Ficção ou realidade?

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Estamos em um admirável mundo novo?

Essa é a pergunta que hoje não quer calar…

Se me perguntarem,– O que isso tem a ver com a saúde?

Peço que analisem as implicações dessa ‘moldagem’ do homem-consumidor em seus modos de viver, de adoecer e de morrer.

Saudações ficcionalmente sociológicas.                  

 

Vamos ao texto, elaborado após a leitura dos livros de Bauman.

Rejane Guedes Pedroza


Se o escritor britânico Aldous Huxley, falecido em 1963, ainda estivesse por aqui, seria provável que algum dia seus caminhos teóricos se encontrassem com o Sociólogo polonês ZYGMUNT BAUMAN, autor de diversos escritos que tratam dos efeitos que a atual estrutura social e econômica – com base na sociedade de consumo desenfreado, no que é descartável e efêmero – provoca na vida, no amor, nos relacionamentos profissionais e afetivos, na segurança pessoal e coletiva, no consumo material e espiritual, no conforto humano e no próprio sentido da existência.
Segundo o sociólogo, a formatação pós-moderna da vida social e a destruição criativa própria do capitalismo suscitam uma condição humana na qual predominam o desapego, a versatilidade em meio à incerteza e a vanguarda constante de um “eterno (re)começo”.
Ao ler os textos de Bauman é quase inevitável, para mim, tecer comparações à obra-prima de Huxley, "Brave New World" (Admirável Mundo Novo), escrita em 1931. Os temas nela abordados remontam grande parte de suas preocupações ideológicas como a liberdade individual em detrimento do autoritarismo do Estado. Narra um hipotético futuro onde as pessoas são pré-condicionadas biologicamente e condicionadas psicologicamente a viverem em harmonia com as leis e regras sociais, dentro de uma sociedade organizada – dita civilizada-  , onde qualquer dúvida e insegurança dos cidadãos era dissipada com a satisfação de seus supostos prazeres (aqui vistos como necessidades humanas) e com o consumo de droga (socialmente recomendável) chamada "SOMA". As crianças possuiam “educação” sexual desde os mais tenros anos da vida, plasmadas no modelo de consumo sem compromisso e nenhum vínculo familiar. Todos nasciam em uma fábrica de embriões , geneticamente e condicionadamente programados para que estivessem “satisfeitos” com suas posições sociais pré-estabelecidas in-vitro.
Para a sociedade civilizada desse admirável mundo novo , ter um filho, uma estrutura familiar ,era algo obsceno e impensável. Ter uma crença religiosa era um exemplo de ignorância e de desrespeito à sociedade. Aqueles raríssimos indivíduos que não se encaixavam nesses “modelos de ordem” eram discriminados, excluidos das benesses sociais , até que pudessem estar (re)socializados pelos novos condicionamentos e por megadoses de SOMA .

Guardadas as devidas proporções de uma obra de ficção e um escrito sociológico , as semelhança com aquilo que Bauman relata em seus textos será mera coincidência?
No parágrafo introdutório do livro O Mal-Estar da pós-modernidade , Bauman faz menção a Freud no que se refere a herança do termo civilização moderna , afirmando que o sinal mais certo de uma civilização em atividade é o “ensino de conceitos e atitudes que naturalmente não existem”, referindo-se as noções de beleza, limpeza e ordem (no sentido de compulsão à repetição) usadas como moldes para as supostas civilizações . Assim sendo, enquanto o mal-estar da modernidade provinha de uma espécie de segurança que tolerava a liberdade na busca da felicidade individual, o mal-estar da pós-modernidade provem de uma espécie de liberdade que procura o prazer que tolera uma segurança individual pequena demais. Assim , segurança e liberdade encontram-se numa conflituosa relação.
Quando procura explicar a gênese da formação de conceitos (relacionados posteriormente ao novo modelo de um consumidor cooperativo), o autor recorre a metáfora de uma planta, com suas raizes no solo que brotaram e seus ramos entrelaçados em outros lugares “fora de si”, mas sempre carregando seus sinais de nascença. A noção de cultura , para ele, foi cunhada segundo o modelo da fábrica de ordem, tão bem descrita no livro de Huxley.
No Capítulo 5 do livro Vida Líquida , Bauman descreve a formação dos consumidores como uma necessidade imprescindível da sociedade de consumo e de como o mercado passa a mediar ostensivamente e subliminarmente os corpos e mentes (almas) de seus consumidores , tanto adultos como -principalmente- crianças e adolescentes .
Comparando a obra desses dois autores , encontramos algumas demonstrações ora explícitas , ora com sutilezas críticas de como a sociedade de consumo se apropria até da necessidade de espiritualização , tão em moda hoje em dia e como realimenta a ansiedade pelo querer desenfreado, pelo desejo de algo mais , sempre, cada vez mais , e de como o caminho da “felicidade” moderna passa necessariamente pelas lojas de shopping e pelas marcas eleitas como diferenciais de sucesso e aparente bem estar.
A leitura abriu algumas “portas” em minha percepção de mundo. Um admirável mundo novo.

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BAUMAN, Zygmunt. O Mal estar da Pós –Modernidade. RJ :Zahar,1998. Introdução e capítlo X.
BAUMAN, Zygmunt, Vida Líquida. RJ:Zahar ,2007,; capítulo 5.