Debate no entre-Redes: Comunidades Terapêuticas
O debate aqui apresentado nasceu espontaneamente, como muitas das conversas que problematizam os rumos do SUS e as ações de Saúde Pública em nosso pais, na lista de emails conhecida como Coletivo HumanizaSUS. A partir da idéia e solicitação do Felipe Cavalcanti, quase todos autorizaram que o mesmo compilasse as mensagens/debate, a fim de ser publicado em uma das Redes Parceiras da RHS. … Publicada então desde o dia 17/08, este debate cresceu com preciosas contribuições da segunda Rede- “Blog Saúde com Dilma”, na qual tivemos a esclarecedora manifestação de antigos usuários de algumas CT’s, o que em muito democratiza e enriquece ainda mais esta “conversa”. Acompanhem:
O Debate sobre a inclusão das Comunidades Terapêuticas no SUS – Por Felipe Cavalcanti 17/08/2011 ;
Debate divide opiniões, mas tem convergências claras. Abaixo, seguem e-mails debatendo a inclusão e financiamento das Comunidades Terapêuticas (CTs) na rede assistencial da saúde mental do Sistema Único de Saúde. Há divergências sobre a pertinência ou não da inclusão, seja pelo caráter religioso, seja, principalmente, pela proposta de proposta “assistencial”, que pode inclusive contemplar trabalhos obrigatórios. No entanto, também há convergências claras. Uma delas é de que a nova regulamentação das CTs pela Anvisa configura retrocesso. No próximo domingo às 20h faremos um debate on-line com Roberto Tykanori, da coordenação de Saúde Mental do Ministério da Saúde. Em breve mais informações. Abaixo, os emails.
Por Luiz Artur Rosa Filho, médico sanitarista e mestre em Epidemio:
Sou professor de Saúde Coletiva da Universidade de Passo Fundo e um admirador da proposta da Humanização e um leitor de bibliografias sobre o assunto. Encerrada a fase de apresentação, resolvi me manifestar sobre esta discussão sobre Comunidades Terapêuticas. Revelo ser um admirador do método usado, baseado em auto-ajuda e os doze passos. Sempre enfrentei meus colegas que acham que medicamentos seriam suficiente até descobrir aquilo que pra mim foi uma incrível metodologia, que são os 12 passos. Hoje trabalho em uma e continuo admirando cada vez mais tudo isso. Acrescentamos muito da lógica da humanização nos tratamentos, tanto nos planos terapêuticos individuais, como as redes e as rodas… Acho que esta forma de encarar de maneira a implodir as Comunidades, num momento em que ninguém sabe exatamente o que fazer e que TODOS as propostas carecem de validação para o crack , por exemplo… é mais ou menos aquilo que ouvíamos dos donos dos hospitais na época da reforma, ou seja, com preconceito… sem evidência ciéntífica apenas com um argumento que CAPS é melhor… Lament, estou para ser convencido da superioridade do CAPS [Centro de Atenção Psicossocial], mas tenho cinco anos entre hospitais, CAPS e CT, e pessoalmente acho que não há nada melhor que CT, mas tudo é limitado a opinião individual… Aliás este mote abaixo me lembra as manchetes dos jornais médicos da época da reforma psiquiátrica conclamando os médicos a resistir. Penso que está se fazendo o mesmo, só que desta vez de quem foi vítima há 20 anos… MILITANTES, USUARIOS, FAMILIARES, ACADEMICOS, TRABALHADORES DO CAMPO DA SAÚDE MENTAL VAMOS FAZER NOS UNIR, VAMOS REUNIR FORÇAS !!! Que forças são estas??? Seria o CAPS suficiente do problema das drogas? Se trabalhamos com a idéia de 1% da população dependente, então em Passo Fundo (que tem 1 CAPS AD) vai de fato assumir então as 1800 pessoas estimadas apenas para as drogas, sem falar nos alcoolistas… ou vamos precisar de 5 CAPS AD? Acho que o advento do crack precisa de uma solução cooperada que inclui todas as soluções provisórias, inclusive as CTs aguardando validações. Posso estar desinformado tão somente, alguém pode me comprovar e me mostrar a superioridade do CAPS em relação a CT, se alguém tiver isso por favor me mande, porque não me parece que possamos afirmar essa superioridade, e se não podemos, então muitas pessoas estão fazendo aquilo que os médicos faziam na época da RP, havia um suicídio em CAPS… lá vinham meus colegas dizendo… “Viu, eu não disse?”, sempre ignorando a quantidades de suicídios prévios a Reforma”… Quanto aos abusos nas CT, sei que há em muitas, em função da desregulamentação e da blindagem das igrejas em torno delas, isso sim, precisamos humanizá-las, o que certamente é diferente de arregimentar estas ” forças” para implodir o método. Por fim, para delimitar espaço mesmo, eu sou trabalhador da área de saúde mental, defensor da reforma psiquiátrica e apaixonado pelo método das Comunidades Terapêuticas.
Por Maria Luiza Carrilho Sardenberg:
Caro Luiz Artur, Penso que a questão pode ficar truncada se a colocarmos em termos de “superioridade” de um tipo de tratamento por outro. As comunidades terapêuticas foram um dispositivo bastante importante em tempos de luta contra a ineficácia e crueldade dos hospícios de outrora. E em que elas se diferenciavam deles? As CTs traziam um novo modo de tratar, calcado na produção de relações num território de convivência ainda “protegido”. Mas havia o desejo de se produzir uma comunidade, coisa difícil de se dar em hospitais psiquiátricos, demasiadamente marcados pelas codificações de toda a espécie. As velhas separações entre pacientes graves e outros, entre patologias e outros códigos ou rótulos era superada nesta nova forma. Mas, como todo dispositivo, talvez elas tenham tido o seu tempo de potência. Penso que o que se reedita agora pode ser tomado como o ÚNICO tratamento possível, legítimo e “superior” em termos de uma suposta eficácia. “Ninguém sabe o que fazer” é um campo aberto para a invenção, mas também para as imposições totalitárias. Resistência e captura no mesmo fio da navalha.
Por Luiz Artur Rosa Filho :
Maria, Concordo contigo, mas as CTs não tem este poder todo,de impor modelos… pelo contrário, me parece que o que está acontecendo ou melhor, a leitura que faço é exatamente o contrário, ou seja, de implodir um dos braços da oferta assistencial aos usuários de drogas pelos defeitos do modelo de CTs, que concordo ser o calcanhar de aquiles… a demasiada religiosidade, o trabalho escravo, castigos inadequados e pouca estrutura. Interessante que de todos estes defeitos, a RDC 29 só aborda a questão estrutural, FROUXANDO as exigências e de maneira geral, garantindo a liberdade de credo, mas sem nenhuma proposta fiscalizadora. Da forma que escrevi talvez tenha parecido isso, mas na realidade a complementariedade seja a melhor forma de entender esta roda, que precisa sim de CTS, de CAPS e todo o resto.Penso que CTs, CAPS, Hospitais e Grupos de apoio são complementares, cada um com um público alvo muito específico. Imagino que seja a hora de definirmos os papéis de cada um e não ” denunciar” CTs como se o problema fosse o tratamento disponível. O que temos hoje é CTs, CAPS , Hospitais e Grupos que funcionam e que não funcionam… muito bem, é hora do MS definir o que ele quer… A demanda de 1% da população dependente me parece impor vários atores e CAPS e CTs são alguns deles, escrevi pois me pareceu que esta mobilização contra CTs sem especificar quais são… não me parece adequada.
Por Shirley Monteiro:
Luiz Artur, Fico feliz em saber que uma ou outra Comunidade Terapêutica, tenha medicos dedicados como voce, e estudioso da PNH em seu quadro. A preocupação maior das Entidades que vem se manifestando contra as CT’S é justamente ao fato de que, as mesmas reivindicam financiamento do Governo Federal, diga-se “recursos do SUS”; com a garantia de terem plena autonomia quanto ao método de ação, inclusive no emprego das atividades espirituais, como método terapêutico; excluindo-se a obrigatoriedade da presença de Profissional de Saúde na Coordenação, e mesmo no acompanhamento diário da medicação !!! A norma ATUAL, RECENTEMENTE MODIFICADA, conforme documentos socializados nas redes dá autonomia para que qualquer profissional de nível superior Coordene a CT e suas ações metodológicas, como por exemplo um Teólogo; formação de muitos Pastores evangélicos; além do mais, até o momento os representantes das entidades da Saúde ainda não foram incluídos na discussão e planejamento destas mudanças. Quanto ao método que voce defende; pode até ser muito bom, até porque há, no seu caso, a integração e participação de profissional de saúde envolvido ! Meu Mestrado foi na linha de Pesquisa “Espiritualidade e Saúde” na UFPB, em Atenção Básica em SM, não em CAPS; mas na Comunidade, junto às redes sociais do território e a Estratégia Saúde da Família; e acredite, o que se entende hoje nas pesquisas por Espiritualidade e Saúde, a partir da OMS e nos próprios trabalhos acadêmicos, passa bem longe das Religiões institucionalizadas, fechadas em seus muros, dogmas e interesses proselitistas. No SUS Espiritualidade e Saúde é religiosidade popular, sincrética, e multicultural, permeada livremente de imaginários e crenças as mais diversas, que devem ser respeitadas na singularidade de cada usuário dos serviços de SM… e será que este princípio laico, presente na Constituição Brasileira, como um direito humano, será respeitado dentro das CT’s ?? Um grande Abraço e que bom você se manifestou!! Seja muito bem-vindo a este espaço de debates.
Por Luiz Artur Rosa Filho:
Shirley: Agora concordamos em absolutamente… tudo ehehe. Concordo com o que escreveste, esta RDC 29 foi feita para adaptar a situação e não para definir um padrão mínimo de qualidade. Um dos diferenciais da CT onde trabalho é a mudança da idéia de religiosidade para espiritualidade… ou seja, a CT é leiga mas incentiva a espiritualidade, tivemos desde evangélicos até budistas, todos tendo sempre sido respeitados em seus credos… Apenas o SUS vai dar sustentabilidade financeira as CTs, pois os planos de saúde não reconhecem os tratamentos em Cts como válidos, até porque não estão ainda validados mesmo. A questão é que a oferta de vagas em CTs são em 90% em Cts vinculadas a igrejas e que tem toda uma história de neste movimento muito antes da questão do crack que trouxe os holofotes do “Fantástico”. Conheço Comunidades que tem 15-20 anos… que tem procedimentos que discordo, aqueles que mencionaste… mas acho injusto questionar as CTs, na verdade elas ocupam lugar privilegiado nesta guerra, assim como o CAPS. Me parece que questionar de maneira genérica fica parecendo que vamos para uma guerra em que precisaremos ser muitos e estamos questionando se o colega do lado sabe atirar.. Por fim, mais uma vez concordando contigo, te digo que o princípio laico NÃO será respeitado por muitas e muitas CTs… mas o governo federal não criou mecanismos para isso e me parece que não está muito preocupado também. Abraços
Por Stella Maris Nicolau, Professora Assistente – Departamento de Terapia Ocupacional, Universidade Federal de São Carlos:
Acho que neste debate sobre as comunidades terapêuticas para pessoas com dependências de álcool e drogas aparece uma questão importante a ser debatida, que é a dos repasses de dinheiro público para instituições não governamentais (as famosas filantrópicas, e muitas delas, pilantrópicas). Na atenção à saúde das pessoas com deficiência (campo ao qual me dedico), o SUS repassa dinheiro há muito tempo a instituições centralizadoras, autoritárias, hierarquizadas, ainda dentro de um modelo de atenção médico-caritativo (pouco preocupada com a dimensão cidadã da pessoa com deficiência) e que não são fiscalizadas pela sociedade civil porque não há como participar dessa gestão, pois não tem Conselhos Gestores como no SUS, que por mais cooptados que possam ser e por mais que quem participe é a dona-Maria-da-lojinha-da-esquina-que-só-quer-saber-da-sua-consultinha, ainda é um espaço permeável a participação. O SUS jà ¡ repassa há muito tempo dinheiro para essas mesmas instituições que reeditam novas maneiras de pedir-esmola como aqueles do Criança Esperança, Teleton e outros mais que vivem de dinheiro público (pois se seriam para impostos e vão para elas, é dinheiro público!). Tá na hora de a gente acordar mesmo para isso: que modelos de tratamento financiamos e como os fiscalizaremos (e que não seja somente com denúncias, mas porque não com co-gestão da sociedade civil). AbraSUS.
Por Eymard Vasconcelos- (Rede de Educ. Popular e Saúde) :
Entrando neste debate sobre Comunidades Terapêuticas. Concordo com Luiz Arthur de que precisamos juntar as várias iniciativas que existem neste campo do enfrentamento dos problemas trazidos pelas adição às drogas psicotrópicas. Estamos apenas balbuciando estratégias terapêuticas. Temos que estar abertos ao diferente. E porque o SUS não financiar também estas iniciativas, se orientadas por entidades civis e religiosas respeitáveis? As religiões têm feito muito neste sentido. São tantos os depoimentos que encontro nas comunidades de pessoas e famílias agradecidas pelo papel da igrejas pentecostais de terceira geração (as que incluem igrejas como a Universal, que nós intelectuais temos tantas restrições) na superação de situações de grande sofrimento por estas causas. Discordo de Shirley de que o conceito de Espiritualidade na Saúde passe longe das religiões institucionalizadas. É um conceito amplo que não se restringe à espiritualidade religiosa institucional, mas não a exclui. Por sinal, a maioria da população brasileira escolhe viver sua espiritualidade em religiões institucionalizadas. Temos que respeitar isto. Não podemos projetar e exigir nossos caminhos pessoais. Um abraço a todos.
Por Shirley Monteiro:
Queridos Companheiros,Lembrando de Voltaire o qual, ainda que discordando defendia sempre o direito de todos e de cada um, a expressar e compartilhar suas diferentes opiniões, ressalto com carinho a participação neste debate, das palavras do Prof. Eymard Mourão Vasconcelos, a quem admiro nas diferenças e nas afinidades, e que foi meu Orientador no Mestrado que mencionei.Ele diz que a Espiritualidade inclui sim, as Instituições religiosas, embora não se limite a elas na sua abrangência conceitual e de referencia teórica. Mas ainda defendo que, se for para incluir, critérios muito bem pactuados com as redes de atenção à Saúde e com matriciamento das equipes de saúde, precisam estar inseridas nesta nova prática de cuidado, e os segmentos do SUS e da Reforma Psiquiátrica, ainda não foram incluídos na discussão e planejamento.Um beijo ao Eymard, e a todos. Shirley Monteiro.
Por Luciane Régio Martins:
Oi Luiz Arthur, Shirley, Iza… No RS, a portaria 430/2008 e a resolução 062/05.2009 discorrem sobre tratamento e incentivo recebido pelas CTs. A RDC 29 e a RDC 101 tratam do funcionamento, fiscalização etc, e se atende SUS temos a 8080/90 e o decreto 7.508/11 para seguir. O que devemos e podemos fazer é fiscalizar e romper contratos com CTs que não apresentem condições de infraestrutura, terapêutica aceitável, que recebem recursos-SUS! Isso já tem acontecido em estudos, visitas. Informo isso de forma extra-oficial, poderemos conversar em outro momento. Temos meios para isso. Entendo que há algumas restrições quanto ao tratamento nas CTs, mas houve aquelas que me surpreenderam pela infraestrutura, acolhimento, que é como o Luiz relata abaixo. E, acredite, Shirley, para algumas pessoas isso é importante e funciona. Tanto que alguns usuários se tornam monitores, são contratados, e conheci um que fez faculdade depois do tratamento e está atuando em CT. “Acho” (ainda estou formando essa opinião) que antes de deixarmos de lado alternativas, podemos ir qualificando, fiscalizando, numa forma de criar rede. ALGUMAS CTs é descredenciar mesmo, por não apresentarem condições sanitárias de funcionamento (péssimo dizer isso, mas não sabemos, ainda, como algumas conseguem alvará sanitário – esse é um aspecto a ser revisto, a qualificação desses profissionais. Ouvi de um veterinário, em desabafo, que ele não sabia exatamente como avaliar um Lar de Longa Permanência, só outro exemplo), ou por não serem idónias. Sabemos que muitas pessoas se aproveitaram do afunilamento provocado pela RP e acabaram abrindo CTs particulares sem conhecimento algum, até mesmo com o uso de contenção total, cárcere, uso de drogas “para acalmar” – segundo denúncias (situação semelhante a que acontece no sistema penitenciário, locais que sabemos, as drogas sempre entram – senão é pior, os presos se agitam…) Enfim, não defendo as CTs, nem vou contra. Assim como também “não acho” que os CAPS tenham entendido exatamente o que seria a RP, que criou os serviços susbstitutivos, mas não deu conta de abrir o entendimento de muitos profissionais, desde a graduação, para fazerem o que fazem no cotidiano desses/nesses locais. A organização de “redes” é um ponto que a PNH aponta como possibilidade e nós defendemos que não só de organização funcional e de serviços se faz rede, contando que há outros nós importantes, intersetoriais, afetivos, sociais sem os quais não avançamos nem no conceito, nem nas práticas de atenção integral. E no caso da RP isso se torna mais delicado. Há muita gente que se sente autorizada em “decidir” o destino de outros, sem levar em conta as singularidades… para eles isso é só trabalho. Esquecem que a roda da vida gira, e o que era, já muda o tempo todo, talvez gostem dos locais que eles mesmos criaram se lá cairem, ou um familiar, amigo, conhecido seu… A produção de vida se conecta nessa possibilidade de estar com o outro e com ele construí-la nas possibilidades que se apresentam ou nas que juntos buscamos? Aleatoriamente, porque tem “vaga aqui ou ali”? Talvez nessa família mesmo, ou em consultas CAPS, vamos construindo isso… vamos lá! O que já sabemos é que não é trocando uma droga pela outra, contendo em leitos seja fisica ou psicologiacamente [que pra mim dá no mesmo], que vamos mudar essa situação. Só de início, já sabemos inclusive que não mudamos nada sozinhos, nem ninguém. Em situações extremas é necessário fazer alguma dessas intervenções, mas não deve ser regra, rotina… será que precisamos trocar uma droga por outra sempre para conseguirmos conversar com as pessoas? Por um tempo mínimo, reavaliando, investindo, talvez. No dia a dia, seja em hospital, seja em CAPS, seja em grupos de ESF, sabe o que a maioria dos profissionais dizem? “Não dá tempooo’! Não há tempo pra fazer. Daí é mais fácil alcançar o comprimido se ele se agitar, e quando cansar… a terapia começa. Seria melhor abrir uma padaria. Não há rede se centralizarmos essa discussão defendendo um ou outro, pode ser mais um meio de enclausurar esse assunto… Entendendo a Atenção Básica como produção de saúde, qualificar os trabalhadores para primeiro reaprenderem a conversar com as pessoas, sem se sentirem pressionados a ter uma solução, um encaminhamento pronto, mas que possa ser ouvir e assim ter possibilidades. O mesmo também é pensar que a droga é um problema da polícia (dada a lei proibicionista) e o tratamento é responsabilidade da saúde e fim de pápo. Já furou. E pra pessoa que usa, é problema? Se torna um problema quando mexe com os outros? Que outros são esses? Mata? O que diz a epidemiologia, o que “mata mais”? O problema é a morte? De qual morte falamos, a física, a psicológica, ou a de descaminhos… Ou é a máfia? O roubo das nossas casas… miséria? Ou o dinheiro demais… o assunto é longo. Se vamos discutir plano terapêutico sem começarmos a pensar no antes, no depois, faremos o quê, durante?!!!! O assunto é longo…
COMENTÁRIOS NOVOS PUBLICADOS NO BLOG SAÚDE COM DILMA:
Por Dênis Petuco:
Bom… Eu fui internado em comunidade terapêutica quando tinha 28 anos (sim, eu consegui ultrapassar os 27 sem morrer, mesmo cheirando pra carálho). Não vou trazer relatos de tortura, de maus tratos, de comida estragada, porque tive muita sorte. Sorte de ficar em uma das poucas, pouquíssimas boas CT’s do Brasil. A maioria é lixo, depósito de gente, caça níqueis ordinários, ou espaço para proselitismo religioso de quinta categoria. Mas não, não foi o meu caso. Como disse, fiquei em uma boa CT. E sabe como é o tratamento em uma boa CT? Nove meses de oração, de manhã, de tarde e de noite. Eu era obrigado a rezar o terça 4 vezes por semana. Isto mesmo: obrigado! Se não rezar o terça, vai ter de pagar "construtivo", que era o nome dado aos trabalhos extras decorrentes das falhas morais vividas no cotidiano da CT. Não rezar o terça era algo passível de punição. Outra coisa: quando tentei levar um livro do Dalai lama lá pra dentro, na volta de uma de minhas visitas à família, o livro foi vedado. Não era permitido levar livros que não fossem cristãos. Não acho que uma entidade como esta deva ser fechada. Afinal, fui ajudado por esta instituição, especialmente em uma época na qual ainda não havia CAPSad, nem nenhum outro dispositivo da rede substitutiva. Foi bem melhor do que a clínica horrenda na qual eu fui internado em 1989, pertinho do centro de Porto Alegre. Mas ainda assim, não me parece que um lugar que obriga as pessoas a rezar o terço, e que proíbe livros de religiões diferentes daquela professada na instituição, possam receber recursos do Estado Laico Brasileiro. Que lhes parece?
Por Emanuelly Paulino :
Confesso que fiquei estasiada com a leitura das discussões/comentário postadas aqui! As falas são riquíssimas, de muita propriedade e, acima de tudo, cheias de apontamentos importantes para uma questão tão complexa e polêmica. Bom, falando um pouco sobre o meu ponto de vista a respeito da controvérsia: investimento do SUS para CT’s com objetivo de garantir assistência aos usuários abusivos e/ou dependentes de álcool e/ou outras drogas, confesso que tenho algumas opiniões formadas e outras de base "achista". A princípio, gostaria de retroceder ao movimento sanitário na década de 70 e o surgimento da "luta antimanicomial" defendida por trabalhadores e usuários em tempo paralelo. Onde as pessoas eram trancafiadas em celas fortes, com número de identificação, sem contato com familiares, assistenciados por métodos experimentais da ciência ou estudados pela medicina clássica e, reagentes de alta dose de medicação (isso considerando um sistema asilar de luxo), quais os resultados desse modelo?? Segregação, preconceito, sofrimento e na maioria dos casos, morte. Foi isso que assisti em um modelo hospitalar psiquiátrico tradicional, instituição privada custeada pelo SUS, em 2003, mais de 20 anos depois, quando estagiava como psicóloga. Vivemos em seguida, um momento de luta e coragem, a favor da garantia de direitos ao cidadão, denominada Reforma Psiquiátrica. Suas diretrizes permitem repensar o cuidado ao usuário de saúde mental, cuidado este, defendido a partir dos princípios do SUS. Constituir redes de atenção à saúde mental que propusessem ao usuário ofertas desde assistência, prevenção, reabilitação no território, até atendimento à crises nos Pronto-Atendimentos em Saúde Mental, ou leitos em hospitais gerais. Sem contar nos serviços substitutivos que teriam o papel fundamental de acolher, cuidar e, propor autonomia e dignidade ao sujeito em todo processo. A menina dos olhos, nos serviços substitutivos é então, o CAPS e, para tanto, na Política Nacional de Saúde Mental, são definidos vários tipos de CAPS para cada demanda: álcool e drogas, transtornos mentais severos e persistentes, infanto-juvenil, etc. Foram instituídos ainda as Residência Terapêuticas para usuários com longo tempo de permanência em hospitais psiquiátricos, Programa de Volta pra Casa, Centros de Convivência e Lazer… bom, mas o que interessa agora, nessa maravilha toda é, qual é o impacto de tudo isso nos dias de hoje?? Avançamos ou não nesta perspectiva?? Como anda o investimento (financeiro e operacional) e aposta da gestão nesta oferta?? E, finalmente quais são os desafios pela frente, considerando as mudanças epidemiológicas, sanitárias e socias?? Vivemos um ano importante, ano de Conferência Nacional de Saúde, o que queremos defender para a Saúde Mental, Álcool e outras Drogas ?? As Comunidades Terapêuticas e a Internação Compulsória são propostas do Ministério da Saúde, no mundo das especulações e, isso tem um lado bom até, pois as pessoas têm se mobilizado na discussão, defendendo seus pontos de vista, com argumentos pertinentes e orientadores. Uma outra ação em curso, é a o processo de avaliação dos hospitais psiquiátricos públicos e privados, proposto na Portaria Ministerial 1704/2011 que, traz a tona um questionamento importante: há intenção de manter essas instituições na assistência ao usuário de Saúde Mental?? E, em que medida, essa iniciativa seria retrocesso?? Essa eu deixo para um próximo debate. Um abraço à todos, Emanuelly Paulino Soares Psicóloga Especialista em Saúde da Família João Pessoa – PB @EmanuellyPS
Por S.P.H. :
Falo como DQ em recuperação. Usei muitas drogas, do álcool até o crack. Passei por uma internação em uma clínica gabaritada, que segue o modelo de Minesotta. Não há envolvimento com religião e esse envolvimento religioso beira ao fanatismo e não é bom financiar gente fanática para cuidar de quem precisa de se tratar e se recuperar, realmente. Recentemente, devido a uma recaída me depositaram em uma clínica no interior de São Paulo, para onde fui voluntáriamente, esperando receber um tratamento para dependência química. Fui enganado, fiquei confinado, submetido a tratamento carcerário, vi gente ser torturada em um quartinho denominado pelo PASTOR, dono da clínica, como sendo do PÂNICO. Em uma reunião, dessas em que todos ficavam presos e trancados numa sala, para ouvir impropérios proferidos pelo pastor, que se servia da Bíblia, como se ele fosse um pregador do demônio. Como é que clínicas desse porte podem existir no Brasil, em pleno começo de um novo milênio, de um novo século, em nome de qual mentalidade iremos perenizar estas pseudo-clínicas que sequer possuem profissionais da área de saúde? Esta clínica a que me refiro usava os internos como trabalhadores escravos. Eram ex-usuários de crack reprimindo os demais. A leitura da Bíblia por um prazo de uma hora, antes de tomar a primeira alimentação do dia. Havia, é verdade, a leitura dos 12 passos de NA e o resto eram maus tratos. Havia gente que não era dependente químico em uma clínica reservada a estes. O pastor tinha interno um "excepcional", com idade mental aproximada de 12 anos, G. , que possui trejeitos efeminados e foi internado lá, pela avó, para o pastor conserta-lo!!! O rapaz sofria, apanhava, tomou tapa na cara publicamente, era humilhado e o pastor não respeitava a própria esposa em suas sessões de baixarias e a pastora ria, dava gargalhadas. Que espécie de espelunca é esta? Tem um outro sujeito que foi largado lá pela família e não sabe. Há questões que envolve recebimento de herança e gente é depositada sem ter nada a ver com drogas. São vários casos. As internações são feitas sem qualquer crítério. Não é necessário Laudo Médico e o Pastor faz o que quer e bem entende, manipula familiares, troca medicamentos prescritos pelo psiquiatra… enfim, é um louco. Eu tenho, legalmente, o direito de ter alta e, quando quis sair ele me trancafiou, tentou manobrar meu pai, que exigiu minha presença. O pastor teve que obedecer, mas me vendo abraçado com meu pai, comandando uma equipe de ex-usuários de crack que eram escravos dele, disse na frente de meu pai que me levaria por bem, ou por mal e neste momento houve tumulto pois me pai se sentiu agredido. Eu não aceito, como cidadão, que o governo federal dê a uma droga de clínica desta natureza um centavo sequer. É uma indignidade dar dinheiro para estes pastores, pois são muitos… parece que há uma igreja de crentes envolvida neste ramo cheio de loucos e o modus operandi desta gente é o mesmo. Uma clínica desta não poderia estar veiculando anúncio pela internet. O que fazem é crime e o governo não pode repassar dinheiro do contribuinte para ver dependentes químicos serem torturados. Que as boas clínicas funcionem, tudo bem. Mas a maioria das clínicas não passam de uma fraude, de um estelionato, onde se faz tudo errado e inexiste qualquer esboço de tratamento voltado para recuperação. O terror foi tamanho que me revoltei tanto que acabei largando o uso por conta própria. Estou há mais de 3 meses limpo e não consigo esquecer esta clínica infernal. O pastor deveria estar preso. Saúde mental é coisa séria. O filme bicho de 7 cabeças retrata o que estas clínicas representam. Que loucura, meu Deus, imaginar que existe a possibilidade destes criminosos receberem verbas do governo me assombra e me deixa indignado. Invoco os versos de Castro Alves: SENHOR DEUS DOS DESGRAÇADOS… Por favor, levem isto em consideração, pois quem não recursos não se estabelece. O governo pode e deve fortalecer o regime ambulatorial e conversar com as clínicas que são honestas e sérias, embora capitalistas. Há que haver um meio de se solucionar tudo sem regressões absurdas. Conheci pessoas que me relatavam horrores de hospitais psiquiátricos, conheci rapazes internos porque fumavam maconha, é tudo muito absurdo. lembro o pobre Iraildes, levado para São Paulo para visitar uma tia doente. Quando levaram ele para vê-la ele caiu no alçapão sem retorno. Sr. Carlos de Minas me pediu para solicitar socorro à mãe dele, tem 57 anos e nunca achei o papel que ele me deu por causa da confusão na hora de sair daquela clínica de pastores. Religião é uma coisa, espiritualidade é outra. Podem se conectar, mas a espiritualidade sempre será superior às religiões. A Presidenta Dilma e todo o setor de saúde precisa se sensibilizar e não cair no conto dessa gente oportunista que quer parasitar o dinheiro do contribuinte. Só por hoje eu decidi desabafar !
Por Cristian Lopes :
Não dá para dizer que todos as CT são religiosas, e que tem pastores fanáticos, trabalho escravo, etc. Dada a grande demanda pelo tratamento e os recursos escassos para estes e os bons resultados que algumas comunidades terapêuticas têm (foi o único tipo de tratamento que conseguiu manter o meu irmão longe das drogas), é necessário financiá-las. No entanto, antes disso, é preciso definir critérios claros, rígidos e de forma democrática, os quais sejam pré-requisitos para o recebimento do financiamento público.
Por Maria Luiza Carrilho Sardenberg
Por quê não investir nos tratamentos no território?
Penso que nossa discussão ainda não tocou essa questão. O quê reje o pensamento que elege os confinamentos ou, na melhor das hipóteses, a separação dos sujeitos em um local supostamente protegido do contato com as drogas?
Alguém leu a bela matéria sobre o trabalho nas ruas feito pelo SUS com usuários de crack? Está na revista Época. "A droga da Mídia", escrito por Antonio Lancetti.
E os leitos em hospitais gerais, para internações curtas???
Os tratamentos pela via da abstinência total funcionariam se os "usuários" já não estivessem fazendo um caminho árduo e "pessoal" no sentido de mudar a relação mortífera com algumas drogas?
Não consigo pensar em nenhuma outra possibilidade de escolha das CTs como caminho terapêutico que não seja a da maior visibilidade em termos numéricos dos casos de "cura". Isso sem falar nos lobbies igrejeiros. O trabalho de rua é invisível para a lógica das estatísticas que alimentam a sociedade do espetáculo.
Alguém me ajuda a mudar de idéia????????
Iza Sardenberg