A importância da equipe multidisciplinar na solução do caso Fran

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Este é o codinome do nosso pequeno usuário internado na enfermaria 201, leito 15, no Hospital Infantil Lucídio Portella-HILP. Uma criança de 3 anos de idade, hospitalizada desde o mês de janeiro do ano em curso. Chegou ao hospital com quadro de desnutrição  crônica proteica e obstrução intestinal por áscaris lumbricoides. Isto mesmo, Fran tinha tanta verme que o intestino parou de funcionar. Difícil de entender e aceitar uma criança de apenas dois anos e alguns meses de vida, residindo no perímetro urbano, chegar a esse nível de comprometimento médico. Quem falhou? A família? O poder público? Todos?

Diagnosticada, a criança foi submetida a uma cirurgia com encurtamento intestinal para desobstrução. Após a cirurgia foi internada na UTI em estado bastante comprometido, permanecendo nessa unidade por aproximadamente um mês.  Entretanto, a vontade de viver era maior, e deu a volta por cima, saindo da UTI para uma enfermaria normal. Como perdeu uma parte significativa do seu intestino, passou a se alimentar exclusivamente com um leite especial, para readaptação intestinal e recuperação do peso.

Fran é o filho mais novo de uma família de 5 filhos, todos menores de idade, e pais separados. A mãe, (Samara), antes da internação do filho, residia no município de Timom-Ma, (cidade separada de Teresina pelo Rio Parnaíba), numa casa alugada, paredes de taipa (barro cru), sem piso, sem filtro, ou seja, sem a mínima infra estrutura sanitária, vivendo em situação de pobreza absoluta. A mãe possuía uma relação instável com um cidadão que não era o pai dos filhos, o qual não tinha  emprego fixo, trabalhava em atividades temporárias (pequenos “bicos”), porém mesmo assim dava uma pequena contribuição para as despesas da casa. A única fonte de renda fixa da família era advinda do benefício da Bolsa Família, equivalente a R$ 130,00. Samara para dar conta das despesas da casa trabalhava no próprio lar como manicure, de onde tirava um rendimento mensal que oscilava entre R$ 280 a 330,00. Não era muita coisa, porém agregado ao valor da Bolsa Família e a pequena contribuição recebida do companheiro dava pra ir vivendo, disse ela na entrevista social. Mas o destino estava pra lhe reservar algo bem pior. Com a internação do Fran teve que se afastar do lar, deixando os filhos, o companheiro e o trabalho. Os filhos ficaram por uns dias  sob a responsabilidade do companheiro. O dito cujo não conseguiu conciliar o trabalho com o cuidado dos enteados, e se estressou muito, chegando a dar um ultimato para a Samara: ou ela retornava para casa deixando o acompanhamento  do Fran, ou ele iria sair da casa abandonando as crianças. Diante desta triste realidade Samara surtou. Procurou o Serviço Social dizendo que ia se suicidar, pois não sabia o que fazer. A equipe de psicólogos entrou em ação para um apoio psicológico.  Enquanto isto, tentamos falar com o companheiro dela, porém sem sucesso. Samara foi liberada pra sair do hospital por um dia, pra tentar contato com os familiares no intuito de que alguém assumisse o cuidado das crianças.  Dois parentes se prontificaram em ajudá-la nessa tarefa. Foi disponibilizado um transporte do hospital para pegar os filhos e levá-los para a casa dos parentes. As crianças ficaram separadas em duplas. O companheiro saiu da casa, a qual teve que ser desalugada, pois sem dinheiro e sem a ajuda do companheiro, não tinha mais como o aluguel ser mantido.  E assim o tempo foi passando. Vez ou outra, Samara sumia por dois e ou três dias do hospital, deixando o Fran sozinho. Informava apenas para as outras mães/acompanhantes que ia visitar os filhos. Aproveitava a saída para espairecer as ideias. Numa dessas saídas, somente retornou após a  ameaça de ser denunciada ao conselho tutelar por abandono de incapaz.

Aproximadamente um mês atrás, o médico que  acompanha o pequeno paciente na enfermaria,  informou que ele estava bem clinicamente, com o peso bastante recuperado, e que dentro de poucos dias receberia alta médica.  Ao ser informada da continuidade da dieta especial  com o consumo do leite Pregomin Pepti, cuja  lata custa atualmente R$ 135,00, valor que supera o que recebe do Bolsa Família, Samara entrou em desespero. E agora faço o que? Questionou. Calma Samara, pedimos. Informamos a decisão do acionamento das redes assistenciais do município. Contatos foram feitos com a Secretaria Municipal de Saúde e com o Ministério Público para garantia da dieta alimentar do Fran ao sair do Hospital. Foi um longo processo que envolveu muitas conversas, e diversos laudos multidisciplinares para justificar a demanda. Na semana passada, eis que chega a boa notícia, a Secretaria Municipal de Timom enviou 30 latas de leite para o primeiro mês do Fran, fora do Hospital. É isto mesmo, Como o leite é a única fonte alimentar do Fran, o consumo mensal será de 30 latas (uma por dia), perfazendo o total de R$ 4.050,00 de despesa por mês. Quantia esta que a Samara informou nunca ter visto na sua vida. Passado a euforia, refletimos: e as outras necessidades do Fran e Família, o teto pra morar, a alimentação dos demais irmãos, consumo de água, luz, enfim, a família iria se (re)integrar, e as despesas iriam retornar. A Samara, tendo que cuidar do filho, alimentando-o de 3 em 3 horas com o leite especial, teria condições de voltar ao trabalho de manicure com a mesma produtividade? É óbvio que não. Se antes o ganho do mínimo necessário já era difícil, agora tendo que se dedicar mais ao cuidado do filho, a situação ficará mais agravada. Coletivamente pensamos nas estratégias para contornar o problema: articular as redes  de serviço para problematizar a questão, na busca de uma solução adequada. Não basta apenas tratar. É preciso pensar na qualidade de vida do paciente, de forma integral, acolhendo, escutando as suas necessidades de sujeito. Ofertar uma atenção com clínica ampliada, olhando o usuário na sua totalidade, levando em consideração a sua história de vida.

E assim, no dia (10) realizamos uma grande roda na sala do Serviço Social, incluindo os profissionais do HILP, envolvidos com o tratamento do Fran (médico, assistente social, enfermeira, psicóloga e nutricionista), a Samara, uma amiga, um representante do Conselho Tutelar da Criança e do Adolescente de Timom (Ma), uma assistente social representando o Secretaria Municipal de Saúde do município,  e a Coordenadora do Centro de Referência Especializado de Assistência Social-CREAS do mesmo município, oportunidade em que conjuntamente discutimos ações assistenciais para a garantia do tratamento e da qualidade de vida do FRAN e família. A equipe levou as demandas da família para pactuação com os gestores, e estipulou um prazo de 10 dias para dar  respostas às questões levantadas. Porém algumas ações já foram definidas: a manutenção da concessão do leite, a ampliação do benefício da Bolsa Família, o acompanhamento/monitoramento da saúde do Fran e dos irmãos. O mais gratificante nesse processo foi ver o sentimento de alívio e confiança da Samara, que dias antes falou que se por um lado estava feliz com a possibilidade de alta do filho, por outro estava preocupada com a vida difícil que lhe esperava lá fora, sem a menor perspectiva de mudanças.

Esperamos num outro post falar das próximas conquistas do Fran e respectiva família.