Partilhando a dissertação de mestrado “Contando histórias de cuidado à infância em Unidade de Terapia Intensiva Pediátrica”…

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      Aceitando o convite feito por Shirley Monteiro, quero aqui compartilhar um pouco do trabalho que desenvolvi ao longo de dois anos de mestrado acadêmico do Programa de Pós-Graduação em Psicologia (PPgPSI) da Universidade Federal do Rio Grande do Norte (UFRN), sob orientação da docente Dra. Symone Fernandes de Melo, docente do Departamento de Psicologia da UFRN.
     A título de apresentação, meu nome é Ariane Fernandes, sou psicóloga, formada pela UFRN (2004), especialista em Psicologia da Saúde/Hospitalar (UFRN/2006), e mestre em Psicologia pela mesma universidade (2011). Atualmente, sou servidora pública estadual vinculada à Secretaria de Estado da Saúde Pública do Rio Grande do Norte (SESAP/RN), desenvolvendo minhas atividades no Núcleo Articulador da PNH (SESAP/RN) e no Complexo Hospitalar Monsenhor Walfredo Gurgel (CHMWG).
      O trabalho a ser exposto consistiu em uma pesquisa-intervenção realizada na Unidade de Terapia Intensiva Pediátrica (UTIPED) do CHMWG, hospital vinculado à rede pública estadual de saúde, referência em urgência e emergência para o RN, e localizado na cidade de Natal, capital do RN.

     Deste modo, compartilho nesta rede uma breve apresentação dos caminhos percorridos até a definição da temática alvo do estudo; a História de Mel (nome fictício, tendo em vista preservar a identidade da criança e de seus familiares), uma das protagonistas da pesquisa, que definiu seus rumos; e, ao final, convido todos e todas interessados(as) na temática abordada a obter a dissertação na íntegra, disponível no site da Biblioteca Digital de Teses e Dissertações da UFRN.

 

CONTANDO HISTÓRIA… APRESENTAÇÃO

 

      Minha inquietude com a temática relativa aos contos de Literatura Infantil surge em uma das aulas referente à disciplina Psicoterapia Infantil Humanista-Existencial, ministrada pela orientadora de mestrado, professora Dra. Symone Fernandes de Melo (Departamento de Psicologia/UFRN). Ora, na ocasião, a mesma afirmava serem os contos, em conformidade com a literatura científica especializada, potentes ferramentas para a mediação em Ludoterapia, produzindo efeitos plurais no cuidado à criança. Até então, muito havia escutado sobre o brincar, os jogos, o desenho, como promotores do desenvolvimento infantil. Todavia, sobre os contos nada sabia. E aquela nova informação me chamou a atenção, despertou-me o interesse, queria saber mais, conhecer os contos e tentar reconhecer neles o que os tornam terapêuticos, como podem ajudar as crianças, como atuam em sua subjetividade.
      Ao ingressar no PPgPSI, após alguns períodos de definição e redefinição do projeto inicial, elejo como personagens principais crianças inseridas em uma Unidade de Terapia Intensiva Pediátrica (UTIPED) de um hospital da rede pública estadual. Locus de minha atuação profissional recente, o hospital e a área da psicologia hospitalar desperta em mim verdadeira paixão. Somado ao encantamento pelos contos, parecia-me bastante oportuno compreender a natureza terapêutica deles frente às demandas afetivas dos infantes hospitalizados em UTIPED.
      Parecia-me relevante, de igual modo, estruturar uma proposta terapêutica direcionada especialmente às crianças em situação crítica, tais como o são aquelas que se encontram em tratamento intensivo, proposta que se mostrasse adequada àquele ambiente, onde os pequenos permanecem imóveis na maior parte do tempo, impedidos de realizar determinadas atividades lúdicas. O ouvir histórias se revelou uma possibilidade de atenção psicológica. Decidi-me por este caminho.
      Em período de modificação do projeto de pesquisa, não por acaso é que encontro uma princesa nesse caminho. Trata-se da pequena Mel. Convido todos a conhecer sua história.

 

A HISTÓRIA DE MEL… PRODUZINDO SENTIDOS

 

      Era uma vez Mel, internada na UTI em virtude de uma crise de apendicite aguda, não tratada devidamente e que, portanto, culminou em um quadro de septicemia e necrose do intestino. Por trás desse frio diagnóstico, existia uma garotinha de apenas cinco anos, amedrontada com os aparelhos e o barulho da UTI, longe de sua mãe e de seus familiares, sem comer e sem beber, tentando entender o que estava acontecendo com ela, que local era aquele, que pessoas eram aquelas que passavam pra lá e pra cá, que ora brincavam com ela, ora lhe infligiam dor.
      Alvo de procedimentos constantes, cirurgia, punções, exames, Mel chorava, pedia por sua mãe, que só podia estar ao lado dela na hora da visita. Pedia que, por favor, alguém lhe desse ao menos água. Sem entender que não podia beber água e nem se alimentar. Pedia então que alguém lhe molhasse os lábios ao menos. E mais uma vez recebia o não como resposta, sem maiores explicações. A expressão de sofrimento e angústia marcava o seu rostinho e nada parecia capaz de lhe aliviar a dor. Naquele momento não só a dor física, mas, sobretudo, a dor emocional.
      Nosso primeiro contato foi breve. A criança parecia ter desistido de seus protestos, e eu talvez representasse para ela mais uma pessoa vestida de branco que iria lhe negar a satisfação de suas necessidades básicas e lhe trazer sofrimento, uma vez que ela não entendia o porquê de tudo aquilo. Mel me olhava com reserva, e respondia monossilabicamente a toda e qualquer tentativa de contato. Virava a cabeça, fingia dormir, não me queria ali.

           – Oi, Mel? Como eu posso lhe ajudar?
           – Tia, me dá um copo d’água…
         
  – Infelizmente, meu amor, você fez uma cirurgia na barriginha, não pode beber água por enquanto… E nem se alimentar… Tá vendo esse sorinho ai? Ele é que tá lhe alimentando, deixando forte… É passageiro…

      Nesse primeiro diálogo mais duradouro, tentei explicar pelas vias da razão o que estava se passando. Mel pareceu entender, mas não era o suficiente. Acalanto, proteção, carinho, atenção… pareciam ser essas as suas maiores necessidades. Pergunto então o que ela gostaria de fazer enquanto estivesse ali, ao que ela me responde:

           – Tia, pega aquele livrinho ali que tá com Vitória… Conta a historinha pra mim…
           – Tudo bem, Mel, vou pegar um livrinho e contar uma história pra você. Você gosta de alguma história?
           – Qualquer uma, tia, qualquer uma…

      E assim, todas as tardes, já ao me ver através do vidro da porta da UTI, antes de entrar, Mel estendia sua mãozinha, num gesto carinhoso, me convidando a contar histórias para ela. Convidando-me a cuidar, a lhe acolher e trazer algum momento de conforto e alegria, em meio àquela confusão de coisas que vivia. Aos poucos, passou a se alimentar e beber água. Aos poucos, foi tecendo os fios de afetividade e carinho para com a equipe e os coleguinhas que ali permaneciam. Aos poucos, preparou a sua despedida. E nos deixou…
      Não por acaso a pequena Mel pedia justamente para ouvir histórias. E é à pequena grande Mel que devo o nascimento de um novo projeto. Pleno de sentido para mim.
      Chegamos à reta final desse longo caminho, apresentando ao leitor (neste caso, aos integrantes da RHS) esta dissertação, qual seja: Contando histórias de cuidado à infância em Unidade de Terapia Intensiva Pediátrica. No link a seguir disponibilizado, é possível ler o desenrolar de um conto.
      Convido todos e todas a imergir no mundo encantado da Literatura Infantil, considerando-a como potencialmente promotora do desenvolvimento da criança, mesmo em meio à adversidade. Espero que essa história seja tão profícua para os componentes da RHS como o foi para mim.

Link de acesso à dissertação em sua íntegra:
https://bdtd.bczm.ufrn.br/tedesimplificado/tde_busca/arquivo.php?codArquivo=4626