Mobiliza Piaui, o SUS que temos na visão dos movimentos sociais

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Companheiros,

Não poderia deixar de compartilhar neste espaço os principais efeitos produzidos no último dia de realização do fórum Mobiliza Piaui, o cidadão está. Um fórum inédito no contexto da política de humanização no estado, em que buscamos fazer uma composição  com os movimentos sociais, os trabalhadores e os usuários da saúde, para uma escuta sobre o SUS, as suas necessidades de saúde, e coletivamente pensarmos propostas de mudanças.

Foi muito estimulante estar com esses sujeitos, e ver o protagonismo deles nas rodas de discussões realizadas, onde a palavra circulou de forma democrática, possibilitando a cada um compartilhar as suas ideias, as suas reclamações e proposições sobre a saúde. Nas rodas experimentamos de tudo um pouco, saberes, diálogos, escuta, canto, dança, alegrias, choro, conflitos, afetos…

E as falas desses sujeitos revelaram o cenário de um SUS que está muito distante do SUS humanizado que queremos. O cenário apontou um SUS em que ainda persistem velhos problemas, como dificuldade de acesso, atenção desrespeitosa, gestões descomprometidas e centralizadoras, e um controle social frágil nos territórios.

Foi emblemática o reclame dos usuários em relação ao acesso de agendamento de consultas, em relação a aquisição de medicamentos, em relação ao atendimento de urgência para realização de procedimentos básicos como verificação de PA, dentre outros.  Relatos do tipo: “Cheguei na UBS às 9h00 e não havia mais ninguém para atender”  foram recorrentes. Foi colocado em cheque a regulação do sistema que está estrangulada. Não funciona de forma eficaz. “Nunca se consegue atendimento na data desejada”. “O sistema precisa ser reorganizado”, ressaltaram alguns usuários.

Em algumas unidades da periferia de Teresina e dos municípios,  em determinados horários do dia, não existem médicos para atender, somente enfermeiros e ou técnicos de enfermagem. Em outras, os usuários estão chegando com agendamento pela manhã e o atendimento se dá apenas no turno da tarde. “Queremos ser atendidos no horário do agendamento da consulta, e  queremos ser atendidos por médicos e não apenas por enfermeiros ”, disseram alguns usuários. “Precisamos de mais médicos, e médicos comprometidos“, falaram outros.

Representantes dos movimentos sociais falaram das dificuldades frente as lutas defendidas, a falta de investimento/apoio do poder público em relação á saúde das comunidades periféricas. “No bairro satélite, foi necessário fazer barulho, derrubar muros, queimar pneus para o povo ser ouvido e ter água nas torneiras”, declarou o representante do bairro.

Um dos momentos contagiantes do evento foi o protagonismo do José Roberto, Presidente da Associação de Moradores da Vila Bandeirante, homem simples, carismático, que pelo segundo dia declarou que não entendia nada de saúde, mas deu um show de conhecimento, em defesa de um SUS  qualificado, inclusivo. “Falar de humanização é falar do povo, é ouvir o povo… O povo é que sabe o que está acontecendo nas suas comunidades”, ressaltou.

Para Raimundinha, vice Presidente do Conselho Local do bairro Água Mineral, “é preciso lutar pelos nossos direitos, e a HumanizaSUS é o caminho”, afirmou.

Em relação aos trabalhadores, as reclamações também foram robustas. Em muitos hospitais, as equipes de trabalho estão reduzidas, sobrecarregando os trabalhadores. Profissionais  estão adoecendo e até morrendo nos espaços de trabalho. “Precisamos de cuidados também”, afirmaram alguns trabalhadores. “Precisamos de um plano de carreira, cargo e salário justo para os trabalhadores da saúde, e de programas de educação permanente”, clamaram outros.

Todas estas questões nos remetem às seguintes reflexões: Que SUS é este, que às 9h00 não tem mais agendamento de consulta? Que SUS é este que o usuário espera meses para ter uma consulta agendada? Que SUS é este que profissionais não cumprem com as suas jornadas de trabalho e gestores ignoram? Que SUS é este que os usuários e trabalhadores não são ouvidos e não são respeitados nas suas necessidades.

É preciso nos fortalecer e buscar mecanismos para mudar o jeito de produzir saúde,  o jeito de gerir os processos de trabalho, o jeito de fazer controle social. É preciso fortalecer, construir coletivos que sejam capazes de provocar mudanças daquilo que nos faz mal.

O evento entrou em ebulição com o levante de proposições para a melhoria da qualidade do SUS, que comporá o documento A carta dos movimentos sociais, que será encaminhada ao poder público e a sociedade civil e organizada, numa perspectiva de que estas proposições  sejam analisadas e atendidas.

Dentre as proposições apontadas, vale ressaltar:
• Organização de um movimento em defesa do SUS
• Fórum permanente de discussão entre os movimentos sociais, sobre o SUS
• Eleição direta para escolha dos diretores dos hospitais públicos, e regionais de saúde;
• Qualificação dos conselhos de saúde para uma melhor atuação no controle social
• Descentralização das reuniões dos conselhos municipais e estaduais de saúde
• Oferta de exames de rotinas para os trabalhadores
• Implantar e fortalecer os conselhos municipais de saúde
• Reorganização da central de regulação do SUS para facilitação do Acesso às marcações de consulta
• Implantação de gestão participada com colegiado gestor nas unidades de saúde
• Encontro do movimento social do bairro Água Mineral com membros da RHS, para discutir sobre as potencialidades da rede e das redes sociais  para as mudanças do SUS.

• Encontro dos movimentos sociais, para o qual a PNH será convidada.

• Avaliação e monitoramento dos indicadores de saúde.

O evento foi finalizado com uma grande e animada roda circular, coordenada pela enfermeira Amparo Oliveira, produzindo um clima de muitas subjetividades.

Na avaliação do fórum, destacamos algumas falas dos consultores da PNH que estiveram nos apoiando durante todo o evento.

Para Carlão, nos grupos de trabalho que participou haviam mais trabalhadores, mas quem protagonizou as discussões foram os movimentos sociais. “Nestes dias fiz o que mais gosto de fazer, discutir coisas importantes… conviver com pessoas como vocês”, enfatizou o consultor.

“Este fórum vai nos transformar… vai mexer com as nossas zonas de conforto… temos linguagens diferentes, porém não podemos perder o cuidado com o outro… Como vamos nos encontrar?” Questionou  César (consultor do Tocantins).

“Aposto na capacidade de diálogo, de conversação… Junto podemos produzir um comum de práticas solidárias, de democracia… estou muito feliz e até emocionada com a riqueza das falas, com o protagonismo dos participantes”,  falou Annatália

“Devemos produzir sujeitos mais empoderados, que brilhem e que lutem por sua autonomia” (Stella Maris)

Sheylla pontuou que repetimos práticas que precisam ser refletidas. Ressaltou a importância da composição dos movimentos sociais para coletivamente lutar pelas mudanças que desejamos… estamos do mesmo lado, somos parceiros”, finalizou.

Para os participantes e organizadores do fórum, o evento foi muito positivo, pelas grupalidades e protagonismo construído, ampliando e potencializando redes e compromissos de corresponsabilidades em torno  da humanização do nosso SUS piauiense.

A grande aposta é que o fórum se transforme num dispositivo que fortaleça o  diálogo entre o SUS e os movimentos sociais, potencializando a participação e o controle  social, numa perspectiva de qualificação da saúde pública.