Esboço

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Esboço

Uma idéia cruza a consciência como um raio na escuridão. É um milagre saber que o lampejo de luz referia-se a uma idéia. A escuridão absoluta absorve qualquer luz. Nenhum pensamento sobrevive consistente por mais de um milésimo de segundo. Mas eu senti. Tenho certeza que ele pensou. Ele mesmo não pode sabê-lo. Mas vi em seus olhos verdes, numa única fração de segundo, toda a força de seu ser, a magnitude de sua existência a certeza de sua identidade. Meu amigo estamos distantes, mas somos, e nossas identidades podem vencer o abismo que nos separa.

Há muito tempo não era assim. Havia idéias suficientes para vencer a escuridão, tão rápido como desapareciam os lampejos da consciência ressurgiam e pela quantidade, a luz das idéias que surgiam compensavam as que sumiam. A linearidade deste processo dava a ilusão de que havia um tempo, as idéias que sumiam deixavam um resto de coerência para as que surgiam. Naqueles tempos podia se ter a doce ilusão de sentido e a razão parecia algo sólido. Ela tinha sua materialidade comprovada no contato iluminado das idéias que vibravam de um ser para outro.
Hoje, não é possível manter os elos entre um pensamento e outro, menos ainda, chegar a contatar as idéias de outro ser. Não existem os outros porque, sem poder encadear elementos suficientes para dar linearidade a identidade individual, nem mesmo se tem a impressão de existir.

Onde está? Para onde foi este ser que habitava o corpo que agora observo? A luz de suas idéias não desapareceram, pois que foram absorvidas ou fundidas com a escuridão da ausência. Procurar é inútil, sem seqüência de pensamentos o espaço não faz sentido o tempo não tem direção. O ser estará então perdido? Se por tão pouco, não posso sentir sua existência, terá realmente existido? E se ele nunca chegou a existir, como compreender minha própria sensação de que sou? Aqui estou, e aceito que o vejo: impossibilitado de reter, as idéias que a nós dois dariam uma cumplicidade que apaziguaria esta angústia de se achar possível não ser.

Só posso concluir que há mais tempo e mais espaço do que meus sentidos podem perceber. As idéias que se perdem na escuridão uma após as outras até que não as restem, suficientes para tramar, na escuridão a teia da consciência e da razão, devem estar nestas partes insondáveis da realidade, nas dimensões que meus sentidos não alcançam. Algo no fundo de meus sentimentos grita que este ser alienado, que esta consciência ausente existe. Embora não possa me relacionar com ela, senti-la ausente não é sentir que ela não existe. Quando sentir o fluxo do tempo sem estar preso a ele. Quando puder ver o espaço sem estar preso a suas condições poderei ser meu amigo ausente