A ANÁLISE DE IMPLICAÇÃO COMO FERRAMENTA NA PESQUISA INTERVENÇÃO

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Reflexões sobre os textos de Simone Paulon e de René Lourau.

A autora Simone fundamentou com base na bibliografia disponível, especialmente o texto e as idéias de Lourau, que o contexto que delimita o ato de pesquisar é que confere o estatuto de cientificidade ao trabalho e as conclusões do trabalho de pesquisa. Destronado o mito da neutralidade cientifica, cabe esmiuçar os detalhes da implicação do pesquisador e seu objeto de pesquisa. As produções de saber/poder e suas conseqüências para os atores e o ambiente em que se produziu a pesquisa. Afinal este é um curso intervenção e este tema diz muito respeito ao processo de formação de um apoiador da Política Nacional de Humanização.

Já com René Lourau, o tema da restituição da pesquisa, da implicação e da impossibilidade da neutralidade no processo de construção do saber ficou evidenciado pela interação o autor com os eventos e pessoas que participaram das conferências que deram origem ao texto.

Os aspectos do dentro e do fora no âmbito da pesquisa é tratado no livro escrito a partir das palestras do Lourau. O dentro seria o texto final – a monografia. O fora, nosso caso, seria o diário de bordo, o bate papo e os fóruns de discussão, seriam os caminhos da construção do saber propriamente ditos e que não aparecem no trabalho final.

Todo o processo de aprendizado é feito destes encontros inusitados que não aparecem de forma explícita em nossos escritos oficiais de pesquisa – a monografia, a dissertação ou a tese. Como René diz, é como se a academia pegasse nossa mão na hora da escrita e a guiasse. Nós nunca escrevemos, ou dizemos tudo o que pensamos. O trabalho da análise institucional seria o de se olhar para o que não é dito oficialmente, mas que é importante no dia a dia das instituições em que trabalhamos. Por a mão na, ou tratar sobre a “merda”, ou seja, aquilo que é essencial nas relações de trabalho, mas que não pode ser tematizado por ser considerado tabu ou algo que não se pode remover sem que a instituição como um todo venha a baixo. São os ditos assuntos delicados que teimam em não se deixarem emergir.

Por exemplo, quando temos vergonha de algo ocorrido durante a pesquisa, aí mesmo é que não é insignificante. Temos, então: um analisador. Ele deve nos substituir na análise de implicação, segundo a proposta defendida pela autora Simone e por Lourau.

O diário de pesquisa e nossas observações de campo são reveladores potenciais de analisadores. O problema é que o diário de pesquisa é íntimo. Alguns só são publicados décadas depois da morte do autor. No nosso caso, o diário de bordo é dividido com os demais participantes e monitores se optarmos por isso. Por isso, mesmo nele há coisas que não nos permitimos registrar, como carga horária de contratos, regimes contratuais precarizadores das relações de trabalho e outras coisas que não desejamos que determinados gestores possam de alguma forma vir a ter acesso. Assim, em pesquisa são sempre dois livros: um que o pesquisador apresenta para a academia e o diário de pesquisa que ele usa para escrever o texto oficial, mas que não entrega para a banca examinadora ou ao menos, não permite que a instituição o torne público.

Construímos formas de conhecimento que não se pode separar do olhar e dos questionamentos que aplicamos ao objeto ou as relações que estudamos. A simples presença do investigador muda o contexto em que gestos e ações acontecem. Quando temos uma diretriz e clareza de princípios, quando dominamos bem o campo e o simbolismo em que nos implicamos fica ainda mais intensa a intervenção.

Tem coisas que são ditas o tempo todo, como falar mal do SUS, por exemplo. Porém não podem ser afirmadas com a mesma segurança diante de alguém com um conhecimento aprofundado do sistema de saúde. Se isto ocorrer podem surgir rachaduras ou fissuras nas convicções mais superficiais e se abrirem espaços para novas formas de apreensão do objeto em questão. Isto por si só já altera o ambiente em que se discutem os processos de trabalho, os servidores e suas formas de implicação com o SUS. A roda gira e as percepções são afetadas. Daí em diante podem-se instituir outros modos de fazer.

O nosso interesse na profissão que exercemos é um dos temas delicados no contexto do SUS. Gostar ou não do SUS pode ser um ponto cego sim, algo difícil de surgir na roda. Um tipo de analisador que teima em não se tornar operativo. Porém, acredito que seja uma questão íntima e pertinente ao mesmo tempo.

Nossa carreira emerge de um conjunto de escolhas de investimentos e mesmo de disputa com nossos pares. Há razões e impulsos poderosos mobilizando nossos desejos em direção ao lugar e a instituição em que vamos passar/deixar nossas vidas profissionais. Por isso mostramos de forma discreta nossa implicação com o sistema em que trabalhamos. Queremos que todos saibam que temos intimidade, mas não queremos mostrar tudo sobre ela. Isto por que para nós mesmos ela tem um certo mistério e um certo encantamento.

Nos momentos em que temos uma elevação da auto-estima costumamos nos orgulhar do que fazemos. Já quando estamos descontentes com o rumo que a vida profissional tomou, engrossamos o coro das viúvas do SUS. E tome falar mal do nosso local de trabalho, de nossos colegas, dos gestores, dos usuários, da natureza humana e o diabo a quatro…

O paradoxo dos trabalhadores do SUS: Acredito por que trabalho nele, ou trabalho nele porque acredito. É difícil para qualquer um responder definitivamente a esta questão. No entanto é possível ver-se apaixonado pelo que se faz mesmo que não consigamos explicar exatamente o porquê.

Embora como a Lydia diz, às vezes a paixão pode ser apenas por si mesmo, no caso do interesse do pesquisador hipotético, que ela citou no nosso bate papo on line, para mim a implicação é sempre apaixonada. Já o descompromisso, este sim, pode ser apático ou engajado. Os apáticos podem se apaixonar se bem motivados. Os opositores engajados do SUS, bem, estes aparentemente só podem ser comprados.

 

Marco Antonio Pires de Oliveira
03/03/2009