Rede HumanizaSUS: uma experiência de rede colaborativa como dispositivo de uma política pública

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A Rede HumanizaSUS (RHS) está on line há três anos.

Nesse período, recebeu mais de ½ milhão de visitantes,

que realizaram mais de 700 mil visitas (o número que acompanha o mapa acima é referente apenas aos internautas situados no território brasileiro),

visualizando mais de 1 milhão e 750 mil páginas.

Trata-se de uma "comunidade de blogs" inteiramente aberta, que articula uma rede social de pessoas “interessadas e/ou já envolvidas em processos de humanização da gestão e do cuidado no SUS”, oferecendo-se como um espaço favorecedor da livre expressão e da conversação qualificada.

Um espaço de produção coletiva de conhecimento, que possui

quase 8 mil usuários cadastrados,

dos quais mais de 450 possui um blog,

isto é, já publicaram pelo menos um post na RHS,

dos quase 2.500 posts já publicados.

Concebida, criada e apoiada pela Política Nacional de Humanização (PNH/MS), a RHS é, hoje, uma robusta experiência de rede colaborativa/social, envolvendo, sobretudo, trabalhadores, apoiadores e gestores do SUS (e, de modo crescente, embora ainda tímido, usuários), que merece ser (e vem sendo) melhor estudada enquanto um dispositivo coletivo (tecnologia social) capaz de promover a formação de redes de colaboração para a produção de saúde.

Um dispositivo de formação de potência de ação coletiva para a produção de saúde.

Estudar a RHS como um dispositivo de formação de potência de ação coletiva significa estudar em que medida e como promove a formação de redes de produção de saúde, em que medida e como produz, para aqueles que participam dessa experiência, encontros e acontecimentos, conhecimentos e afetos, e quais.

Esses estudos compreendem duas linhas principais:

(1) compreender o funcionamento desse tipo de dispositivo, considerando seu desenho tecnológico específico. Ou seja, o desempenho da RHS, em termos de parâmetros “intrínsecos” – análises centradas no desempenho da ferramenta colaborativa (volume de atividade, fluxos e estrutura de rede);

(2) compreender o funcionamento desse tipo de dispositivo, considerando como sua produção se articula às ações de uma política pública e, deste modo, a transforma. Ou seja, o desempenho da RHS, em termos de parâmetros “extrínsecos” – análises centradas nos processos de formação de comunidades (efeitos cognitivos, afetivos, de agenciamentos e “acontecimentais”).

O primeiro tipo de estudos trabalha com a análise de algumas mensurações (webometria) e da estrutura de rede (sociometria) da RHS.

As análises webométricas já vêm sendo realizadas através de um processo de monitoramento contínuo da atividade da Rede, focado no acompanhamento dos seguintes dados principais (com amplas possibilidades de realizarmos outros levantamentos e outras análises, conforme as hipóteses que possam vir a ser formuladas):

volume de visitantes, visitas e páginas visualizadas, segundo diferentes unidades de tempo (por dia, por semana, por mês, por outros recortes temporais e para toda a existência da RHS) e lugar (por país, estado ou cidade), e indicadores como o número de páginas visualizadas/visita, o tempo/visita, a proporção de primeiras visitas e a taxa de rejeição (bounce);

volume de posts & comentários, os posts mais visualizados, os mais votados e os mais comentados;

volume de usuários cadastrados, proporção de usuários que publicam comentários, proporção de usuários que publicam posts, proporção de usuários que votam nos posts;

atividade na lista de email da RHS.

Esse monitoramento contínuo (e suas ilimitadas possibilidades de recortes, cruzamentos e análises dos dados) se faz possível graças ao uso da ferramenta gratuita de análise webométrica Google Analytics (https://www.google.com/intl/pt-BR_ALL/analytics/).

Há algumas análises completas, realizadas em diferentes fases do projeto, disponíveis na página de “estatísticas” da Rede HumanizaSUS: https://redehumanizasus.net/node/1580

Apenas a título de ilustração, uma pequena amostra do tipo de informação que podemos obter por esse tipo de ferramenta:


O gráfico acima apresenta a curva do número de visitas/dia recebidas pela RHS, de 08/06/2008 a 30/07/2010, denotando seu acelerado padrão de crescimento em 2008-2009 e seu comportamento geral estreitamente relacionado aos ritmos do trabalho (queda no número de visitas nos finais de semana e
nos períodos de férias e feriados). Clique na imagem para vê-la com mais detalhes.

 

as análises sociométricas se baseiam num processo mais complexo e mediado de obtenção de dados, que devem ser extraídos da base produzida pelo registro dos logins na Rede, que permite rastrear os relacionamentos que vão se estabelecendo nas trocas entre os participantes da Rede.

O primeiro passo é o tratamento desse banco de dados, com vistas à composição de uma matriz de relações para que, em seguida, possam ser gerados os grafos, os diagramas de representação da estrutura de rede que se estabelece nas trocas realizadas.

Esse tipo de análise, para além das possibilidades abertas pelo estudo comparativo dos grafos (forma e estrutura da rede), permite a construção de alguns indicadores quantitativos extremamente importantes para a análise estrutural de redes, como as medidas de densidade (o número de relações reais em relação às possíveis) e, em especial, as chamadas medidas de centralidade da rede:

centralidade: número de conexões diretas que um nó tem (degrees);

centralidade por interposição (betweenness): a habilidade de um indivíduo se conectar aos círculos importantes;

centralidade por proximidade (closeness): habilidade de monitorar o fluxo de informação e enxergar o que está acontecendo na rede.

De novo, apenas a título ilustrativo, algumas amostras de grafos já produzidos da RHS (para uma visão mais completa desse tipo de análise, remetemos mais uma vez aos estudos já concluídos, disponíveis em https://redehumanizasus.net/node/1580):

(clique na imagem para ampliar)

Esse tipo de grafo denota um tipo de rede que costuma ser chamada de small world e tem duas características fundamentais: (1) alto nível de conexão em clusters, ou seja, diversos grupos na rede bem conectados interligados por articuladores entre os grupos; (2) um caminho curto de ligação entre os extremos da rede, ou seja, é relativamente fácil de um ponto da rede conseguir se conectar com qualquer outro.

Também temos produzido matrizes/grafos de relacionamento entre pessoas, cidades e estados (para o Brasil e para cada estado) que fazem parte da RHS. E podemos e deveremos fazer outros usos dessa metodologia para analisar os “links externos” (“webanalítica” ou o estudo da RHS na web) e os conteúdos publicados na Rede (“websemântica” ou o estudo da “rede de sentidos” produzidos na RHS).

Mais exemplos:

(clique na imagem para ampliar)

Acima, a estrutura da rede entre as cidades do país e, a seguir, a estrutura da rede entre os indivíduos participantes da RHS nos estados do Rio Grande do Sul e de São Paulo, indicando distintas densidades e centralidades, intuitivamente apreensíveis no grafo, mas também objetivamente mensuráveis (clique nas imagens para ampliar).

 Rio Grande do Sul

São Paulo

 

Como já foi destacado, estas análises webométricas e sociométricas pretendem contemplar os chamados parâmetros “intrínsecos” do desempenho da Rede, isto é, aqueles centrados nas análises dos dados de desempenho da ferramenta colaborativa. Estas análises são fundamentais pela possibilidade de se estabelecerem comparações com outras experiências similares (redes colaborativas/sociais baseadas na web) e também por serem capazes de fornecer um conjunto de índices bastante valiosos para a compreensão de sua estrutura e dinâmica.

O segundo tipo de estudos, por sua vez, dirige sua atenção para outros parâmetros de desempenho da Rede, mais “extrínsecos”, mais voltados para a avaliação dos efeitos produzidos pela experiência da RHS junto aos indivíduos (produção de subjetividade) e aos grupos (produção de comunidade) que a constituem.

Vislumbra-se a realização de 4 tipos de estudos:

Análise de usos;

Análise de conteúdos;

Análise dos efeitos de agenciamento: produção de encontros e acontecimentos;

Análise dos efeitos de subjetivação: produção cognitiva, afetiva e existencial.

Estes estudos já foram iniciados pelos coordenadores/editores/cuidadores da RHS (veja relação abaixo) e também fazem parte de estudos específicos que vêm sendo realizados por outros pesquisadores ligados a instituições de ensino superior.

Em breve, conheceremos os resultados dessas análises!

Estes estudos pretendem nos levar a uma melhor compreensão do que temos experimentado por aqui e seu papel na produção de redes de produção de saúde.

Parece-me que a extensividade e a intensidade dessa experiência torna urgente descrevê-la e analisá-la, em particular considerando seu papel enquanto dispositivo de um política pública.

Os serviços de saúde, assim como a internet, certamente, podem ser compreendidos como grandes “redes de encontros”, grandes “redes de conversações”.

Sem dúvida, há grandes diferenças entre a rede de conversações que é a rede de trabalho em saúde e uma rede de conversações que se estabelece numa plataforma colaborativa aberta na rede mundial de computadores.

Ainda assim, estamos convictos, por um lado, que o desempenho da rede de trabalho em saúde é estreitamente dependente de seu componente conversacional e de produção afetiva. E, por outro, temos bons indícios, colhidos na literatura especializada e em nossa experiência prática com a RHS, de que a participação em uma rede colaborativa/social temática aberta na web pode – através de mediações que pretendemos conhecer melhor – impactar o desempenho das redes de trabalho em saúde.

Entre as múltiplas perspectivas pela qual podemos considerar essa experiência, destacamos uma que a aproxima de um dos maiores desafios, hoje, para a qualificação das redes de atenção à saúde: sua função de apoio matricial.

Entendemos que a RHS pode ser claramente caracterizada com uma bem sucedida experimentação de matriciamento aberto em rede colaborativa/social. E precisamos, urgentemente, conhecer melhor e poder avaliar experimentos desse tipo, para que possam eventualmente merecer investimentos em larga escala.

E pra você, o que é a RHS?

Esta é uma síntese do trabalho que será apresentado no próximo dia 19 de abril no V Congresso Brasileiro de Ciências Sociais e Humanas em Saúde.

Seus autores são:

Ricardo Rodrigues Teixeira – DMP/FMUSP, PNH/MS, RHS
Rogério da Costa Santos – Laboratório de Inteligência Coletiva e Biopolíticas/PUC-SP
Adriana de Araújo Guzzi – Escola do Futuro/USP
Dalton Lopes Martins – Escola do Futuro/USP
Daniela de Carvalho Matielo – Escola do Futuro/USP
Felipe Andueza – Escola do Futuro/USP
Hernani Dimantas – Escola do Futuro/USP
Dário Frederico Pasche – PNH/MS
Patrícia de Souza Campos Silva – PNH/MS, RHS
Erasmo Miessa Ruiz – RHS
Cláudia Santos Matthes – RHS
Luciane Régio Martins – RHS
Jacqueline Abrantes Gadelha – RHS
Maria Luíza Carrilho Sardenberg – RHS
Shirley Monteiro de Melo – RHS
Rejane Guedes Pedroza – RHS