Centro de Convivência Rosa dos Ventos: Entre chinelos e panos coloridos
Essa narrativa nos leva para para o Centro de Convivência Rosa dos Ventos, no Distrito Sul de Campinas.
No primeiro dia em que estive por lá, estavam em relevo pelo menos três atividades:
No andar de baixo, estava acontecendo uma oficina de estamparia chamada “Panos Coloridos”, um projeto de geração de renda a partir da venda de camisetas, cuja verba é revertida para o próprio projeto, que é coordenado e desenvolvido por membros da comunidade e do antigo movimento popular da juventude. Nesta mesma oficina eles realizam a confecção e divulgação de um jornal local, parcerias com instituições da comunidade, escolas e oferecem um curso pré-vestibular gratuito para a comunidade.
No andar de cima, onde era oferecida uma oficina de chinelos, aconteceu uma cena que vale a pena ser narrada. Em uma cena: Cuidado, criação de laços, produção de sentidos, intersetorialidade, afirmação da diferença, redes de encontros….
Entre fios, retalhos, missangas, tesouras e chinelos, um grupo de aproximadamente 01 homem e 07 mulheres, de idades variadas, trabalhava tranquilamente na confecção de algumas encomendas. Uma das mulheres presentes estava com seu bebê no carrinho enquanto colava missangas em uma sandália. Ali já tinha uma possibilidade de abertura: sim,você pode se cuidar e estar com seu bebe em um grupo de um Centro de Convivência.
Na sala ao lado estava acontecendo uma aula da FUMEC, com mais ou menos 12 estudantes,cada qual com suas potencialidades e limitações. de lá sai M., uma usuária conhecida por todos os frequentadores e trabalhadores do CECO, que "invade" a oficina de chinelos. Ela estava relativamente agitada, andando em passos largos, falando pelos cotovelos, vermelha, e em alto e bom som ofendendo a professora.
Ao sair para o quintal, M. quase "atropelou" a mulher que estava com seu filho. Ao ver o bebê no carrinho, seu comportamento mudou imediatamente: Ela parou por alguns instantes em silêncio, esboçou um sorriso e começou a brincar com ele, fazendo sons engraçados e caretas. Segundos depois ela pede para pegar o bebe. O bebê era um intercessor.
A mãe olha para a profissional com os olhos arregalados, num evidente pedido de ajuda. Claro que estava sendo expresso ali o medo de entregar o bebe para uma mulher que todos na sala sabiam ter um transtorno mental, que estava num momento de suposta agitação. Fica evidente a tensão embutida no possível encontro de alguém “em crise” com um outro alguém absolutamente símbolo máximo da“frágilidade” – um bebê.
A profissional interviu dizendo, para ela esperar um pouco, sentar primeiro, tomar um chá com bolacha (que estava disponível na mesa cuidadosamente preparada), se acalmar, contar por que ela tinha ficado nervosa. A usuária fez isso, disse que ficou brava por que a professora só dava atenção para uma das alunas (que não era ela evidentemente), e que alguém estava escondendo os materiais dela no armário da sala de aula. Emendou a conversa dizendo que agora estava tudo bem, por que os bebes tinham o poder de acalmá-la, e de fato, isso aconteceu.
Ela continuou contando que antes de “perder a cabeça” foi babá por muitos anos e cuidou de todos seus irmãos mais novos desde menina.
Inicialmente ainda um pouco receosa e por perto, a mãe pegou o bebe do carrinho e entregou para M, que se mostrou muito afetiva como cuidadora, o bebê sorria o tempo todo em seu colo. No fim tudo acabou com duas mulheres absolutamente diferentes entre si, trocando figurinhas sobre a maternagem, dividindo o mesmo copo de chá e os cuidados com um bebê.
Modos de cuidado e encontros possíveis num Centro de Convivência…
Por Emilia Alves de Sousa
Emocionante o seu relato Sabrina. Uma narrativa que revela a importância da escuta, do diálogo e da acolhida nas práticas de cuidado. Mesmo num episódio de crise mental, o doente não perde a sua dimensão humana, interativa. Tudo é uma questão de saber escutar, de cuidar, de dar atenção.
Obrigada por compartilhar esta bela história vivenciada no Centro de Convivência aí em Campinas!
Beijão!
Emília