AS ELEIÇÕES 2010 E O FUTURO DO SUS

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Votei em Dilma no primeiro turno. Votei no projeto desde o candidato a deputado estadual até a presidenta. Vou votar na Dilma de novo. Penso que toda a análise política poderia começar com este tipo de tomada de posição. Acredito que este é o caminho melhor para a defesa do SUS e da Humanização. Mas é uma parte muito curta do caminho da defesa do SUS para a próxima década. É relativamente simples entender o tipo de retrocesso que teremos com uma eventual vitória dos tucanos no próximo dia 31.

A força política e social liderada pelo PT e compartilhada pelos partidos da base aliada levou ao Ministério da Saúde uma parcela dos atores políticos que lutaram pela redemocratização do país e pela Reforma Sanitária. Todo este coletivo composto das mais variadas tendências políticas e teóricas que ajudou a colocar o SUS na carta de 1988 deixaria a máquina do governo em Janeiro de 2011.

Isto significaria um rearranjo complicado para as políticas de implantação e consolidação do SUS. O PSDB não pode se desvincular da profissão de fé no credo neoliberal que vigorou na gestão efetiva de FHC, apesar de o partido se reivindicar social-democrata. E o liberalismo (neo ou clássico) é um ambiente rarefeito demais para que o SUS possa sobreviver considerando a “concentração de oxigênio” que lhe é necessária.

Em minha opinião, num Estado de bem-estar social a saúde pode desempenhar o papel da indústria da guerra em governos totalitários ou de extremismos liberais como os EUA. Uma indústria do cuidado é cara, assim como a da guerra. Ambas podem impulsionar ou embasar uma economia de mercado ao longo das crises cíclicas do capitalismo.

Na atual fase do capitalismo onde o consumo volátil é o combustível máximo das relações de troca, essas duas indústrias podem funcionar como um motor psicológico para soldar coesões sociais que não pareçam descartáveis como as mercadorias em que tudo é transformado no liberalismo econômico. Evidentemente que na prática as duas indústrias, da guerra e da saúde, têm efeitos muito diversos.

As crises cíclicas do capitalismo têm mostrado que o sistema é muito dependente dos arranjos da política internacional, por sua vez, regida pela lei dos mais fortes. É ela que impulsiona os povos a fazerem pactos de sacrifício em nome da proteção, segurança ou reconstrução de estados devastados desde a primeira grande guerra.

Já a indústria do cuidado não é compatível nem com o liberalismo nem com o estado autoritário. Há que se inventar uma economia sustentável para que um sistema de saúde universal possa se justificar sem as oscilações cíclicas de desenvolvimento e depressão econômica.

Aqui é que a questão se torna de mais fôlego para o nosso frágil Sistema Único de Saúde. Um jogo onde a eleição é apenas um movimento no tabuleiro. Há que se olhar o médio e longo prazo. Marina, que afirmou perder a cabeça, mas não o juízo, foi a única candidata a escapar do messianismo socialista do PSOL e da guerra por crescimento econômico, que parece enfeitiçar PT e PSDB. Faz sentido. O crescimento econômico e a trajetória de vida de Lula e FHC estão ligados. Viver melhor para ambos foi viver em uma sociedade mais desenvolvida.

Já para Marina, a floresta teve um papel que pode ter feito sua noção de uma vida digna ir além dos dilemas de enriquecer ou ficar na miséria. Assim a expressão perder a cabeça, mas não o juízo, parece fazer muito sentido diante da crise ambiental na qual poderemos estar mergulhando ao longo desse século. Pois podemos estar numa rota sem volta para a destruição ou extinção apesar de todo o juízo que possamos ter daqui para frente.

Por outro lado, em um determinado momento do governo Lula FHC declarou: “A luta entre PSDB e PT é para ver quem conduzirá a locomotiva”. Certamente querendo negar sua prática neoliberal frente ao sucesso desenvolvimentista do rival mais social democrata do que ele. Deste modo com Serra, antes, mas com Dilma, logo em seguida, o SUS poderá passar por uma provação muito difícil.

Uma crise econômica virá. Nós teremos retração da economia no Brasil muito provavelmente em algum momento da próxima década. E um retorno nos padrões sociais aos da era anterior ao plano cruzado é impensável. Seria um cenário de convulsão social pelo simples fato que não dói nunca ter levado um filho a Orlando, mas deixar de ir ao “Mcdonalds” pode ser insuportável.

Certamente o declínio no ritmo do crescimento econômico não nos levará a um retrocesso nas desigualdades sociais para o patamar de até a era Collor. Do mesmo modo que o Brasil não voltou a ser o de antes da era Vargas nem durante a ditadura militar.

O índice de desenvolvimento econômico e humano no capitalismo vem crescendo. Isso não se pode negar. O caso não é que ao custo apenas de milhões de vidas excluídas ou exploradas no jogo econômico: a vida humana não será viável no atual padrão de consumo crescente das reservas naturais do planeta.

Na próxima contração da economia brasileira, o dilema letal será o de escolher entre reduzir os gastos públicos para reaquecer a economia ou manter as políticas sociais, o SUS incluído. Neste cenário poderemos ver um ressurgimento do liberalismo mais autêntico. Um neoconservadorismo que apenas se insinua na campanha do Serra, mas que nem de longe mostrou sua verdadeira cara.

Será no inescapável momento de refluxo das taxas de emprego e de renda, durante a próxima década, que os conservadores irão se reposicionar na nova sociedade brasileira legada pelos anos Lula e, em parte FHC.

Eles irão surgir com lideranças mais autênticas do que o Serra. E vão colocar aos eleitores brasileiros o dilema de sustentar o pesado Estado de bem-estar social e das políticas públicas ou garantir uma economia forte para que cada cidadão possa fazer valer seu status de consumidor.

Entre os remédios, cirurgias, e atendimentos gratuitos estamos educando o eleitorado para preferir a miragem da garantia do consumo de automóveis e celulares. Acho que este é o alerta que a candidata Marina tentou passar.

Assim, sem dúvida, votarei em Dilma no dia 31 de Outubro. Mas a agenda conservadora não se concluirá numa eventual vitória de Serra e não estará morta na provável vitória de Dilma. O sucesso econômico que sustenta a popularidade de Lula e o favoritismo de Dilma cederá aos naturais ciclos de expansão e contração do capitalismo.

O fio vai virar. E o lado desencapado estará nas mãos do espectro político de centro-esquerda. É por isso que acredito que pagaremos um preço alto se não criarmos alternativas de desenvolvimento econômico sustentável. Principalmente se esta alternativa não tiver um acolhimento maduro da sociedade brasileira. Se nos portarmos em sociedade como crianças em uma loja de brinquedos a depressão econômica será certa e apenas o quando estará em jogo.

Agora é Dilma.

E todos os dias, a tarefa é construir uma sociedade e uma economia que não tragam em seu ventre a semente de nossa própria ruína. É o recado que tem nos dado o planeta e a vida que nele se aconchega e da qual a humanidade e nossa sociedade são uma parte menos poderosa do que costumamos pensar.