Pequena cartografia das epistemologias da sexualidade militante.
GLBT x Homofobia
Cada maneira, modo, filosofia de vida apresenta um conjunto de pressupostos de fé específico. Uma episteme ou teoria do conhecimento que orienta uma determinada opinião atinente a um segmento ou recorte dos grupos sociais. No passado toda uma cultura tendia a ser hegemonicamente dominada por uma visão de mundo. Isso está mudando gradualmente.
A reflexão sobre a recente polêmica quanto a chamada cartilha gay ou anteriormente a do casamento homossexual em nosso país me trouxe uma constatação inusitada. Temos pressupostos que se excluem valendo para grupos sociais que convivem em uma mesma geração e território.
Neste caso que trago como exemplo dessa pluralidade mais ampla, a questão gira em torno das afirmações: – Só os homossexuais são homossexuais; Todos somos homossexuais latentes.
Vejamos: Os homofóbicos temem uma legislação que reconheça os direitos civis estendidos aos homossexuais. Esse temor se fundamenta na ideia de que isso levaria as posições de minoria a se inverterem no movimento estatístico das condições de gênero.
Todos os conservadores, ateus ou religiosos, acreditam que a liberalização dos costumes pode encarcerar em um gueto estatístico o padrão heterossexual de comportamento. De um lado um juiz afirma que um Estado de homossexuais estaria condenado a extinção em uma geração. De outro, um general afirma que a homossexualidade assumida levaria os homens em longo período de isolamento durante as manobras militares a tornarem-se promíscuos.
A premissa é de um construtivismo radical. Para os conservadores seríamos, em termos de comportamento sexual uma "tábula rasa". Tudo seria determinado pelo meio familiar, comunitário e social. Por isso o temor ao liberalismo jurídico e educacional em relação ao comportamento sexual.
Canonicamente há uma aceitação do conservadorismo, em geral, ao comportamento homossexual discreto. Ele é moral e filosoficamente errado. Mas se admite que sempre que o ser humano não estiver corretamente condicionado ele emergirá. Dado que os conservadores se pretendem realistas, o que não pode ser negado, deve pelo menos ser ocultado. Pelo menos enquanto não se pode tratar o problema, como até já foi tentado.
A sociedade que os conservadores, desculpem a redundância, querem conservar seria a revelada divinamente ou por leis pseudocientíficas. Ou seja, pela divina revelação, ou dado pela forma natural ideal. Ainda que a natureza nos diga que as coisas são como se apresentam e, como em poesia afirma Pessoa, "se há uma verdade profunda é que não há verdade profunda".
Resumindo o medo homofóbico: Sendo as especificidades de gênero meras convenções sociais e o homossexualismo uma prática oriunda de uma escolha possível e liberalmente sancionada, muitos deverão optar por ele. Ou de outra forma, não se impondo barreiras o prazer será buscado em todas as formas possíveis, ainda que imorais ou antinaturais.
Já a opinião dominante entre os ativistas GLBT é bem outra. Eles afirmam que pessoalmente não puderam "optar" pela sua condição sexual. Ela se lhes foi imposta como condição apriorística. Já nasceram ou se descobriram em determinado momento da vida como "sendo" homossexuais.
De alguma maneira, algo misteriosa, o elemento da escolha não está em jogo. O movimento LGBT advoga seus direitos a partir de certo determinismo: a chave é a identidade. Ela é única. E, em questão de comportamento sexual, superior a liberdade. Você só é livre para ser aquilo que nasceu sendo.
Pessoalmente eu esposo a posição de alguns antropólogos relativistas. Fala-se em usos do corpo para obter prazer, entre outras coisas. Vale para os animais onde o comportamento homossexual é frequente e parece responder a determinadas necessidades. Algo que ajuda a definir padrões de ascendência de autoridade ou mesmo de afeto em bandos de primatas e comunidades de golfinhos, por exemplo.
Restando, então, a conclusão, provisória, de que em parte os conservadores tem razão. Sim, uma sociedade liberal tende a ser mais plural, em termos estatísticos em relação a padrões de comportamento em geral.
O que é questionável é se isto seria ruim, fundamentalmente "o mal". Se não por nada, pelo menos porque seu argumento primeiro, premissa, é frágil. Para eles o homossexualismo deveria ser um comportamento minoritário por razões divinas ou por uma lei natural. Irrefutável, portanto.
Os fatos, dados da observação, apontam para uma variedade de arranjos familiares e de padrões de comportamento que admitem a liberalidade em todos os níveis. O sexual é apenas um deles.
O macho alfa pode ser heterossexual na maioria dos casos. Mas pode ser bissexual, deve ser até, quando se trata de rituais de autoridade. Mas é plausível que um macho beta seja heterossexual, ao mesmo tempo que o alfa seja homossexual.
Vamos deixar de lado as considerações a respeito das sociedades ou bandos dominados por fêmeas. Seja por ser apenas uma questão de perspectiva vermos certos machos exercendo domínio formal e ritual. Especialmente quando destituídos da força e agilidade determinante para prover o "sustento" da prole. Seja pela infindável polêmica a respeito da afirmada e suspeita dominação feminina ocultada em rituais de patriarcado.
Ficando apenas na questão do prejuízo para a perpetuação da espécie com a inversão do comportamento minoritário de gênero: Penso que a homofobia não se justifica. A não ser que passemos por um retrocesso civilizacional, sempre possível, a tecnologia deve garantir formas de reprodução da espécie.
Ainda que os usos do corpo para o prazer ultrapassem em muito os objetivos reprodutivos, estamos seguros. Alias, convém notar que a reprodução nunca foi o centro ou fim último das atividades sexuais. Ela é um resultado de uma série de investimentos de potencia e desejo que se realizam em relação de circularidade. Uma espécie de emergência autopoiética realizada em decorrência dos impulsos que movem os seres vivos. Algo como ser acometido pela existência em sua multiplicidade de formas.
De certa forma a agricultura deriva da fome e o homossexualismo da busca pelo prazer. Como chega-se de uma coisa a outra, Lao Tsé diria que "a isto chamamos de a transformação das coisas."
Bom domingo!
Por Marco Pires
O pre-conceito tem a ver com inversão dos sinais da linguagem convencional. O texto procura demosntrar que a luta contra a inversão não traz tudo de volta ao sistema de signos anterior.
Provoca novas inversões. Estamos nos comunicando mais. O resultado é muito mais ruído e relativismo. Isso gera insegurança ou mesmo "pânico ontológico". Daí a intolerancia e as atitudes reacionárias.
Obrigado e um forte abraço!