Direitos dos usuários do SUS
As pessoas têm muita dificuldade de percepção em relação ao direito representado pelo investimento que se faz em saúde no Brasil e no mundo.
Não se tem noção do que sejam os cerca de 65 Bilhões de Reais investidos neste ano no setor, nem do que significaria aumentar este valor para 100 ou 150 Bilhões de Reais. É como o leite que nutre um recém nascido: parece que a demanda regula a oferta de forma mágica. Sabe-se que é necessário, mas não se pode acusar a natureza por este tipo de oferta ou de falta. Saúde é assim: um direito natural que quando insuficiente, parece ser tão natural como quando é abundante, ou seja, algo que não pode ser tratado de forma racional ou política. Por isso é que o tema da saúde não dá votos durante os debates eleitorais e só de forma tímida aparece como critério para se avaliar administrações públicas.
As pessoas se ressentem da falta, mas acreditam que como furacões ou terremotos, a desatenção em saúde é algo natural…
Para o senso comum, ainda que insipidamente e muito recentemente em termos históricos, só se tem direito ao que se pode consumir a partir de uma relação mercantil de compra e venda.<!–break–>
Durante a maior parte do dia as pessoas recebem mensagens publicitárias que estimulam o consumo e o desejo. É mais do que o produto em si que a mídia vende. É um modo de vida, um sistema de valores que a partir do consumo de coca-cola, por exemplo, orienta todos os demais valores coletivos. Estes valores coletivos propagados pela mídia passam a ser também os valores do indivíduo. Por isso é que na prática não vemos as pessoas se mobilizando em defesa da saúde ou da educação.
Estas coisas não têm valor monetário, logo não tem valor nenhum. Estes bens são abstratos e, portanto, não podem ser tratados de forma prática como a compra de um ou outro modelo de carro, celular, roupa, lazer, etc.
Por isso, é difícil perceber a saúde como um produto tangível carregado de sentido e status social. Muito menos, desejável como um produto típico da indústria capitalista. Desejamos saúde como desejamos a própria vida. Ou seja, em tese, não podemos consumir a vida, nem a nossa, nem a dos outros e não podemos julgar seu valor em termos de acesso ou de posse. Se assumíssemos este pressuposto teríamos de aceitar o fato de que o prazer de estar vivo seria medido pela quantidade de pessoas que morrem, e o de ter saúde pela quantidade das que estão doentes.
Saúde, como já afirmei, não é como um bem material, um celular ou um carro, por exemplo, que simbilizam o pertencimento a um grupo social através do poder exclusivo de compra. Ter uma Ferrari só é bom porque elas não existem na mesma quantidade e custo do que “fucas”…
Ora, como as pessoas poderão por em perspectiva de valor um bem que tem, por natureza o caráter de acesso universal? Se a medida para o valor de um bem é o número de pessoas que estão excluídas do acesso, algo que é de todos não pode ter valor algum, nem positivo, nem negativo. Afinal vivemos neste Capitalismo Mundial Integrado em suas modulações no contemporâneo, conforme Passos e Barros, 2004, citanto Guatari. A saúde, não sendo um bem tangível, está, portanto, fora do espectro de valores das pessoas. Num contexto de unificação do mercado de bebs simbólicos como a teorizada por Pierre Bourdieu, podemos mensurar a dificuldade de se significar, não a essência, mas sim a potência (Ricardo Teixeira) deste tipo de investimento da rtiqueza de uma sociedade.
Para complicar mais as coisas o financiamento a saúde no Brasil é feito de forma confusa. Aposentadorias do setor privado e saúde tem fontes comuns de financiamento e aparecem nos contra-cheques dos trabalhadores como contribuição ao INSS. Fica muito pior assim por que as pessoas não percebem a relação entre serviços prestados e financiamento. Teríamos uma percepção bem melhor do SUS se o desconto nos salários fosse feito para a saúde e o da aposentadoria para a previdência, de forma separada e distinta.
É assim que se dá com os seguros de saúde do setor privado. A pessoa paga uma mensalidade para ter direito ao serviço toda vez que for necessário. O SUS é assim também, todos em condições, pagam, porque poderão usar o benefício mesmo se vierem a estar incapacitados de pagar. É um sistema racional em que os custos são calculados em função dos riscos e a universalidade é um preço a ser pago em nome da segurança.
O fato de não ter ficado claro no texto constitucional a fonte de financiamento da saúde é um grande problema que subverte os princípios que norteiam o próprio SUS.
A fonte de financiamento é a chave para o entendimento da natureza e legitimidade do Sistema Único de Saúde. A clareza neste ponto facilita o entendimento e promove a desnaturalização da forma de se perceber a saúde e o cuidado. Isto tiraria a questão da saúde da esfera dos entes divinos, do céu, do limbo, do inferno, da fantasia ou da mágica e traria para o concreto que é a linguagem mais fácil para o senso comum.
SUS – Mais vida para cada indivíduo que se soma ao coletivo que sustenta e gerencia o sistema. Mais qualidade para o indivíduo que vê em seus direitos o resultado do caminhar errante e cambaleante, firme e certo da humanidade no rumo da civilização…
O SUS é para quem percebeu que o fato de a demanda regular a oferta de leite materno não é uma mágica divina, mas sim o efeito de uma racionalidade biológica que emerge como a melhor estratégia de promoção da vida…
Marco Pires.
15 de Novembro de 2008