Cartilha redes : mais um nó…

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Produzindo e aquecendo as redes do e no SUS

                                                      Adail A.Rollo

                                                      Teresa Martins

 

Qualquer serviço de saúde, por mais complexo que seja, não consegue sozinho dar conta da atenção integral no processo  saúde/doença.  Esta tarefa  depende de muitos saberes e práticas,  para que o cuidado se dê de forma contínua e  integral e  muitos outros ainda podem ser necessários para lhe dar suporte logístico.   Se pensamos num hospital, por exemplo, o funcionamento de cada área, os resultados de cada equipe clínica, cirúrgica, de oncologia, seja do que for, quer queira, quer não queira, está conectado e  depende de outras equipes: do laboratório, do hemocentro, do almoxarifado, da lavanderia, da área de diagnóstico por imagem,  da nutrição e dietética, da manutenção, da limpeza,etc.  Depende ainda das unidades básicas para a continuidade do cuidado no pós-alta, da equipe de reabilitação, da internação domiciliar, do SAMU,  enfim, se pensamos num hospital como um “nó” da rede de atenção do SUS de uma dada região, ele precisa se conectar com outros “nós”, que são  outras unidades de saúde da região ou macrorregião,  para cumprir com suas responsabilidades. Por sua vez, estes outros “nós” só existem em função uns dos outros. Chamamos interdependência a este tipo de relação numa rede de saúde, onde múltiplos saberes e práticas são necessários para que melhores resultados sejam obtidos.

A interdependência que existe entre os distintos serviços para a produção de saúde não isenta nenhum deles de suas responsabilidades sanitárias.  Se pensarmos numa região inter municipal ou metropolitana, é fundamental que se defina quem faz o quê. Uma mulher que engravida precisa saber onde pode fazer o pré-natal, se seus exames laboratoriais, ultrassom e outros serão realizados,  em que hospital terá seu filho e se houver uma intercorrência que exija seguimento especializado, quem o fará. Isto implica que haja mapeamento de recursos disponíveis, pactuação destas responsabilidades sistêmicas e cooperação entre os serviços/equipes.  Não há pactuação capaz de prever todos os imprevistos que ocorrem no campo da saúde e que são diversos e  freqüentes, exigindo muita flexibilidade, solidariedade e conectividade entre os nós  da rede de atenção à saúde .

A forma como os serviços entram em relação uns com os outros, faz toda diferença. É possível que serviços definam suas responsabilidades de uma forma burocrática, engessada, com pouca  interação.  Porém, à medida que conseguem se perceber como complementares, compreender suas finalidades no SUS de produção de saúde, de produção de autonomia/sujeitos e de sua sustentabilidade, e passam a estabelecer trocas (discussão dos casos, apoio matricial, co-responsabilização pelas pessoas em sofrimento/seguimento), afetando-se uns aos outros,  poderão ter maior  potência no seu agir, mais agilidade na tomada de decisões, atuação em tempo mais adequado, diminuindo o sofrimento e mesmo  mortes. É só pensar num acidente onde as vítimas estão gravemente feridas e na cadeia de eventos necessários, desde o aviso ao 192 por um transeunte qualquer, a presteza do serviço de remoção/socorro, a orientação da central de vagas que orienta para onde levar, como estão os Prontos Socorros naquele momento, o diálogo sobre a situação entre SAMU/ Pronto  Socorro e depois de quem presta o atendimento hospitalar com a ação de múltiplos saberes, etc. Diminuir o sofrimento desta pessoas e sua rede social significativa (familiares, amigos,etc), diminuir as seqüelas e óbitos evitáveis, são resultados coletivos.

Quanto maior a interação entre estas pessoas/equipes/áreas/ serviços, quanto menores  as fronteiras do saber e de poder  entre eles,  maior a probabilidade de desenvolvimento de modos de trabalhar que promovam mais impacto, melhores indicadores de saúde, soluções mais criativas,  maior  satisfação com o trabalho, tanto por parte do trabalhador como dos usuários e gestores.

 

Há que se refletir que, para  a maioria da população, a relação com o hospital para internação, com SAMU para remoção  são eventos isolados durante a vida.   Um número muito maior de pessoas precisa ter o direito de acessar um serviço de saúde, onde estabeleça outro tipo de relação, onde possa ser matriculada, vincular-se a determinada equipe de saúde e ter seu seguimento quando portadora de alguma condição crônica (gestação, hipertensão arterial, diabetes, câncer, etc), ser acolhida diante dos agravos agudos ou intercorrências de sua condição crônica. Estamos nos referindo aos serviços da Atenção Básica/Atenção Primária em Saúde (APS), que entendemos que além de atender a estas demandas das pessoas/coletivos de um dado território, deve ainda coordenar as ações de cuidado, não se desresponsabilizando quando não tem recursos tecnológicos para resolver a situação, compartilhando-a com outros “nós” da rede. O apoio matricial dos serviços especializados (especialidades médicas, fisioterapia, nutrição, saúde mental, etc.), dos serviços de emergência, de internação hospitalar, da Vigilância em Saúde são imprescindíveis para que haja resolutividade da maioria dos casos na APS.

As   Unidades Básicas de Saúde, incluindo gestores, trabalhadores e usuários,  ao  se conectarem ainda com outros “nós” do território em que atuam  e para  além-fronteiras, ampliam a s possibilidades de viabilizar  as ações de promoção, prevenção,  assistência e reabilitação, articulando ações individuais e coletivas, incluindo a singularidade de cada lugar, com suas histórias, seus problemas, seus recursos, suas relações de poder. São muitos outros “nós”  fazendo  parte das redes de saúde nos territórios  do viver e conviver, estimulando recursos não convencionais de solidariedade,  cooperação e  criatividade,  produzindo saúde e cidadania.

A estratégia das TEIAS (Territórios Integrados de Atenção à Saúde), com a criação dos NASF (Núcleos de apoio á Saúde da Família), bem como o Programa dos Territórios de Cidadania do Governo Federal,  apontam nesta direção.

Para que distintos serviços possam experimentar estas interações, co-construindo projetos terapêuticos e projetos de saúde coletiva, se co-responsabilizando de forma complementar por um dado território, precisam criar arranjos de co-gestão. Para além do compartilhamento no cotidiano das equipes, a  instituição da gestão colegiada entre os atores sociais de uma dada região, onde todos os serviços e segmentos estejam representados, sem hierarquia de um sobre o outro, pode ampliar a eficácia e efetividade das redes de atenção, ressignificando o SUS para gestores, trabalhadores e usuários,    valorizando a vida em  nosso devir.