A humanização do Pré-Natal
Uma parte importante da humanização do parto é o preparo da mulher e sua rede social antes o parto. Para que ela possa saber que o parto é um evento que depende primeiramente dela e secundariamente da equipe de saúde. Saber dos seus direitos (direito a acompanhante, direito a ficar com seu filho imediatamente após o parto, direitos trabalhistas, direito a não fazer episiotomia de rotina, à privacidade, à movimentação no trabalho de parto, a escolher quando permitir o toque vaginal, entre muitos outros). Porém, a atividade clínica do pré-natal geralmente enfoca os riscos biológicos, os exames e medições. A maior parte dos gineco-obstetras, quando na atenção primária, tem pouquíssima disposição para aprender fazer um pré-natal minimamente adequado. Com formação basicamente cirúrgica e hospitalar, o pré-natal normal e mesmo o parto normal costumam despertar o mais profundo tédio, quando não uma repulsa explícita nestes profissionais. Mas mesmo a(o) enfermeira(o) ou médico de família e comunidade têm dificuldades de fazer um pré-natal para além do check list orgânico, assim como os gestores cobram pouco mais do que um número mínimo de consultas e exames. Pouco se conversa com as gestantes sobre mudanças corporais, sobre a sexualidade, sobre exercícios que preparam o períneo (e não basta conversar, tem que ensinar a fazer), sobre métodos não farmacológicos de alívio da dor (ensinar massagens para os acompanhantes), sobre respirações, sobre os medos, sobre experiência familiar com parto, sobre o preparo dos outros filhos, sobre o que é o trabalho de parto e seu começo, sobre o pós-parto, sobre massagens para criança (shantala, por exemplo), sobre a visita ao serviço de saúde em que ela fará o parto, etc´s e etc… Enfim, pouco se conversa sobre a vida neste momento mágico, em que ela transborda. Mesmo os grupos de gestantes, não raras vezes, são tão ruins que precisam comprar as gestantes com brindes, perdendo-se a oportunidade de troca de experiências, de relatos de parto, de construção de redes de apoio.
O óbvio, embora talvez não ululante, como diria o Nelson Rodrigues, é que, quanto mais a gestação é valorizada com todos os seus significados, mais fácil é o diagnóstico de problemas orgânicos quando eles acontecem, e maior o envolvimento das mulheres no tratamento. De forma que, em vez tentar submeter as mulheres a um pré-natal frio e sem sentido, a humanização do pré-natal está a nos exigir um salto de qualidade. É um excelente momento para construir uma rede em defesa da vida e de fortalecer as mulheres para enfrentem as tiranias da nossa cultura contra a vida (e o sexo), infelizmente explícitas na forma como os serviços de saúde costumam tratar as parturientes.
Um instrumento que se destaca a cada dia são as redes de mulheres em defesa do parto. Hoje, predominante fora do SUS, uma imensa e poderosa rede de mulheres se articula para conquistar sua cidadania gestacional. Com o aumento do acesso à internet, a expressão virtual destas redes precisa ser aproveitada e potencializada sempre que possível.Deixo aqui alguns links:
www.partodoprincipio.com.br,
www.maternidadeativa.com.br,
www.amigasdoparto.com.br
https://samaumamaternidadeconsciente.blogspot.com/
https://br.groups.yahoo.com/group/materna_sp/
Por Shirley Monteiro
Gustavo, neste trecho do texto que escreves, encontro as sutilezas profundas do Cuidado;
"Pouco se conversa com as gestantes sobre mudanças corporais, sobre a sexualidade, sobre exercícios que preparam o períneo (e não basta conversar, tem que ensinar a fazer), sobre métodos não farmacológicos de alívio da dor (ensinar massagens para os acompanhantes), sobre respirações, sobre os medos, sobre experiência familiar com parto, sobre o preparo dos outros filhos, sobre o que é o trabalho de parto e seu começo, sobre o pós-parto, sobre massagens para criança (shantala, por exemplo), …"
Achei muito legal porque é justamente a integralidade da saúde que se faz ao se acolher a "parturiente" como mulher, que se lança na aventura de ser mãe, mas precisa também reconstruir e integralidade do seu self ( neste momento parte deste self, está projetado no bebê, no que Winnicott chama de " holding", o envolvimento na díade mãe -bebê) … porém logo mais e para algumas simultâneamente, existe a questão da reconstrução da auto-imagem de mulher agora mãe, mas sempre mulher … para algumas, devido questões culturais diferenciadas e da propria historia de vida, estes papéis demoram a se reintegrarem de forma harmônica; o que inclui as transformações corporais inclusive iatrogênicas da bio-medicina. … Soma-se ainda as sensações do desconhecido, no primeiro parto, no pós-parto, no puerpério, na retomada da vida, … e o que trazes acalenta e cuida em profundidade destas questões.
Mãe feliz e tranquilamente leve, que vive o presente a cada momento com intensidade, promove um começo de vida emocional segura e harmônica para seus filhos. E a Shantalla bem poderia entrar como prática de atenção básica em Saúde da Criança, na ESF e Unidades básicas de Saúde, como promoção de saúde psicocorporal aos pequenos … poderia entrar no Programa " Brasileirinhos Saudáveis" do qual, nunca mais ouvi falar.
Abraços,
Shirley Monteiro.