Quando a guerra é a pior estratégia
Rita de Cássia de Araújo Almeida
trabalhadora da rede de saúde mental do SUS
Não faz muito tempo que a questão do abuso ou dependência de drogas ilícitas deixou de ser “caso de polícia”, pelo menos no âmbito legal. Para sermos mais específicos é a partir da lei n° 11.343/2006 que traficante e usuário de substâncias ilícitas são colocados em territórios distintos. Enquanto o primeiro continua sendo problema de segurança pública, o último passa a ser preocupação das políticas de saúde.
Lamentavelmente, apesar de contarmos com esse avanço legal importante, que descriminaliza o usuário ou dependente, o uso de drogas ilícitas ainda permanece envolto em uma nuvem de preconceitos e mitos, que contaminam nossa forma de abordar o tema, em especial quando o assunto é tratamento. Infelizmente, ainda enxergamos uma associação direta entre o uso de drogas e delinqüência ou criminalidade, visão exaustivamente reforçada pela mídia.
Isso tem gerado uma certa confusão quando o assunto é oferecer tratamento para o sujeito que se encontra adoecido pelo uso de drogas. Além de vítima da doença, ele se torna também vítima do preconceito e da retaliação da sociedade, o que intensifica os danos, ainda mais quando o sujeito já se encontra em estado de vulnerabilidade social.
O SUS tem sido convocado a dar respostas para tal problemática, que cada vez mais é colocada como evidente e urgente, especialmente com a chamada “epidemia do crack”. Entretanto, a nuvem de preconceitos que envolve o tema precisa ser dissipada, para que não façamos política de saúde utilizando estratégias de guerra. Sabemos que as guerras produzem sempre muitas vítimas e muito poucas soluções, e nesse caso, as vítimas tem sido aqueles para os quais as políticas deveriam oferecer cuidado: os drogadictos.
É importante reiterar: não se faz política de saúde utilizando estratégias de guerra, pelo menos, não quando a intenção é democratizar, humanizar e promover a inserção social, diretrizes fundamentais da política de saúde mental que o SUS vem implementando. Por isso, precisamos abolir formas de tratamento que se utilizem de verbos do tipo: combater, reprimir, tutelar, capturar, aprisionar, perseguir, ameaçar, cercear, coibir, atacar ou amedrontar. Técnicas muito úteis quando se está numa frente de batalha. Por outro lado, precisamos reforçar estratégias de tratamento que façam uso dos verbos: cuidar, acolher, compreender, abrigar, escutar, oferecer, apaziguar, esperar, confiar, apoiar e possibilitar, essas sim, fortalecedoras de laço e produtoras de vida.
Muito se fala sobre a morte como destino do sujeito adoecido pelo uso de drogas, mas o que não se diz é que a morte que realmente ameaça esse sujeito é a “morte social”. Esta sim é a mais perigosa, a que chega primeiro e a que, se não cuidada em tempo, pode provocar a morte do corpo. Isso nos indica que em se tratando de política de saúde não estamos, ou pelo menos não deveríamos estar, em guerra contra as drogas ou contra aqueles que as utilizam, já que esse é o caminho mais rápido para acelerarmos tal “morte social”.
Concluindo, fazer alguma coisa em política de saúde não significa fazer qualquer coisa. Sendo assim, para propormos formas de cuidado e tratamento aos sujeitos adoecidos pelo uso de drogas é fundamental que não esqueçamos que nosso compromisso é com as pessoas e com a vida, coisas que numa guerra possuem o valor de quase nada.
Por Ana Losso
Rita, querida, compartilho totalmente com a tua fala. Acho que é urgente esta reflexão sobre políticas de saúde x guerra. Não podemos perder o nosso foco de atenção e cuidado: o SER HUMANO! As pessoas potencializam o combate e enfraquecem o cuidado!
Os maiores envolvidos não participam das rodas! Por que será???
Abraços Humanitários
Ana Losso
Criciúma, SC