Cibele Dorsa: Quando o Suicídio é uma Mercadoria na Grande Imprensa

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O suicídio é um tema tabu. Raramente é abordado na imprensa de uma forma direta. Quando emerge, será de maneira abstrata, como um tema geral que aparentemente não tocaria as pessoas tidas como "normais". Mas como toda morte, aquela que ocorre por suicídio produz consequências biográficas, impactando de forma intensa na vida das pessoas próximas. E se pensarmos então nos elementos de nossa cultura com fortes marcas religiosas, o suicídio é uma espécie de anátema, um estigma que marca as famílias, um perverso jogo psicológico de atribuições e autoatribuições de responsabilidade.
 

 

Lermbro-me de um episódio na minha adolescência onde a mãe de um amigo ao saber de um diagnóstico de câncer de mama em estágio avançado acabou cometendo suicídio com um tiro na cabeça, que no velório se transformou na versão de "disparo acidental". A vida daquela mulher havia se transformado em uma mácula que as pessoas, apesar de ama-la, não estavam dispostas a comartilhar pelo medo da vergonha e do dedo em riste.

Os jornais tendem então a dar destaques curtos ao suicídio, são mais "generosos"  com os pobres que se matam ingerindo veneno para ratos e muito discretos com empresários que se jogam do alto de prédios por não cosneguirem mais driblar crises financeiras. As notícias são notas e os suicidas são objetos que se autodestruiram, não possuem vida e memória!

 

Essa conduta de "redação e estilo" não está escrita em canto algum mas é quase sempre respeitada. Existe o medo que ao veicular o suicídio estaríamos incentivando uma "epidemia" de suicídios como foi acusado Goethe quando seu personagem Werther suicida-se, exemplo que teria sido seguido por muitos jovens que se identificarfam com os dilemas de Werther.

Mas estamos agora assistindo a uma excessão, afinal, as razões de mercado se impõem a qualquer lógica engendrada pela idéia de proteção social. Ha poucos dias a atriz Cibele Dorsa cometeu suicídio jogando-se do alto do prédio onde morava  depois de semanas enfrentando um processo depressivo decorrente do suicídio de seu jovem noivo em circunstâncias similares.

Não adentraremos na discussão dos motivos de Cibele. Mas o que parece ser diferente nessa situação é o fato dela ser uma celebridade, atriz e escritora famosa. O processo que leva ao seu suicídio pode ser em parte acompanhado pela internet, pelo Twitter e pelo Youtube, onde postou um vídeo em homenagem ao noivo morto. Nas redes sociais pediu desculpas pelos gesto que em breve iria realizar e ao mesmo tempo apresenta as justificativas embasadas na sua dor.

No fim, o tradicional bilhete suicida,  que na verdade é um email mandado para  a revista "Caras" (vide link no final do post) . E foi assim que o mundo de "Caras" cheio do luxo e do glamour dos ricos e famosos acabou por abrir suas portas a um assunto não abordado pela revista. Dever de informação? Imposição do trabalho de jornalismo?

O ex marido de Cibele, particularmentre exposto pelo conteúdo do email, tentou impedir a publicação e o conseguiu por alguns dias. No entanto, a revista através da justiça conseguiu veicular a mensagem. Com esse gesto, muito provavelmente, a revista conseguiu atrair o olhar curioso de milhares de leitores que não estão necessariamente interessados em saber a decoração dos banheiros de um magnata mas que, dada a interdição do tema suicídio, ficarão atraídos pela matéria.

E lá podemos ler sobre a dor e o sofrimento de um ser humano em extrema crise. Mas, infelizmente, isso é quase nada destacado pela matéria. O email de suicídio na verdade se transforma em isca para vender revista, um lembrete trágico de um chavão que os ricos gostam sempre de referir: "dinheiro não traz felicidade"!

As dores e inconfidências, agora tornadas públicas, alimentam o imaginário de todos que leem o texto. Seria o ex marido co-responsável pela tragédia ao impedir a atriz de ver os filhos? E o papel das drogas nessa história toda? Ainda é possível morrer por amor? Psiquiatras e psicólogos poderão agora usar o email  em aulas de psicopatologia para destacar em termos práticos o "doentio" e mórbido" imaginário de um suicda às portas da morte.

Mas…e das dores de Cibele? E a necessária empatia para lidar com com um sofrimento que não está restrito apenas a ela mas que em parte é de todos nós? Nestes aspectos ressoa um silêncio ensurdecedor! Até porque o suicídio é algo que só pode acontecer com os outros!

 

Email de Cibele
www.caras.com.br/secoes/noticias/noticias/31858/