Uma conversa entre nós

24 votos

Natal, tarde de domingo, doze de junho de 2011. “Vamos ver os jovens que ocuparam a câmara municipal?” Este era o convite da amiga Sheylla ao telefone.

Esqueci, de imediato, que havia planejado descansar e, prontamente, atendi ao seu chamado. No percurso, tentávamos compreender o que estava acontecendo compartilhando nossas inquietações e preocupações diante dos fatos. Misturamos saúde, educação, gestão federal, estadual, municipal. Chegando à Câmara municipal, fomos abordadas, logo na entrada, por dois jovens que nos interrogaram sobre quem éramos. Entreolhamo-nos meio inseguras. Falei antes: "sou enfermeira do PSF municipal". E ela: "eu sou Sheylla!" Os moços abriram passagem e assim pudemos entender que o movimento era mesmo organizado. Diante das tentativas do poder municipal de utilizar a mídia para criminalizá-los, precisavam estar vigilantes aos que lá transitavam. Cerca de cento e cinquenta jovens se subdividiam em várias comissões: de alimentação, portaria, cultural, orçamento.
Em meio às diversas tendas erguidas, um laptop circulava transmitindo tudo em tempo real. Alguns deles, conhecíamos pelo grupo tecendo redes; outros, reconhecemos por serem filhos de parceiros de longa data. Coisa bonita de se ver: jovens reagindo, reivindicando a instalação de uma Comissão Especial para que sejam investigados os aluguéis exorbitantes pagos pela gestão municipal. . Em grande roda, o grupo Pau e Lata nos provocava com o pulsar vivo, contagiante de força e rebeldia. A música marcante do grupo sempre nos lembra os versos de Gil: Uma lata existe para conter algo, mas quando o poeta diz: "Lata", pode estar querendo dizer o incontível, uma meta existe para ser um alvo, mas quando o poeta diz: "Meta, pode estar querendo dizer o inatingível”. Bem, aqui não ousaria querer dizer o inatingível.
Ao retornarmos, percebemos que fomos contagiadas pela garra daqueles jovens que deixaram o conforto de suas casas e se fixaram ali há seis dias, incansavelmente, resistindo. Isso nos fez relembrar de antigas lutas e dos movimentos de hoje. Pensamos no post que ficamos de publicar na RHS sobre o fórum da PNH, realizado recentemente com a presença da coordenadora da PNH, Carminha Carpintéro. Questionávamos se a notícia já não teria envelhecido.
Comentamos que, aqui, a PNH tem se movido como frentes de resistência, mas com uma certa penetração na gestão da Saúde do RN. No grupo tecendo redes e no núcleo de humanização, durante a semana anterior ao fórum, não conseguíamos dar conta das inúmeras solicitações de inscrição. O evento havia sido programado para cem pessoas. Compareceram duzentos e cinquenta, entre gestores, trabalhadores e diversas representações dos movimentos sociais. No Panatis, escutei comovida de uma agente de saúde, ao informá-la que não havia mais vagas: “quero ir, mesmo que não possa almoçar.” Contudo, o núcleo de humanização, um grupo tão pequeno, fez o fórum acontecer para todos que lá estivessem.


Sentimos que as palavras proferidas por Carminha, sua tranqüilidade e o respeito dedicado a cada fala, fez daquele fórum uma grande e potente roda. Importantes questionamentos da promotoria, sentimentos dos trabalhadores, preocupações de alguns gestores, tudo foi discutido sem receios, com clareza, apesar desse tempo de incertezas que vivenciamos.
Nossas editoras/cuidadoras Shirley e Rejane fizeram uma brilhante apresentação da RHS. Ao grupo tecendo redes, foram somados mais cento e vinte integrantes.

Despedimo-nos pensando que isso parecia pouco diante do que precisa ser transformado, mas saímos também, mais uma vez, com a convicção da potência dos humanos quando estão juntos, da alegria das pessoas ao serem incluídas, ouvidas e respeitadas. Despedimo-nos cheias de reflexões sobre a construção da nossa democracia, desse novo momento, da preparação dos jovens para assumir a condução do nosso país. Perguntamo-nos: quem sabe não é esse o caminho para se construir “a manhã desejada”?

Eu acredito é na rapaziada
Que segue em frente e segura o rojão
Eu ponho fé é na fé da moçada
Que não foge da fera e enfrenta o leão
Eu vou á luta com essa juventude
Que não corre da raia a troco de nada
Eu vou no bloco dessa mocidade
Que não tá na saudade e constrói
A manhã desejada (Gonzaguinha)