DONA LIVRAMENTO: UMA FLOR DE CACTUS
Nesses quinze anos de Programa de Saúde da Família, hoje denominado Estratégia de Saúde da Família, convivi com um ser humano que aos poucos vi desabrochar, feita uma Flor de Cactus, em meio a um sertão tão árido. Dona Livramento, era assim: tímida, calada, não dava muito opinião pelo certo ou pelo errado, deixava que as coisas fossem seguindo o seu rumo de uma forma natural, sem querer se intrometer ou refletir por que aquilo estava acontecendo. E foi assim por algum tempo, cumpria seu papel de Agente Comunitário de saúde, fazia suas visitas, e, como todo Agente, sofria com os problemas insolucionáveis da população, buscava ajuda na equipe, e assim eram os seus dias no trabalho.
Até que em certo dia essa flor iniciou o seu desabrochar, lentamente, calmamente, foi enveredando por novos caminhos, adentrando em outros horizontes, primeiramente tornou-se atriz. Assim, uma mulher que nunca havia pisado num palco ou pelo menos ter tido noções de uma das mais lindas artes, estava ali contribuindo para educação de saúde do seu povo. Vejam que não é fácil, alguém vinda do interior, onde teve uma infância nos anos 50, com valores diferentes dos tempos de hoje, em que menina deve ficar em casa e ser preparada para casar, não ter o direito de pensar ou opinar, sabemos que a criação das meninas daquela época era muito repressora.
Como a maioria daquela população, ansiando melhores condições de vida, aquele Cactus também saiu do interior e veio fincar raízes na capital do Estado, e, aqui, depois de alguns anos, de trabalhar em outros setores, deparou-se com o ser Agente Comunitário de Saúde, um novo profissional que iria a partir de então adentrar em casas, criando vínculos com famílias, sendo co-responsável pela saúde, contribuindo para um novo olhar do ser saúde, que não fosse simplesmente ausência de doença, saúde bem mais ampliada, saúde como sinônimo de qualidade de vida, de moradia, de educação, e de acesso aos serviços. Nunca esquecerei uma cena em que Dona Livramento era um bebê, que chorava numa cena sobre aleitamento materno, foi espetacular, como ela incorporava bem aquele bebê. Outra que me emocionou durante seu percurso como atriz, ou melhor, outras, foram cenas do Auto de Natal, desde o primeiro realizado na Unidade de Saúde, em que ela fazia parte da procissão, e que, juntas com outras mulheres da comunidade, iria saudar o menino Jesus que nascera.
A Flor não parou por aí, Dona Livramento foi ser dançarina de um Pastoril, surgido a partir do Grupo de idosos “Conviver para Melhor Viver” e do Grupo de Teatro. Foi saciar o desejo de menina moça do interior, que achava aquele espetáculo bonito, mais seu pai não a deixava participar, e ela ficava sonhando em um dia ser uma das daquelas dançarinas, quer seja do cordão azul ou do encarnado; queria mesmo, simplesmente, era dançar. Portanto, aquela Flor de Cactus mais uma vez desabrochou e sentiu-se feliz, realizada, de bem com a alma, com a vida.
O Cactus, agora, ostentava uma Flor de pleno esplendor, que abrilhantava com beleza o espaço que ocupava; porém, a Flor não mais levava desaforo para casa, não mais se calava quando alguém ou alguma situação a incomodava, não era mais aquele ser indefeso, havia criado seu próprio mundo, lógico respeitando e também aceitando opiniões, tornou-se assim uma nova mulher.
Amadurecida, ficou responsável em coordenar o grupo de idosos Conviver e Padre João Maria, era um novo desafio, mas aceitou prontamente; pois, afinal, suas pétalas agora estavam mais fortes; ela estava mais sábia, mais segura dos seus atos; e, mais uma vez, esparramava a beleza e o perfume de sua alma, contribuindo para a melhoria de sua comunidade.
Dona Livramento, a mais bela flor de cactus é uma grande mulher, filha que zela por seus queridos pais, hoje já envelhecidos, porém sempre bem cuidados por ela e sua irmã Maria, grande amiga. E uma mãe daquelas mais especiais, mãe do coração, escolha das mais sublimes que outro ser humano pode ter para com o outro. E esposa companheira, o nome de Ricardo está sempre nos seus lábios. E por que não dizer uma pessoa de bom coração, amiga, e que faz dessa equipe que tanto ela defende.
D. Livramento, te desejamos toda a felicidade deste mundo.
Com carinho especial.
Meine Siomara
Em nome da Equipe 07
Por Fatima Oliveira-Hospital Getúlio Vargas-Pi
Oi Meine,
parabéns pelo texto tão cheio de carinho e emoção! O trabalho do ACS deve ser sempre valorizado porque além de ser muito difícil é o que faz a diferença no SUS que dá certo,
Fatima Oliveira
GTH/HGV/PI