OUVI…. OUVI O QUÊ???? OUVIDORIA???
Ouvi….O quê??
Fernando Olivan Vieira
Há um certo tempo o brasileiro vem adquirindo o hábito de reivindicar os seus direitos.
Josenildo, mineiro da cidade de Machado, caboclo velho, desconfiado de tudo e desempregado voltou para São Paulo depois de dez anos. Ele havia trabalhado em uma fábrica de torneiras no bairro da Mooca. Meses atrás perdeu a sua carteira de trabalho e precisava encontrar a empresa, que mudou de endereço, para carimbar sua segunda via. Procurou, então, a Junta Comercial, onde as empresas são registradas. Logo na entrada, assustou-se com o enorme prédio. Não sabia onde recorrer. Perguntou ao guarda:
– Simples senhor. Pegue este corredor até o fim, vire à esquerda e depois a segunda à direita. Suba a rampa e vire à direita de novo. O senhor encontrará uma porta. Não entre nela. Vire à esquerda e suba um lance de escada. Há um balcão. Solicite as informações lá.
Josenildo, confuso, entrou na primeira porta que viu. A atendente se prontificou:
Pois não sr, em que posso ajudá-lo?
– É o seguinte dona, disse Josenildo, eu perdi a minha carteira de trabalho e preciso encontrar essa empresa para carimbar a minha segunda via.
– Sim senhor, é lá na frente no fim do corredor, virando à esquerda e depois a segunda à…
Josenildo interrompeu a moça, deu um passo para trás e leu o que estava escrito do lado de fora.
– Mas dona, aqui está escrito ouvi…ouvi…douria e a senhora está aqui para me ouvir, não é?
– Sim senhor, mas este não é o caso. O senhor tem alguma reclamação para fazer? Perguntou a atendente, já prevendo o sufoco que iria passar.
– Senhora, eu não tenho reclamação, eu só quero encontrar a empresa que trabalhei faz dez anos.
– Então o senhor tem que seguir as instruções que eu estava tentando lhe passar.
Josenildo, perplexo, perguntou:
– Moça, o quê esta placa está fazendo aqui?
– Esta placa, senhor, está certa. Aqui é a Ouvidoria e nós atendemos reclamações, sugestões, críticas e elogios.
– Mas a senhora atende ou ouve? Perguntou, curioso, Josenildo.
– Dá no mesmo senhor.
– Não dá não. Como a placa diz Ouvidoria a senhora deveria só ouvir.
– Tudo bem, então o que o senhor tem a me dizer? Entregou a moça já sem paciência.
– A senhora ouve qualquer coisa? Tá bom. Eu vim lá de Machado e gostaria de saber porquê a minha mulher, que ficou lá, está sentindo dores nas costas. Eu digo isso porque eu não agüento mais, toda noite ela grita e geme desesperadamente com fortes dores e isso acontece só quando faz frio.
– Senhor, eu não sou médica.
– A senhora disse que me ouviria.
– Tudo bem, mas aqui é um hospital público.
– Então o que a senhora faz?
– Vou dizer pela última vez. Eu atendo reclamações e sugestões.
Josenildo estava confuso. Já tinha até esquecido o que estava fazendo lá. Aproveitando a deixa da atendente, lembrou-se de uma ocorrência durante a viagem:
Eu tenho uma reclamação a fazer.
– Graças a Deus. Pode falar senhor.
– Quando estava no ônibus vindo para cá, o motorista deu uma pisada tão forte no breque que eu machuquei o joelho. Gostaria de reclamar desse motorista. Eu peguei o nome dele.
– Senhor, senhor, senhor…
– Nossa, a senhora ficou vermelha de repente. Por acaso a senhora conhece esse motorista?
– Não senhor, só atendemos reclamações sobre os nossos serviços!!!!
Josenildo, finalmente, entendeu.
– Mas moça, como posso reclamar de um serviço que eu ainda nem usei?
– Então o senhor se dirija até o balcão de informações.
– Eu não vou mais.
– Como não?
– Vou formalizar uma reclamação.
– Qual?
A senhora não soube me explicar o significado dessa placa. Estou aqui à meia hora e nesse tempo eu já poderia resolver tudo. Como a senhora me enrolou e gritou comigo, vou reclamar. A senhora atende uma reclamação sua?
A moça, responsável e profissional em sua função, não pôde dizer não. Josenildo formalizou a reclamação e depois dirigiu-se tranqüilamente para retirar as informações que tanto necessitava.
Josenildo sentiu-se cidadão. Pela primeira vez ele utilizou os serviços de um órgão público, saneando suas dúvidas e exercendo a sua cidadania – o de procurar e formalizar um direito seu – liberdade para opinar e reclamar.
Por olga matoso
Essas e outras situações acontecem e na maioria das vêzes quando o trabalhador faz o que…para quem… como…a mando de…Não é dificíl presenciarmos/vivenciarmos isso, não somente em serviços públicos, mas em rede privada também. Dependendo como a gente se veste pode ser um bom mottivo para sermos bem, ou mal recebidos em várias empresas privadas.
E mais: gostei muito do "causo", mas como mineira, a expressão "caboclo velho, desconfiado de tudo" deu uma mexida comigo.