O Jornal do Conselho Regional de Medicina de São Paulo (CREMESP) deste mês publicou a tradução de um interessantíssimo artigo publicado em janeiro no New York Times:
O que está nos deixando doentes é uma epidemia de diagnósticos.
Escrito por pesquisadores-médicos norte-americanos em linguagem bem acessível, fala sobre a avassaladora medicalização da vida em curso no mundo contemporâneo e seus riscos e malefícios para os pacientes e a saúde pública, bem como dos benefícios "para a indústria farmacêutica, hospitais, médicos e advogados".
Muito bom saber que uma discussão destas ganha as páginas do NYT e é louvável sua publicação pelo CREMESP.
Não poderia deixar de ser divulgado nesta Rede, que reúne todos aqueles interessados por "boas práticas" no SUS!
Anexei o artigo a este post, mas a matéria também pode ser lida diretamente no site do CREMESP. Só clicar aqui:
https://www.cremesp.org.br/?siteAcao=Jornal&id=954
11 Comentários
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Ricardo,
uma das tarefas urgentes do SUS é conseguir colocar na pauta dos serviços e da sociedade os danos causados pelos serviços de saúde. Danos inclusive culturais. Tudo pode causar danos, inclusive nossos dispositivos ou nossas melhores idéias.
Gustavo Tenório Cunha
Achei ótimo o texto,mas tive vários momentos de dúvidas…
como assim médicos diagnosticam e medicam excessivamente?
A questão de grupos de risco envolve uma esfera de diagnósticos e cura ou prevenção?
E informar a população sobre riscos para tal doença não seria ajudar a prevenir e assim tirar os pacientes de posições pacientes?
Agradeço sepuderem me inserir eresponder a estas questões!!! Abraços
Todo diagnóstico opera pelo menos uma redução. uma pessoa com um diagnóstico, mesmo de um risco, pode ser reduzida a ele. Ou por uma instituição, ou por um profissional, ou por ela mesma. Um pequeno recorte torna-se uma identidade que passa a movimentar a vida. Isto acontece na saúde pública. O medo e a tristeza ganham diagnósticos e remédios. Em vez de ajudar as pessoas a lidarem com isto, medicaliza-se, infantiliza-se, segrega-se, diminui-se a autonomia. Daí sai um monte de iatrogenia. Não significa que nao se vai usar estas reduções (diagnósticos), mas precisamos aprender a usa-los de outra forma menos danosa. O uso reduzido só interessa a um mundo que precisa de dominados. Amedrontados.
Outro tanto de dano é decorrente de uma fantasia contemporânea que atribui poder de verdade absoluta a tudo que consegue se intitular como ciêntífico. Uma certa ciência substituiu a religião na “luta contra a morte” e de certo modo,na negação da vida.(semeamos mais o pânico do que a saúde) Isto faz com que qualquer bobagem bem financiada se torne verdade: exemplo fibromialgia, check-ups diversos, etc.
Outra iatrogenia importante e é pactuação com tiranias: se eu prefiro falar de cigarro do que de fome, ou de crise urbana. Eu estou sendo fazendo uma opção que nao é neutra. Se eu falo de cigarro naturalizando a miséria Por exemplo: coisas como que “um maço de cigarro dá para comprar tantos paezinhos”. Ou que o “pobre tem que parar de fumar para dar comida aos filhos”. entre outras que a gente ouve por aí.Isto é naturalizar as misérias e reproduzir/legitimar a desigualdade). Por outro lado se eu vejo uma tendinite em vez de uma LER/DORT ou se eu vejo as doenças ocupacionais como safadezas e não como expressão de um conflito de classe… nada disto é neutro. Se eu não reconheço a violência como um problema atrelado a tantas doenças etc… Illich afirma que a medicina com seus diagnósticos “livra a cara” da civilização industrial, que produz sofrimento e adoecimentos. Em vez de dizer que as as cidades e as lógicas da vida contemporânea adoecem, a medicina diz que são as pessoas que adoecem. O “mundo tá bão, vc que tá errado/doente”.
O sistema de saude também define muito o tanto de iatrogenia: um sistema baseado na saude como bem de consumo e no acesso direto aos especialistas, mata muito mais. Tanto porque os especialistas se dão o direito de não se responsabilizarem pelos pacientes (mas so pelos pedaços) e não não sabem fazer clínica com baixo valor preditivo, quanto porque se alimenta neste tipo de sistema, a lógica do mercado: quanto mais comprar melhor. Um tanto de gente morre de falta outro tanto de excesso.
Mas talvez o mais complicado seja a nossa (profissionais de saude) dificuldade de admitir que todo as as nossas acões tem efeito colateral. A fantasia de que nós somos só do Bem, é a mais difícil de tirar.
Abraço
Gustavo
Gustavo Tenório Cunha
Por Anônimo
Olá Gustavo, obrigada por responder a minha indagação.
Mas me diga uma coisa, se formos pensar na saúde como totalidade, isto é ,integralidade, devemos abordar questões educacionais, de infra estrutura, alimentícia, psicológica, social noâmbito de bem estar, moradia, etc
Englobando tudo isto não seria DES responsabilização atribuir tudo aos profissionais de saúde, principalmente médicos? Quero dizer, se formos idealizar que todos, teoricamente, tem autonomia, será que os diagnósticos são impostos às pessoas, ou as pessoasque escolhem os diagnósticos. Entenda, numa unidade de saúde, por exemplo, vc tem vacinação, prevenção de Ca colo útero, etce os usuários simplesmentenão tomam a questão preventiva como parte importante e componente de sua vida. podemos ver isto qdo se faz busca ativa de faltosos nestes itens e a resposta que temos é que ” visita chegou em casa e depois não remarquei” Será que por mais que a informação seja manipulada por alguns, será que a maioria não escolhe engolir esta informação ao invés de procurar se informar melhor e construir sua verdade? Porque será que qdo se fala em exercício e bons hábitos de vida as pessoas escolhem deixar isto para depois e buscam incessantemente por medicações?
Seria ingenuidade responsabilizar a população pela não procura de informações de saúde e, se ela existe, a não dada importancia a elas? porque as pessoas procuram consultas e remedios e não atividades preventivas e de manutenção da saúde?
Será que não estamos responsabilizando uns e desresponsabilizando outros? quero dizer, a massa é tão fácil de governar e tão fácil manipulizada? a massa pensa? a massa quer? a massa busca? o que é saúde pra massa?
Por Ricardo Teixeira
Olá Cynthia!
Fui eu que publiquei este post e quando vim te responder já encontrei o comentário do Gustavo, que já disse muito do que poderia te dizer.
Acrescento uma informação que dá uma expressão bem concreta das preocupações manifestas neste artigo e nos comentários do Gustavo. Nos Estados Unidos que, como você deve saber, é uma sociedade extremamente “medicalizada” (eles gastam 1 trilhão de dólares por ano com “saúde”; o segundo país que mais gasta é a Alemanha, que gasta cerca de 200 milhões de dólares; o Brasil gasta cerca de 30 milhões), a morte por “procedimentos médicos” já é a terceira causa de morte (só perde para “doenças cardiovasculares” e “cânceres”). São cerca de 250.000 mortes por ano que, veja bem, não são por “erro médico”, mas conseqüência de “procedimentos médicos” considerados corretamente indicados e utilizados (100.000 por reações adversas a drogas, 90.000 por infecções hospitalares e 60.000 por cirurgias que seriam desnecessárias). Pode-se dizer que a medicina se tornou um risco à saúde entre outros e dos maiores…
Vejam dois exemplos de artigos (já um pouco antigos) tratando do assunto publicados na Revista da Associação Médica Americana:
Lucian L Leape, “Error in Medicine – 100,000 people a year in the US die from the administration of pharmaceutical
drugs” in Journal of the American Medical
Association, 1994, 272:23, p1851.
Lucian L Leape, “Medical Error Figures are not
Exaggerated.” JAMA. 2000. July; 5; 284(1): 95-97.
(Embora o título destes artigos fale em “erro médico”, lendo-os você verá que, de fato, as mortes se devem aos exageros na prescrição de drogas, que acompanham os exageros de diagnósticos, e que se tornaram fatos muito mais banalizados hoje do que na época em que estes artigos foram escritos)
Barbara
Starfield, “Doctors are the third
leading cause of death in the US, creating 225,000 deaths a year” in JAMA, vol.284, No. 4, July 26, 2000.
Outro problema muito grave, também comentado pelo Gustavo é o da “invenção de doenças”, principalmente patrocinada pela indústria farmacêutica. Existe até uma expressão em inglês para se referir a esse expediente absurdo e anti-ético: disease mongering. Você encontrará um número inteiro da revista médica inglesa PLoS-Medicine (de acesso aberto na internet) sobre o tema: https://collections.plos.org/plosmedicine/diseasemongering-2006.php
Bem, esta conversa poderia se estender muito mais pois o assunto, infelizmente, é pródigo em exemplos…
Voltaremos a ele!
Fiquei contente com seu interesse pela questão e curioso em saber mais a seu respeito.
Você não quer incluir mais informações no seu “perfil de usuário”? Por exemplo, em que área você atua e quais seus interesses…
Não sei se você já sabe, mas esta Rede foi lançada há poucas semanas e ainda está na fase de ajustes de suas ferramentas. Estamos apostando em que ela venha a se tornar um importante canal de trocas sobre experiências de humanização da gestão e dos cuidados em saúde no SUS!
Seja bem vinda!
Abraços,
Ricardo
Por Cinthya Laize Santos Mello
Obrigado Ricardo por ter entrado nas minhas indagações.
Bom . preenchi meu perfil como vc sugeriu e , na realidade, estou participando dos encontros para formação de apoiadores da PNH. Soi uma apoiadora!!!!!
Acredito que esta experiencia – concretização da PNH será um novo marco. Mas minhas indagações vêem da busca constante nos textos para inserir na minha realidade e na realidade do SUS como está estruturado hj, para entender melhor o Como fazer. estarei lendo os artigos que me sugeriou e voltaremos a conversar com certeza.
Entretanto gostaria que me explicasse um a coisa: No texto de Regina Benevides e Eduardo Passos (Humanização na Saúde: um novo modismo? fala-se em fragmentação da saúde em segmentações de áreas. Como não fragmentar Saúde da mulher, saúde da criança…etc?
as tecnologias de recorte da clientela por grupos, seja em ciclos vitais, seja por programas, seja por doenças, sao instrumentos para facilitar o trabalho de acordo com a prevalência. Onde a prevalencia de idosos é muito alta, muito pouco serve um programa para criancas. Onde nao há uma definiçao clara de pessoas se responsabilizando por pessoas, as vezes fica parecendo que o objetivo do trabalho é fazer programas, procedimentos etc .Na atenção básica a adscrição é ainda mais importante. Mas isto vale também em qualquer serviço de saúde, a definicão da clientela, ou da Unidade de produçao, evita a fragmentação.
Abraço
Gustavo
Gustavo Tenório Cunha
Olá Gustavo,
Existem hj nas UBS muitos programas,aqueles que existem em qq uniade basica, e em algumas unidades outros mais dependendo da clientela. Entendo sua preocupação com programas que não são a maioria, como numa área em que a maior parte da população é idosa. MAs embora haja prevalências, sempre existe a populaçõ ” mínima. O que estou querendo dizer que é necessário alguns programas em comum sim. No entanto, o que muito ocorre é a priorização das informações para os programáticos. Por exemplo, palestras sobre a doença como criterio apenas de controle para hipertensos e diabéticos; pq não expandir o assunto com prioridade preventiva a toda a população?
Define-se sim a clientela, mas independente disto limita-se apenas ao que já existe.
Acho que é isso que queria passar..
mais uma vez..obrigada
Como a tecnologia está ficando mais e mais populares do dia-a-dia, o nosso estilo de vida mudou drasticamente diminuído e temos adoptado de vida pouco saudáveis que não inclui todos os ingredientes necessários de vida saudável.
Acho que este artigo vem acrescentar o do Bruno sobre o uso abusivo de medicamentos, hoje sentir dor não faz mais parte da vida nem mesmo como diz Erasmo a dor de perder alguém, quando isto acontece já é medicado. Pra tudo e todos existe medimentos e diagnósticos, presenciamos estes cenários todos os dias como profissionais de saúde nossos colegas ao acolher o usuário já o cidifida, e a doença mental então é moda ficar triste nem pensar, já esta em depressão antidepressivo nele já sai com a receita, Ricardo estava com muita saudades de vc um abraço.
Por Clara
Que excelente idéia ter colocado este artigo na rede, eu até recortei o artigo e deixei no quadro da parede, para quem se interessar…
Ótimo artigo que nos faz um pouco “cair em nós”, lembrando que tudo na vida é relativo, que todos os benefícios trazem riscos também.