ENTRECRUZANDO VERSOS, DEIXANDO CORRER AS IDEIAS
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Por Ray Lima e Joelson de Souto*
JOELSON
Eu canto a galope, ninguém me humilha,
Falando bem simples, mantendo o respeito
Na rua, na praça, no beco estreito,
Cantando o sertão, minha maravilha;
Honrando o nome da minha família
Tem coisa bonita pra gente rimar
E tendo a viola pra gente tocar
E o verso rolar de cima do horto
E cair no chão do cais do meu porto,
Cantando galope na beira do mar.
RAY
Eu queria cantar, dançar nessa trilha,
mas a idade exige um pouco de cautela.
Primeiro observo, espio ali da janela
quem fica, quem vai, ou quem encruzilha;
quem ontem passou, quem se prende à ilha.
Tudo é motivo para arte do olhar
que alimenta o gás do ato de pensar.
Aí o dispositivo da razão se solta
co’a imaginação driblando sua escolta,
cantando a galope na beira do mar.
JOELSON
Cantando por dentro do vocabulário
Da literatura meu verso saiu.
Passando por dentro da boca e caiu
No mundo que vejo como visionário
Sem ter remetente nem destinatário,
Sem ter o caminho pra poder passar,
Juntando história pra poder contar
Ficando mais rico, mais forte e mais belo
Para construir de rima um castelo,
Cantando galope na beira do mar.
RAY
Já não sei a força de foice e martelo.
Mexo e remexo meu quengo operário,
reviro meu bolso não acho o salário,
de tanto trabalho sobrou um cutelo.
Vesti-me a bandeira verde e amarelo,
dormi na sarjeta à falta de lar.
Sempre acordando, não pude sonhar.
Pela manhã tracei um miolo de pão,
me enchi em revolta, vazei-me em razão,
cantando a galope na beira do mar.
JOELSON
Com um muro alto e muita largura
De ferro, de pedra, cimento e concreto;
Com portas de aço batendo no teto,
Com um vigilante armado à largura,
Com amor no peito, com jeito e brandura,
Com faca de doce, com mel pra tomar
Remédio pra fome nunca mais matar;
Gentil, carinhoso honesto e direto
O gesto de amor é o seu predileto,
Cantando galope na beira do mar.
RAY
Em que terra e teto eu posso morar?
Em cidade ou campo, no alto, no chão?
Cadê minha mãe? Onde está meu irmão?
Chorar vale a pena? O certo é gritar?
Que tipo de luta é de se travar?
É hora de estudo, muita paciência…
Reflito: de dentro vem a resistência…
Levanto sonhando tudo mudar!
Dou um giro na mente, bocejo a história;
acordo os heróis, açulo a vitória,
cantando a galope na beira do mar.
JOELSON
No nosso castelo a porta é aberta.
Não entra só um, é de dois, é de três.
Eu peço ajuda e convido vocês
A me ajudar a fazer a coberta
Com o ritmo todo da música certa
E fazer um quarto pra a gente deitar
Nos braços da vida pra a gente sonhar
Com um mundo melhor, tranqüilo e feliz,
Onde a gente possa pintar o nariz,
Cantando galope na beira do mar.
RAY
Se meu sonho é aberto, o largo da rua,
não tem proteção nem dorme em castelo;
seu guarda é um cão, a chave é meu cutelo
e sua inspiração é a natureza nua,
repleta de estrelas, banhada de lua.
Meu sonho tem arte, tem sertão e mar,
a chance real deste mundo mudar.
Meu sonho é esboço de revolução,
mas é de carne e osso, pensar e ação,
cantando a galope na beira do mar.
JOELSON
Depois de estar feito o nosso castelo,
Eu pego a viola e faço uma festa
Tocando repente, canção e seresta,
Fazendo improviso, cantando martelo.
A conta da festa eu pego e cancelo,
Aqui não há conta pra gente pagar.
Tem água de mar, de rio, de poço
Pra lavar a alma sem muito esforço,
Cantando galope na beira do mar.
RAY
Agora me vejo em um casarão –
construção coletiva, do piso ao teto;
a gente unida é seu grande arquiteto,
desafiando o orbe e a globalização.
Do carpinteiro ao mestre, ao artesão;
do filósofo ao artista – a comungar:
uns a nutrir sonhos na varandinha,
outros matando a fome na cozinha,
cantando a galope na beira do mar.
Ray Lima – Cenopoeta, educador e fundador do Movimento Escamto Popular Livre de Rua, cirandeiro.
Joelson de Souto – Poeta, cantador e educador membro articulador do Movimento Escambo.
Por Sonia Mara de Fatima Ferreira
Nada, como a arte para nos manter coletivamente ligados , alimento da alma, nos conforta, compartilhamento de saberes atravassando o País de ponta a ponta, parabens a voces.