Aos Curadores da IV Mostra Nacional de Atenção Básica
Desfazendo/refazendo as malas da Tenda do Conto, encontramo-nos de volta a Natal entre os objetos e as lembranças das histórias contadas na II oficina de curadores da IV Mostra Nacional de Atenção Básica.
No desafio de fazer uma Tenda com cento e cinquenta curadores, pensávamos receosas no desafio de dividir uma Tenda do Conto em quatro; no entanto, devemos dizer que surpreendemo-nos: a Tenda do Conto foi infinitamente multiplicada. Retornamos com muito mais que quatro Tendas!
Dentre os objetos trazidos, os que afagam as palmas de nossas mãos se juntam aos que povoam nossas lembranças: uma folha de papel enrolada com delicadeza, um smile de borracha, um poema-abraço, relógio, girassol, bichinho de pelúcia, chapéu, óculos escuros, pulseira de sementes, calendário, travesseiro, caneta, vela, caderninho de notas, telefone celular, óculos escuros, doce de leite feito com arte por uma usuária mineira, origami… lembranças doces das histórias generosamente partilhadas na cadeira da Tenda do Conto.
Abrimos aqui nossas malas: a folha de papel enrolada em cone guarda o céu estrelado dentro dela. Presenteia-nos com imagens de inúmeras estrelas; a beleza infinita dos relatos que brilham, seja dia, ou seja noite.
A bonequinha de pano sertaneja, lembrança da Tenda, viaja na mochila dos curadores.
Na câmara fotográfica, vê-se o desejo de juntar todas as imagens em uma só.
Nos óculos escuros, o medo de não enxergar dá lugar à coragem e à vontade de ver minuciosamente.
O bichinho de pelúcia que acalentava o filho da colega curadora pela tela de um computador, transforma distantes em próximos; agora, abraçado ao lampião da Tenda, nos lembra que é sempre tempo de brincar.
O origami/pássaro alça seu vôo; os celulares se calam; o calendário e o relógio já não marcam o tempo em números e o computador se transforma em caderninhos de anotações; silêncios exercitados na escrita sensível.
O velho rádio, agora toca a música de Arnaldo Antunes:
O seu olhar lá fora
O seu olhar no céu
O seu olhar demora
O seu olhar no meu
O seu olhar seu olhar melhora
Melhora o meu
E a equipe da Tenda se faz smile com laço de fita entre pregadores de roupa coloridos; ampara seus sorrisos nas novas histórias, nas vozes emocionadas, ansiosas ou tranquilas daqueles que, com as mãos, corações e mentes, se juntam aos que fazem arte buscando modos de tornar visíveis as experiências da Atenção Básica que anseiam ser vistas, valorizadas, compartilhadas e reconhecidas.
A escuta dos relatos na Tenda do Conto sobre o processo de curadoria misturadas às falas/escritas presas aos pregadores de roupa coloridos nos varais, trouxeram a lembrança de um poema de Drummond:
[…]A lavadeira e a pedra forma um ente especial, que se divide e se unifica ao sabor do trabalho. Se a mulher entoa uma canção, percebe-se que a pedra a acompanha em surdina. Outra vez, parece que o canto murmurante vem da pedra, e a lavadeira lhe dá volume e desenvolvimento […]
Relação entre lavadeira e pedra. Reconhecer fazeres que mudam o curso do cotidiano. Reconhecer-se, encontrar-se, contemplar-se no fazer/ser do outro; inclinar-se com sensibilidade sobre este fazer, de modo a permitir que o outro o evoque.
Proporcionar brilho e cor aos modos de fazer que estão à espera de um lugar ao sol para que estes fazeres/artes escondidos, guardados e invisíveis, se espraiem e encham os nossos olhos como varais que se estendem por esse Brasil.
Vimos nos curadores, construtores/escultores do SUS; pessoas de todo o país que mostram que os modos de fazer, importam; que fazer junto faz toda a diferença. Assim fazendo, convidam-nos a “se amostrar”.
Pulseiras de sementes circulando em torno do braço, acariciando, despertando, cultivando girassóis/sonhos.
Como o texto de Clarice em “o livro dos prazeres” tão sabiamente trazido por um deles para a Tenda:
“…uma das coisas que aprendi é que se deve viver apesar de. Apesar de, se deve comer. Apesar de, se deve amar.”
Vocês fazem parte do “apesar de” que nos “empurra para a frente.”
Obrigada! Um abraço caloroso da Equipe da Tenda do Conto a todos vocês que, hoje, abraçam a Atenção Básica do país!
Fotos:https://www.facebook.com/comunidadedepraticas?fref=ts
Por Maria Luiza Carrilho Sardenberg
obrigada pelo relato sempre delicioso, cheio de afecções amorosas e alegres.