A PARANÓIA DO PODER

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Trago esta contribuição, sobre a qual gostaria que as pessoas ligadas ao estudo da psicologia, da psiquiatria e do comportamento humano pudessem oferecer opiniões acerca dessa doença que contamina muitos ambientes nos tempos atuais.

 

A paranóia do poder

 

Há uma tendência no ser humano de achar-se soberano, mesmo quando mergulhado em tarefas cotidianas medíocres e banais ou tutelado pelas limitações da própria condição humana.
        É interessante observar, ao analisar o comportamento de uma pessoa, antes e depois que assume uma determinada tarefa, encargo ou função. Antes, o comportamento humilde, altruísta e integrador chamam a atenção. Depois, como que num passe de mágica, a vaidade sobe-lhe à cabeça, revestida por uma paranóia de poder capaz de alterar o clima e a positividade do ambiente.
        É pertinente notar que os métodos ortodoxos empregados pelo sistema para enquadrar as pessoas tendem a influenciar e a gerar uma concorrência artificial, mais produzida pela mente do que de fato. Mas não há dúvida de que as práticas lineares e verticais, em que o poder exercido é mais forte do que uma disciplina para construir equipe leva, fatalmente, ao desgaste das relações pessoais.

        É muito comum se observar a disputa entre pessoas no ambiente de trabalho. Mesmo em posições diferentes, as pessoas começam a disputar espaços ou sentirem-se ameaçadas pela proatividade exercida pelos outros.

        O médico psicanalista Valton Miranda, autor do livro A Paranóia do Soberano – Uma Incursão na Alma da Política, debruçou-se em analisar o fenômeno da figura do inimigo no ambiente dos partidos políticos. Fechado em projetos individuais, o sujeito político passa a encarar o companheiro de partido como um inimigo, não se dando conta do equivoco e da ameaça à estrutura que esta paranóia representa. Absorvido em métodos não transversais, o sujeito político deixa de ver o real inimigo e começa a guerrear com um companheiro.

        A nosso ver, tanto no ambiente dos partidos políticos quanto no ambiente de trabalho, comunitário e religioso, essa paranóia ganha força em decorrência dos métodos que são empregados.

        Quando a cultura é individualista e não coletivista, quando se prima pela competência individual e não de equipe, quando os interesses individuais se sobrepõem aos interesses de grupo, alguém vai ser visto como inimigo e uma guerra silenciosa vai promover a invasão das mentes, provocando estragos irreparáveis nas relações e nos ambientes, seja de trabalhos laborais, voluntários, partidários, comunitários e até religiosos.

        Antes da adoção de uma disciplina ortodoxa e vertical, castradora da liberdade de expressão e iniciativas, antes de toda e qualquer iniciativa para tolher ou tutelar as pessoas, com o intuito de enquadrá-las aos interesses da organização, faz-se fundamental o estímulo a disciplina de trabalhar em equipe, compartilhar competências e valorizar os resultados coletivos.
       Cada vez mais, urge que no campo da saúde e educação as práticas coletivas, a educação permanente e a educação popular se constituam em processos dinâmicos de uma práxis que escuta e dialoga, encaminhando para relações de poder compartilhadas, para que haja mais saúde na Saúde e os processos de gerir a saúde sejam geradores e multiplicadores de um "virus" benigno que se chama participação, no ato sempre continuo do “fazer juntos”.
        No tempo presente fala-se muito em construção coletiva, apregoa-se aos quatro ventos a qualidade dos resultados que podem ser alcançados pelos grupos e organizações colegiadas, mas é preciso afirmar que existe um arcabouço e uma prática política e cultural – produto secular do sistema – que sustenta as formas personalistas e individualistas. A própria formatação pedagógica da escola formal encaminha os indivíduos mais para a vivência do ”eu” do que do ”nós”.

        Inegável o acúmulo metodológico disponível que ajuda a fazer diferente. Dinâmicas para sensibilização não faltam, capazes de motivar as pessoas a práticas e visões coletivas. O que falta é transformar as dinâmicas em vivências, de modo que as vidas das pessoas possam se converter na melhor dinâmica, capazes de construir relações pessoais prazerosas, amorosas, engrandecedoras dos processos coletivos e que promovam a cultura de paz.

 

Elias J. Silva é Poeta e educador popular, coordenador do Projeto Cirandas da Vida, do Sistema Municipal Saúde Escola de Fortaleza.