Dialogando e diluindo minha identidade na RHS, com Rejane Guedes: Uma proposta de autoria sem autor identificável.
Rejane,
O trecho que citaste de meu post é justamente parte do diálogo do Filme "10.000 A.C" de Roland Emmerich. A ideia de que temos dificuldade de integrar nossos afetos e desejos num todo coerente é uma simples constatação da realidade.
Esse mundo vivo, cheio de espírito que dá origem aos discursos, está no interior do real. E portanto, não pode nos dar uma visão do todo. Não estamos nesse fora inexistente.
A ideia de que a consciência de si mesmo é um veículo para acessar o real pode ser um mito. Uma auto ilusão que vem junto com a autoconsciência. John Gray afirma que a auto percepção pode ser um dos atributos humanos que as máquinas poderão emular com mais facilidade. O fluxo da consciência é como um diminuto gotejar intermitente composto de memória e hábitos. Há muito mais cognição do que o discurso é capaz de representar.
O espírito ancestral que é comum aos humanos e aos demais seres vivos, é profundamente cognitivo e inteligente. Aparentemente, estar vivo é uma condição que demanda as mais significativas técnicas e seleção inteligente de cursos a seguir, em termos de adaptação ao meio ambiente. O que nos impede de ver essa intensa atividade cognitiva é a escala de tempo que humilha nossas pretensões de centralidade na existência.
Concordo que na "construção coletiva da realidade em rede transbordamos a noção de 'círculos' para aquelas 'zonas de intensidade' ou fluxos de velocidades e lentidões concomitantes, zonas de autonomia sempre temporárias, sempre em transformação…" No nosso caso, a efêmera estabilidade e a impermanência impedem que tenhamos um foco mais amplo da escala de eventos que calharam de dar em nós, e nos quais estamos, provavelmente, gestando nossa superação.
Roger Penrose matemático e físico inglês, amigo de Stephen Hawking, escreveu "A Mente Nova do Rei". Nesse livro ele argumenta que a simples realização de um algoritmo não pode resultar na autoconsciência em uma máquina. A mente humana é complexa demais e mesmo ela não pode replicar-se artificialmente, porque o "algo essencial" que lhe dá origem está além dela.
Mas, se a autoconsciência implica em unidade da personalidade, da identidade ou do caráter de alguém, as máquinas não precisam dela para serem cognitivas. O fato é que o cálculo (neuro)cognitivo não depende da consciência.
O Tao (caminho) cognitivo, iniciou com a vida e caracteriza as primeiras formas unicelulares que tomaram a terra como seu ambiente. Margulis afirma que nós mesmos somos artefatos tecnológicos destas bactérias primordiais. Meios para que estes seres permaneçam sobre a face, e nas entranhas, da terra. Mesmo apesar das recorrentes mudanças climáticas e cataclismos cósmicos que abalam nosso planeta.
Assim, está para ser definida a virada do destino que nos fará pós-humanos ou não. A capacidade de processamento da informação pode adquirir alguma forma de autonomia. Pode ser que em simbiose conosco isto já esteja ocorrendo.
A produção de sentido que une meus pensamentos aos teus, mediada pelas ferramentas de comunicação que se tornaram o suporte dinâmico de nossos discursos, pode já ser uma forma de interação que hibridiza humanos e não humanos em uma nova forma de entidade coletiva.
Algo semelhante ao efeito da alma do cupinzeiro: onde percebemos um centro cognitivo, que coordena a ação de cada cupim, não há nada. O ente é o que designamos como autônomo, em um processo em que a condição da autonomia, a cognição, está fluindo por entre, e pelas, partes do todo.
Parece que o significado imanente da religião, religar-se, pode estar correto de uma forma insuspeitada: Não somos unos, somos em composição com o meio. E pode ser que o espírito venha a partilhar nossas almas com as máquinas. Mesmo se elas não puderem estar conscientes disso, ou que a consciência seja apenas um sonho lúcido.
Um forte abraço, querida amiga!
Por Rejane Guedes
Marco, querido amigo ,
O post que propõe a continuidade desse 'diálogo' em rede aberta é um convite aos voos pela geografia das ideias.
Numa espécie de 'loop' retorno ao amanhecer de hoje e com espanto percebo que você tocou exatamente em um ponto do texto que acordei disposta a escrever, inspirado nos feeds de notícias do facebook.
Compartilho em primeira mão um trecho desse texto iniciado com os primeiros raios de sol desse dia 21/11:
" Vivemos em tempos de espetacularização da existência. Nossas vidas estão expostas em posts cada vez mais disponíveis nos mecanismos de aglutinação do google mais (+). Somos cativos dessa sociedade de controle. Uma sociedade hiperveloz, vigiada em tempo real. Basta ligar um equipamento eletrônico e já somos imediatamente rastreados.
[…]
Tolerância e confiança são palavras que não combinam com os pressupostos da sociedade de controle. É preciso pôr tudo a prova, instigar opiniões, inflamar egos, espetacularizar as performances individuais e coletivas. A nova ‘institucionalização’ das condutas passa efetivamente por uma desistitucionalização da sociedade. Assim o digo porque na tentativa de ser desinstitucionalizado são criados novos blocos aprisionantes. Gaiolas com grades invisíveis. Gaiolas de ouro. Ouro de tolo…
É preciso manter tudo sob a mira da critica, mesmo que seja uma critica fundamentada em opiniões pouco consistentes. É preciso discordar, pois na diferença podemos afirmar nossa pseudoidentidade. Doce engano. Não há um FORA da sociedade. Estamos todos DENTRO. Mas esse ‘dentro’ é composto por muitas camadas. Diria mais, composto por linhas, ou melhor, por pontos que podem (ou não ) se conectar." (PEDROZA, 2013)
Sigamos…
Com carinho, respeito e admiração, Rejane.
[Conectando o calor potiguar (RN) com o frio gaúcho (RS) ]