Nos últimos dias o país foi tomado pela dor…dor absoluta…nauseante…. dor triste que emana das cinzas de Santa Maria. Assaltados pela perplexidade, gradualmente somos informados das histórias de vida e morte. Pequenos gestos de grandeza absoluta. Atos de heroísmo anônimo. Coincidências que produzem a tentação de se acreditar no destino, telefonemas que salvaram vidas, convites afetuosos que inadvertidamente produziram a morte. Os mortos são mostrados em sua face vital, em fotografias sorridentes, cheios de vida e futuro. Não há como controlar a comoção que isso provoca e as lágrimas brotam naturalmente!
Caso exista algo de belo nessa tragédia foi sentir a solidariedade e o afeto que está pulsando na RHS e outras redes. A compilação das mensagens de apoio e carinho preencheriam centenas de livros. Muitas pessoas abandonaram seus cotidianos e, com ou sem apoio institucional, foram para Santa Maria dando o melhor de si para simplesmente praticarem SOLIDARIEDADE, para em meio a tanto sofrimento e morte produzirem a potência da vida! Isso com certeza trará algum nível de conforto às pessoas que vivenciaram essa tragédia, algo que mitigue uma dor que não é passível de ser medida, quiçá entendida.
Imaginar-me no lugar do pai que perdeu todos os filhos, imaginar-me no lugar do professor que não tem mais sua sala de aula é INSUPORTÁVEL, uma dor nauseante. Perceber que uma rede se tece para acolher, escutar e intervir é um sinal concreto para aqueles que desacreditam na capacidade do homem ser "humano"! Nessas horas produzimos um saber sensível do que é humanização. Não há especulação e teoria que possa dar conta da intensidade desse sentimento.
Mas em meio a essa dor tamanha deve ficar um alerta. Infelizmente, num futuro não tão distante, para a maioria das pessoas que na distância produz solidariedade, essa tragédia irá gradualmente se transformar numa cifra com o número de mortos, como já aconteceu com outras tragédias. Chegará o dia em que ao falar-se do incêndio em Santa Maria esse assunto estará relegado a um canto de jornal como se pudéssemos "miniaturizar" a dor, como se houvesse um movimento coletivo que esconda os rostos dos mortos.
De tanta dor e sofrimento deve restar a busca de uma racionalidade que aprenda com tudo isso. É inaceitável declarações que digam que as causas de tamanha tragédia sejam derivadas da "fatalidade" como se uma divindade invisível houvesse produzido um ambiente com poucas rotas de fuga, isopor, lançamento de sinalizadores mesclado com a avareza que impediu que muitos pudessem ser salvos pelo "zelo" de seguranças instruídos a prevenirem o não pagamento da taxa de consumação. É fundamental implementar legislações de segurança e instaurar a rigidez de seu cumprimento como princípio de defesa da vida.
Em meio a tanto sofrimento os meios de comunicação precisam repensar, sob pressão da sociedade, a forma como transformam sangue, dor, lágrimas e morte em MERCADORIA. Não podemos brindar com nossa audiência programas de TV, telejornais e portais da internet com a pseudofachada da “seriedade”, que ficam fazendo seus abutres alçarem voo entrevistando vítimas traumatizadas em hospitais, que lancetam sadicamente feridas que ainda sangram a procura da pepita de ouro da informação que desvele os detalhes dos gritos de agonia e dos pedidos de socorro. É inaceitável que qualquer tragédia humana seja exposta sob os interesses de sabonetes, cremes e cosméticos!
Creio que ninguém ao ver tanta dor e sofrimento sentir-se-á seguro em saber que filhos, amigos e irmãos foram para uma festa em uma casa de show. Neste sentido, o medo nos faz pensar que existe milhares de "Santa Marias" espalhadas por este país a fora. Que a defesa da vida e da alegria esteja acima dos interesses econômicos! Que essa lição de solidariedade e afeto que estamos tendo agora possa fazer parte do cotidiano, em todos os momentos de dor e sofrimento! Que uma ética de respeito à dor e ao sofrimento humano possa fazer frente a formas insuportáveis de se produzir mais dor e sofrimento em nome da busca da informação!
TODO APOIO À SANTA MARIA!
Por Shirley Monteiro
Que bom voce chegou por aqui, com a escrita que sempre nos contempla a quase todos desta Rede aquecida. Com lágrimas nos olhos e me sentindo 'menos neurótica' por sempre ter o hábito de aconselhar minha filha quando vais às "baladas", a se localizar nas boates e pubs sobre onde se encontra a porta de emergencia, antes de se entregar à dança dos momentos alegres – ( desde o episódio da Argentina, época coincidente a sua liberdade às festas da madrugada) – quero destacar do teu texto antes de multiplicá-lo, alguns pontos que considero essenciais:
– "É fundamental implementar legislações de segurança e instaurar a rigidez de seu cumprimento como princípio de defesa da vida."
– " Que uma ética de respeito à dor e ao sofrimento humano possa fazer frente a formas insuportáveis de se produzir mais dor e sofrimento em nome da busca da informação!".
Sobreviventes ainda em estado de choque em frente a boate na manhã de domingo estavam sendo entrevistadas, na frente da boate, com insistência e repetição de perguntas. Nas áreas inerentes às Unidades de saúde pelo menos, esta prática jornalística de abordar as vítimas traumatizadas e seus familiares deveria ser impedida de acontecer, com rigor !!!
Um grande abraço Erasmito querido !
Shirley Monteiro.