito à reprodução. Existem também protocolos de rotinas que protegem a equipe de saúde para que não tenham contato com sangue ou secreções; e de providências caso haja algum acidente. E isso não é maluquice. É biossegurança.
E se o Estado está tomando providências para que o pai mais “barbudo” possa acompanhar sua esposa no nascimento de seu filho, e para que pessoas como eu, como os soro positivos e até como você possam ter fihos e netos em segurança, isso não é “bobagem”, isso é dever do Estado.
Mas se o senhor ainda tiver críticas à “bobagem” do Parto Humanizado ou aos partos das mulheres soro positivas, por favor, embase suas considerações com argumentos fundamentados cientificamente. Porque disparar informações incorretas em meios de comunicação pública é anti-ético e um descalabro. E é vergonhoso.
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