Legalização das drogas

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Silio Boccanera*

 

Em meio ao mais recente confronto entre traficantes de drogas no Rio de Janeiro, com sobras e estilhaços para bairros de classe média na Zona Sul  minha irmã assistiu ao tiroteio da janela de seu apartamento e uma granada foi encontrada depois num prédio vizinho), voltam à discussão as diretrizes para enfrentar o problema do tráfico, geralmente focadas em torno de uma repressão mais eficiente: mais polícia, mais prisões, mais castigo.
 

Será o caminho? É o que vem sendo adotado há anos, com resultados pífios e clamores renovados por mais recursos para a polícia e mais eficiência na repressão. E se as autoridades decidissem pela legalização? Não só o consumo de drogas deixaria deser crime, mas também toda a rede de produção, transporte e venda. Funcionaria?

Parece proposta de viciado, malandro, hippie velho ou samaritano cheio de boas intenções, mas ingênuo quanto aos resultados. No entanto, diante do fracasso da chamada guerra às drogas – não só no Brasil, mas no mundo – sugestões desse tipo partem agora de fontes inesperadas, que variam desde o ex-presidente Fernando Henrique Cardoso (integrante de uma comissão internacional da ONU que estudou o assunto na América Latina) até os editores da revista britânica de centro-direita The Economist, uma voz do
establishment internacional.
 

Segundo os planos de legalização, drogas ilícitas hoje como heroína, cocaína, maconha, substâncias sintéticas e outras variedades tóxicas seriam tratadas como é hoje o cigarro. Ou seja, as autoridades sabem que fumar faz mal à saúde,mas deixam ao indivíduo a decisão de se prejudicar com o hábito. O estado adverte sobre os males do cigarro, faz campanha contra, restringe publicidade e locais de uso, mas permite o consumo e extrai impostos altos de produção e venda. Ninguém vai preso por fumar cigarro, nem a plantação de tabaco é ilegal.
 

Com a legalização das drogas hoje proibidas, o crime organizado sairia do negócio, pois acabariam os atuais lucros fabulosos, alimentados a violência e corrupção, e baseados no risco e na habilidade dos traficantes em fazer chegar o produto ao consumidor.

Em vez de gastar recursos e energia com repressão, o estado entraria com impostos, fiscalização e até controle de qualidade, o que supostamente acabaria com talco na cocaína e capim na maconha.
 

No debate sobre essa questão, surgem naturalmente os que se opõem de forma radical a qualquer política que venha legitimar a produção ou o uso de drogas ilegais, por uma questão de princípios. Mas existem também os que, embora entendam a teoria na proposta de legalização, não acreditam em resultados favoráveis e, sobretudo, temem um aumento desastroso do consumo.
 

Para conhecer melhor os argumentos dos que defendem a legalização, fui à sede em Londres da revista semanal britânica (de circulação internacional) The Economist, que em edição recente defendeu essa medida em reportagem de capa. E lá conversei com o autor do artigo e do editorial pró-legalização, Michael Reid.
 

"Achamos que esse não é o tipo de assunto em que o estado deva adotar medidas coercitivas", disse ele. Uma dessas razões vem da visão liberal de que o pior mal que o drogado provoca é a si mesmo, não aos outros. É diferente, por exemplo, do controle de armas, pois elas matam outras pessoas, enquanto drogas matam o usuário. É claro qu eas famílias dos viciados sofrem e há um custo social no uso das drogas. Mas o primeiro prejudicado é o próprio usuário. A legalização não acaba com o problema, mas é a opção menos ruim, comparada à chamada guerra às drogas, que até a ONU concluiu agora ter sido um fracasso.
 

Carta da Europa – À parte a defesa dessa medida por uma questão de princípio libertário, o mesmo que leva sua revista a apoiar a legalização da prostituição e do jogo, que vantagens práticas o senhor vê na legalização das drogas?

Michael Reid – A proibição não conseguiu impedir o consumo, fracassou inclusive na proposta de diminuir radicalmente o uso. O problema central das drogas é o vício, e esse é um assunto de saúde pública, não de polícia. Jamais deveria ser um tema imposto por lei, menos ainda por uma guerra. A questão é como alcançar a educação mais eficiente, informação pública e provisão de tratamentos para evitar e diminuir o vício. O caminho da legalização,
regulamentação e taxação das drogas é o que melhor atinge esses objetivos.
 

CE – Legalizar as drogas tira o crime organizado do negócio, sem dúvidas. Desemprega os traficantes e, supostamente, acaba com a violência e a corrupção em torno dessa atividade. Mas uma consequência é que as drogas vão ficar baratas, o que deve levar a um aumento do consumo.Não estaríamos assim numa situação pior?
 

MR- Uma das maiores vantagens da legalização é poder acabar com envolvimento do crime organizado nesse negócio. Em segundo lugar, também é verdade que o preço das drogas ilícitas está relacionado ao risco de distribuição, e não à produção. Se legalizar, os preços devem cair. Por isso, será preciso criar impostos altos e uma negociação para tentar minimizar o consumo. Os preços não podem subir demais ou haverá mercado negro para vender por menos, mas mesmo com impostos e controles serão mais baixos do que os atuais, que refletem o risco da ilegalidade. Haveria um aumento do consumo? Ninguém sabe ao certo, mas digamos que o consumo aumente. Seria o custo potencial. Nossa opinião é que, ao eliminar o problema da clandestinidade, acabar com a necessidade de gastar dinheiro com repressão e aplicando impostos, criam-se recursos para combater o problema como uma questão de saúde pública e não como uma questão de polícia.
 

 

Silio Boccanera é articulista político e escreve à segundas-
feiras em A Gazeta (MT)