O adeus de Ronaldo.
Esta semana Ronaldo – o fenômeno – discursou emocionado em entrevista que marcou o encerramento de sua brilhante carreira como jogador de futebol. Ao tentar explicar o inexplicável e o inevitável fato de ter que “pendurar as chuteiras” aos 34 anos, Ronaldo afirmou: “Meu corpo me venceu”. Dentre as muitas coisas interessantes e bonitas ditas por Ronaldo na ocasião desta entrevista, esta frase é particularmente arrebatadora. Afinal, é certo que corpo sempre nos vence; a todos nós. O corpo é o nosso limite.
Apesar disso, insistimos em viver a ilusão do corpo sem limites. Desejamos um corpo saudável, perfeito e, sobretudo, eterno. Por isso rejeitamos a dor, o sofrimento, as marcas da idade e quaisquer imperfeições ou fracassos que nos levem a constatar a mais pura das verdades: somos todos limitados. O corpo venceu Ronaldo e, em última análise sempre vence a todos nós. Não somos tão saudáveis quanto poderíamos e nem tão belos quanto desejaríamos. Padecemos de dores e imperfeições. Invariavelmente fracassamos. Envelhecemos, morremos. Ou seja, por mais que busquemos alargar o limite da nossa invencibilidade, ainda sim o corpo sempre nos vence.
Certamente, esta é uma constatação angustiante para a grande maioria nós ou mesmo insuportável para alguns. O discurso emocionado de Ronaldo é testemunha disso. Do quanto pode ser sofrido admitir e assumir fracassos, tanto aqueles impostos por nosso corpo, quanto quaisquer outros. Mas, por outro lado, somente aqueles que conseguem chegar ao ponto de assumir seus próprios limites e fracassos serão capazes de atravessá-los para alcançar a outra margem.
A Mitologia Grega descreve seus grandes heróis como aqueles que conseguiram atravessar os sofrimentos, provações e limitações impostas pela condição humana, para se transformarem. Mas, lembramos que atravessar limites não é o mesmo que evitá-los ou desconsiderá-los. Atravessar não é driblar ou mascarar. Atravessar também não é se tornar vítima de seus limites. Atravessar é constatar que o limite existe, encará-lo e prosseguir; com ele e apesar dele.
Quem escutou toda a entrevista de Ronaldo teve a oportunidade de assistir o belo testemunho de uma autêntica travessia. Em certo momento ele afirma que o que está fazendo é o anuncio de sua primeira morte, para logo em seguida dizer: “ainda quero muito”. Isso sim é atravessar um limite. É ter vontade e força para prosseguir mesmo depois de aceitá-lo.
Infelizmente, temos optado por uma vida anestesiada, medicalizada, vitimizada, “botoxizada”, turbinada, homogeneizada, sem sobressaltos ou riscos e, de preferência, livre de imperfeições e fracassos. A pílula azul que promete dar adeus ao fantasma do fracasso sexual, talvez seja o retrato da maneira como estamos lidando com nossos mal-estares. E assim seguimos, escolhendo negar nossos limites e com eles jogando fora a oportunidade de fazer a travessia própria da condição humana; limitada e imperfeita, mas ainda sim, bela e vitoriosa.
Obrigada, Ronaldo. Pelos dribles, pelos gols, pelas vitórias e especialmente, por nos revelar o que uma vida precisa pra valer a pena: “Tive muitas derrotas, infinitas vitórias e fiz muitos amigos”. Quem precisa mais que isso?
Por Maria Luiza Carrilho Sardenberg
Muito legal teu post, Rita. Também agradeço ao Ronaldo pelos belos momentos em que nos mostrou o que pode um corpo. Seus gols eram uma alegria.
Penso que os limites não foram impostos por seu corpo e sim por um modo capitalístico de explorá-lo ao máximo. Modo que extrai tudo do corpo até exauri-lo.
E também um modo que só vê beleza em um momento determinado, aquele dos corpos jovens e absolutamente poderosos. Esse modo é cego para as verdadeiras potências, aquelas que não coincidem com o espetáculo do poder. Aquelas que agem por intermédio de outras forças produtoras das paixões alegres que nos atravessam e nos tomam imperceptivelmente.
Iza Sardenberg
Coletivo de Editores da RHS