DIA DA MULHER – Entrevista da Cecilia Minayo à ABRASCO

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A violência contra a mulher está em toda parte. Não escolhe idade, cor, classe social, nem nível de escolaridade. Segundo dados do Ministério da Saúde, em 2012, o SUS recebeu em seus hospitais e clínicas um total de 18.007 mulheres, com sinais de violência sexual.
A maioria (cerca de 75%), de acordo com os dados do Sistema de Vigilância de Violências e Acidentes (Viva) do Ministério da Saúde, eram crianças, adolescentes e idosas.
De acordo com o mapa da violência, a maioria das mulheres violentadas é vítima dos companheiros e ou ex-companheiros dentro da própria casa.

Sobre o assunto, compartilho a importante entrevista da Cecília Minayo

DIA DA MULHER –  Entrevista da Cecilia Minayo à ABRASCO

Cecília Minayo 'A violência contra a mulher é infinitamente maior que a registrada no cotidiano'

ABRASCO: Conceitualmente, como se define violência?

CECÍLIA MINAYO: Ao termo “violência” cabem várias interpretações. Usarei aqui o conceito estabelecido pela Organização Mundial de Saúde (OMS) em seu Relatório Mundial Sobre Violência e Saúde: uso intencional da força física, do poder real ou de ameaças contra si próprio (suicídios); contra outra pessoa (violência interpessoal); contra grupos ou comunidades (violência comunitária, social, política e econômica) que resulte ou tenha possibilidade de resultar em lesão, morte, dano psicológico, deficiência de desenvolvimento ou privação.

ABRASCO: Além da violência física, com quais outros tipos de violência a mulher contemporânea convive?

CECÍLIA MINAYO: Primeiramente, em nossa sociedade não podemos trabalhar acriticamente com a ideia da mulher contemporânea, como se só houvesse um único tipo e um status de mulher. (1) – Temos a mulher que se libertou do jugo econômico do marido, vai ao mercado de trabalho, tenta se superar para mostrar suas capacidades. Essa, no entanto, costuma – obviamente com exceções – vivenciar um tipo de violência machista (que é um tipo de violência cultural, ou seja, naturalizada, inquestionada) no lar, pois além da vida profissional, deve cuidar dos afazeres domésticos, quase sempre sem apoio do homem. Muitas mulheres consideradas independentes são submissas e dominadas pelo marido na relação conjugal. (2) – Temos a mulher pobre, que vive do trabalho doméstico em casas de família, que tem a responsabilidade sozinha pelos filhos e pela família, que costuma ser maltratada, discriminada e mal paga nas casas de família pela própria mulher, geralmente, de classe média. Essa sofre violência no trabalho e violência pelo abandono do marido que alterna famílias, filhos e não assume responsabilidade sobre eles. (3) – Temos a mulher que vive junto com o marido dentro de uma cultura machista, que hoje, como ontem, continua a existir num processo secular, de longa duração. Não se pode compreender a violência contra a mulher sem se compreender esse patriarcalismo em todas as suas formas: a posse do homem sobre a mulher; a aceitação do jugo por parte dela; e a naturalização pela sociedade das desigualdades e dos maus tratos entre eles e elas (e não das diferenças). Os homens agressores reconhecem algumas vezes que cometem “excessos" ao maltratar, bater e ameaçar as mulheres, mas não a função disciplinar de poder que têm e exercem. Eles, em geral (e isso é bastante comum em nossa sociedade) se colocam no lugar de quem sabe, de quem é o dono da moral e dos bons costumes, de quem pode e deve disciplinar a mulher (a mãe e as filhas). Eles as vigiam o tempo todo e consideram que as atitudes e ações delas estão sempre longe do ideal do qual se julgam guardiões. Costumam dizer, quando acham que alguma coisa está errada, que "avisam", "conversam" e depois, se não obedecidos, "batem". É nesse ambiente que ocorrem os chamados “crimes de honra” que vitimam mais de 1000 mulheres por ano no Brasil.

ABRASCO: Além da violência física, com quais outros tipos de violência a mulher contemporânea convive?

CECÍLIA MINAYO: A forma mais comum e visível da violência contra a mulher é a violência física que hoje, depois da Lei Maria da Penha, é cada vez mais denunciada. No entanto, mesmo depois dessa lei muitas mulheres têm medo, pois após darem queixa à polícia, têm que voltar ao mesmo ambiente agressor em que vivem. Para termos uma ideia da dimensão desse problema, a maioria das mulheres que morrem assassinadas por seus maridos já sofria violência física, sexual e abusos psicológicos há muito tempo e também já haviam prestado queixa aos órgãos de segurança pública sem que providências eficazes tivessem sido tomadas. Poderíamos dizer que, em geral, as mulheres são vítimas de violência física, psicológicas (ameaças, xingamentos, depreciações, discriminações) e violência sexual. Mas a maioria de todas essas expressões é a violência cultural, cuja matriz é o patriarcalismo. Os movimentos de mulheres sempre estão atentos, tanto às formas conhecidas de violência, como aos fundamentos do problema.

ABRASCO: Então, a violência contra a mulher, em suas diferentes dimensões, é muito maior que a imaginada e que as pesquisas e estudos conseguem captar?

CECÍLIA MINAYO: A violência contra a mulher que se pode contar e registrar é infinitamente menor da que a ocorre no cotidiano. No entanto, conhecer os episódios
por meio de denúncias e pesquisas é fundamental para a elaboração de propostas de ação que possam promover a superação do machismo e do patriarcalismo.

ABRASCO: Esses são casos de saúde ou de polícia? Como os sistemas de saúde, público e privado, tratam esse tema?

CECÍLIA MINAYO: A violência contra a mulher é acima de tudo uma questão da sociedade: de homens e mulheres. No seu belo estudo “O Segundo Sexo”, Simone de Beauvoir mostra o quanto homens e mulheres estão envolvidos na reprodução do machismo e que a elas também cabem mudanças de atitudes, comportamentos e formas de ação. Do ponto de vista dos episódios da violência, muitos são casos de polícia previstos na Lei Maria da Penha. Porém, também é uma questão de saúde coletiva/pública. Estudos mostram que 35% das queixas das mulheres aos serviços de saúde estão associadas à violência. No entanto, nem as forças policiais e nem os serviços de saúde estão suficientemente preparados para dar respostas. Os primeiros costumam achar que a violência contra a mulher é um problema menor e de pouca importância. E nos serviços de saúde, há pouca escuta dos médicos e outros profissionais. Eles costumam estar atentos e a tratar apenas os sinais e sintomas, sem fazer associação deles com as fontes das lesões, traumas, sofrimento psíquico e distúrbios psicológicos.