Os Serviços de Saúde e a produção imaterial do trabalho

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O (En)Cena entrevistou o Professor Doutor do Departamento de Medicina Preventiva da Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo Ricardo Teixeira. Ele é graduado em medicina pela UFRJ; tem mestrado e doutorado em Medicina Preventiva. Atua como médico sanitarista da Universidade de São Paulo, desenvolvendo atividades de assistência, docência e pesquisa junto ao Centro de Saúde Escola Samuel Barnsley Pessoa (Butantã). Desde 2007, é consultor da Política Nacional de Humanização do Ministério da Saúde, coordenando, desde 2008, a Rede Humaniza SUS.

Ricardo Teixeira no I Encontro de Humanização do Tocantins
Foto: Michel Rodrigues

 

(En)Cena: A discussão em saúde ainda é muito técnica hoje?

Ricardo Teixeira:  Técnica é um termo meio desgastado, no qual se associa uma frieza, uma dureza, um engessamento. Mas isso é uma visão da técnica, se abrirmos essa conversa para além do técnico entendido, como as intervenções para as quais nós somos treinados em nossas áreas de formação, nós daremos vazão para além de uma dimensão imaterial do trabalho. Essa é outra entrada conceitual possível, pensar os trabalhos em saúde como trabalhos imateriais, trabalhos que tem uma dimensão de produção imaterial. Qual o tipo de produção que nós estamos falando? Estamos falando de produção de relação, produção de encontro, produção de afeto, produção de reações emocionais, produção de comunicação.

(En)Cena: Você acredita que a PNH têm contribuído positivamente para essa produção imaterial do trabalho nos Serviços de Saúde?

 

Ricardo Teixeira: Certamente. Os Sistemas de Saúde são sistemas de atenção e de cuidado. Se conseguirmos integrar essa reflexão, que pode até ser técnica, sobre os sistemas de atenção, chegaremos à outra produção: há outra produção na saúde, ela se dá quer a gente tenha conhecimento dela ou não. Podemos tomar consciência dela se a concebermos como uma dimensão produtiva, sobre a qual preza a qualidade. É o tipo de produção que se dá nos encontros. Afinal, nenhum trabalho em saúde se dá fora dos encontros, nenhum trabalho em saúde está fora da conversa. A psicologia, por exemplo, fez disso seu campo de intervenção, mas se você pensa a técnica do médico ou do enfermeiro, temos intervenções onde essa dimensão não é problematizada, nem sequer na formação. Vejo a Política Nacional de Humanização do SUS (PNH) como uma grande medida, que procura trazer a tona essa dimensão produtiva do trabalho em saúde.

(En)Cena: Para construir a rede de atenção em saúde é necessário trabalhar/gerir essas diferenças de informação na formação?

Ricardo Teixeira: Gerir também. Aliás… É gerir mesmo! Percebo essa questão que você está trazendo, nos mesmo termos da questão anterior, é um trabalho que se dá no encontro, talvez a minha primeira colocação remetesse mais a ideia do encontro entre o cuidador e cuidado, quero dizer, é mais um campo de relações que se abre a partir das relações entre as profissões. É um trabalho em rede, cooperativo… É um trabalho que busca construir um comum nessas diferenças. Agora a ideia de gerir… É cogerir o fato de que todos estão implicados nessa gestão da composição, e no jogo das diferenças.

(En)Cena: Qual o principal público que acessa a Rede Humaniza SUS hoje?

 

Ricardo Teixeira: Ao mesmo tempo em que são poucos os usuários que participam da experiência da rede, tem uma parte significativa deles que são ou usuários da saúde mental, ou parentes de usuários da saúde mental, significativamente, são esses os usuários mais presentes na Rede Humaniza SUS. Temos alguns companheiros que perderam filhos dentro de hospitais psiquiátricos; que militam na reforma psiquiátrica; que encontraram na Rede Humaniza SUS um espaço. Do outro lado, a outra face dessa moeda é que: esses usuários também são trabalhadores do SUS, eles participam muito mais do que metaforicamente da produção de saúde.

(En)Cena: Você acredita que o trabalho imaterial se tornou a forma hegemônica do trabalho contemporâneo?

Ricardo Teixeira: Não é simplesmente porque a ideia do trabalho é imaterial. Além de atentar para dimensão dessa produção imaterial, inalienável, incontornável no trabalho em saúde, eu posso ignorá-la e ainda assim produzir afeto. Às vezes, mesmo que negativos, eu estou produzindo afetos. Essa produção está presente em qualquer encontro, em qualquer ato técnico da saúde, em qualquer encontro que se de nos espaços da saúde. O trabalho imaterial, que é uma boa categoria para pensar essa dimensão dos trabalhadores formais da saúde, abre uma brecha para a percebermos a produção social hoje. Se o trabalho imaterial se tornou, como diz alguns autores, a forma hegemônica do trabalho contemporâneo, ele integra imediatamente uma forma de trabalho não formal, que está fora do mercado formal de trabalho.

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