Pelas Estradas de Acopiara!

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No início de setembro tive a grata alegria de ir falar em um encontro  de Saúde Mental em Acopiara, uma bela cidade no interior Cearense. Pra chegar lá foram quatro horas de calor intenso numa estrada banhada fartamente pelo sol do sertão.

 

Chegando, falei sobre as bases históricas dos mitos. Não foi meramente coincidência minha insistência em falar sobre Ícaro. Na minha lembrança, ainda ardia o calor do sol….causticante, belo, mortal e contraditoriamente cheio de vida!

 

Quando falamos dos mitos falamos essencialmente dos homens, seus desejos, sonhos, frustrações, alegrias e medos. Não saia da minha mente o calor do sol tocando as faces, crespando o mato, secando o lago, estreitando o rio.E agora eu o via dotado de vontade e desejo!

 

Onde encontrar uma imagem que traduzisse tudo aquilo? Como extrair beleza e poesia de algo que castigava o corpo? Voltando logo depois já escoltado pela noite, me veio a imagem certa, talvez agora inspirado pela lua cheia que bondosa banhava os caminhos como um refrigério frente a fornalha que logo voltaria.

 

Lembrei-me de um belo poema de Ariano Suassuna…imaginando lobisomens  e maus espíritos enquanto encantado ouvia histórias sobre os poderes das rezadeiras, contadas pelo motorista…quase um Caronte em meio aquele oceano prateado de lua.

 

Compartilho então com vocês o poema de Suassuna, que fala sobre o sol e que me veio de súbito enquanto imaginava seres assombrosos que furtivos margeavam a noite na estrada. Pude então compreender uma velha passagem de Gilerto Freire quando falava da imaginação nordestina, cuja cultura prepara todos para abrirem as portas da fantasia, sangue necessário que irriga a criatividade. Estaria eu com minha frágil pele de sulista, que foge do sol feito o diabo da cruz, tornando-me depois de 15 anos um pouquinho nordestino?

 

 

"E a vida se desdobrou em frente dos meus olhos, com uma estrada povoada de bichos ou como uma roda do zodíaco, marcada de signos e insígnias. E eu a celebrei assim:

 

No relógio do céu, o sol ponteiro

Sangra a cabra no estranho sol chumboso.

A pedra lasca o mundo sem repouso,

A chama da espingarda fere o aceiro.

 

No carrascal do seu, azul braseiro,

Refulge o girassol rubro e fogoso.

Como morrer na sombra do meu pouso?

Como enfrentar as flechas deste arqueiro?

 

Lá fora o incêndio. O roxo lampadário

Das macambiras rubras e auripardas

Vai, arcanjos e tronos, requeimando

 

Queima o vento, o sertão incendiário.

Andam monstros sombrios pela estrada,

E, pela estrada, entre esses monstros, ando"