Uma andorinha só não faz verão
Hoje quero narrar para vocês uma experiência vivida junto ao Centro de Convivência Bem Viver, de Campias-SP; um CECO com dimensões espaciais muito pequenas, de apenas 01 sala, 01 banheiro e uma dispensa e com um pequeno, mas grandioso coletivo musical: “Andorinhas do São José”.
Trata-se de um grupo composto por homens, a maioria deles idosos ou pelo menos na meia idade e que já tinham tido em suas histórias de vida algum encontro significativo com algum instrumento musical. Esse foi o único grupo dos quais eu participei em todos os CECOs, formado exclusivamente ou pelo menos em sua maioria, por homens.
No dia da minha participação, estavam presentes 11 senhores muito animados (02 sanfoneiros, 03 violeiros, três senhores tocando triângulo e 03 senhores no pandeiro), uma funcionária do Centro de Saúde e o coordenador do Centro de Convivência.
A maioria deles chegou com alguns minutos de antecedência do início do grupo de música e passaram a escolher um repertório musical especial pela minha presença. Eles ficaram entusiasmados com a ideia de alguém da UNICAMP poder divulgar o trabalho que eles realizavam ali.
Antes dos instrumentos serem tocados, eles tomavam um cafezinho, conversavam, contavam piadas, num clima de muita afinidade e amizade entre eles. Falavam do bairro, sobre o Centro de Saúde, sobre suas esposas, sobre futebol e sobre as notícias do dia.
Em poucos minutos a música tomou conta do ambiente, sem um coordenador ter que dizer “vamos começar?”. Aos poucos, um sanfoneiro começou a esticar e encolher sua sanfona, convidando um dos homens com o triângulo para acompanhar e aos poucos, todos tocavam juntos, numa harmonia musical impressionante. O som tomava conta da pequena casinha onde o CECO estava instalado e saia pelas portas e janelas.
Embora houvesse no coordenador do CECO uma função organizadora, estava claro que a função de coordenação e estimulação do grupo era exercida por um dos sanfoneiros que puxava as músicas, chamava um ou outro para o tom, fazia o fechamento das músicas…
Enquanto o grupo acontecia, eles receberam e aceitaram dois convites para tocar em eventos da comunidade, um deles seria a festa junina do Centro de Saúde. Testemunhamos as Andorinhas ampliando seu bando, criando novas capilaridades e Conexões.
Depois de mais ou menos meia hora que o grupo já estava acontecendo, chegou um senhor mulato, com olhos puxadinhos como os orientais, cabisbaixo, sem nenhum instrumento, com o boné praticamente cobrindo todo seu rosto. Dirigiu-se ao canto da sala, em um dos primeiros dias de sua participação como integrante do grupo, tendo sido encaminhado pelo Centro de Saúde.
Ele inicialmente sentou-se, continuou com a cabeça baixa. Na segunda música, observei seu pé batendo no chão, no ritmo da música e o boné já um pouco mais alto.
De repente, um dos violeiros perguntou se ele gostaria de tocar. Ele rapidamente levantou-se pegou o violão, passou uma música o afinando e sentindo o instrumento. Quando ninguém esperava, ele passou a tocar entusiasmadamente, várias músicas. Cantando canções de sua preferência, alterando o repertório proposto, resistindo em devolver o violão ao seu dono. Fiquei surpresa com a transformação operada pela composição corpo-violão, e com a composição corpo-violão-grupo!
Ao final do grupo, o coordenador propôs que tirássemos uma foto para registrar esse momento. Ele ficou um tempo sentado, todos se posicionaram com seus instrumentos e com suas poses, e ele permanecia sentado. O coordenador o convidou para a foto, dizendo “Venha Sr. L, você também é uma andorinha!”. Devagar ele se levantou, arrumou a jaqueta e pousou para a foto respondendo “então eu vou, por que uma andorinha só, não faz verão”.
Por Maria Luiza Carrilho Sardenberg
do que pode um corpo quando mergulhado em territórios do afeto e da composição musical coletiva!
teu olhar para o acontecimento também é poético, Sabrina.