Sherazade e suas visões da adolescência: Um Flerte com a Barbárie
Não se trata da famosa personagem de "As Mil e Uma Noites" e sim de sua homônima, jornalista do SBT. Ela tem chamado a atenção por opiniões tidas como, no mínimo, polêmicas.
Nada contra pessoas que exercitam seu direito de opinião. Obviamente que isso não retira meu direito de livremente opinar sobre a opinião alheia. Sherazade parece trazer algo de novo. Uma jornalista que "opina" e não tem gestos dissimulados que, em última instância, também opinam, seja pelo tom de voz, pelo arquear das sobrancelhas ou pelo sorriso levemente debochado.
Mas aqui encerra-se qualquer possibilidade de elogiar Sherazade. Ela está no campo oposto que sempre defendi. Diariamente expressa as "jóias" preconceituosas do pensamento conservador.
A última delas aconteceu essa semana. Um garoto de 15 anos, morador de rua, foi atacado por uma turba formada por dezenas de motoqueiros que espancaram esse garoto, depois o acorrentaram nu a um poste. Sherazade defendeu esse gesto de "bravura indômita" argumentando que restava apenas isso como resposta de cidadãos de bem num pais que as instituições que deveriam reprimir esses "bandidos" não o faziam. E alerta no final de sua fala que caso os defensores dos direitos humanos se incomodassem com aquela situação, que lançassem uma campanha com o título "adote um marginal".
Confesso que quando vi o vídeo não acreditei. Quando buscamos o fato, não se sabe nada sobre o que aconteceu. Teria o garoto cometido algum furto e depois foi seguido pelos "justiceiros"? Mesmo que isso fosse verdade, onde existe amparo legal que chancele o direito dos tais "cidadão de bem" em espancar um adolescente, tortura-lo, deixa-lo nu e amarra-lo a um poste? Não estaria a jornalista com sua fala que atinge milhões de pessoas estimulando a formação de milícias para espancar pessoas nas ruas que se adequassem aos estereótipos de jovens negros e moradores de rua? Não estaria defendendo a prática da tortura como resposta natural frente a esse tipo de situação? Isso tudo pareceu um flerte com a barbárie.
Mas espere. Nossa amável Sherazade tem dois pesos e duas medidas. Veja seu pronunciamento sobre o cantor Justin Biber. Nos últimos dias ele tem frequentado os noticiários não mais pela música e shows onde enlouquece um público adolescente. Foi preso por dirigir bêbado em alta velocidade, ah, não esquecemos também de outra ocasião onde também foi preso por agredir seu motorista além de cuspir em fãs. Realmente, um menino modelo para mostramos como exemplo aos nossos filhos.
Sherazade, como profunda conhecedora da natureza humana nos alerta que devemos "pegar leve com Justim Biber", afinal, os médicos já avisaram que essa fase é turbulenta por causa dos hormônios. Ele é só alguém que está crescendo. O leitor notou? Um preto miserável vivendo nas ruas é um bandidinho (mesmo que a gente não saiba que crime ele cometeu, mesmo que a turba que comete crime ao agredi-lo e submete-lo a tortura e humilhações seja vista formada por "cidadãos de bem"). Biber que cometeu crimes claramente identificáveis e que em março será julgado por parte deles é um garoto que só está crescendo. Claro, ele é rico, branco e famoso.
Sherazade, por que você não tenta adotar o Justim Biber? Com certeza, a julgar pela rigidez de seus padrões de julgamento, você terá um criminoso em casa.
Faça sua comparação leitor. Assista abaixo aos dois vídeos. Nossa Sherazade bem poderia ser uma personagem de "As Mil e uma Noites de Pesadelo".
Vídeo sobre o garoto espancado e amarrado nu a um poste.
Vídeo sobre o criminoso Justin Biber
Por Marco Pires
O marginal negro e o adolescente rebelde:
Ela diz tudo sobre ela… quando fala do Brasil, das pessoas, dos inocentes e dos culpados.
Interrogue o significado de humanidade que a postura dela traz implícita. Para mim humanidade na concepção de Rachel é uma abstração dada a preencher buracos. Quanto mais bonito, mais rico, mais famoso, "mais mais", tudo de bom mais humano você é.
No entanto, por "mais mais" que você seja, você ainda não será plenamente humano. Por isso, ela sugere pegar leve com gente branca, rica, famosa, talentosa e sangue bom. Afinal, para os "mais mais" ter um problema não é motivo de suspeita. É razão para o perdão. É razão para reconhecer a proximidade do ideal santo e imaculado, puro e branco de humanidade.
Mas se você for mulato, pobre, não tiver fãs e pareça que ninguém mais se importa, aí mesmo é que você é um bicho. Se os "mais mais" parecem deuses, mas são só humanos, os pobres parecem gente, mas são só bichos.
Humanidade é uma coisa que preenche vazios no modo de ver se Rachel. Ela me faz pensar na personagem ninfomaníaca de Lars Von Trier e de seu pai, um médico racionalista e filosofo que humanamente se caga diante da morte. Tem tudo a ver a postura da apresentadora de TV, do médico e da ninfomaníaca.
Para apresentadora, os vazios existenciais são preenchidos por imprecações e elogios, segundo a proximidade ou distância da condição humana pela qual cada um é declarado inocente ou culpado. Se você tem, está mais próximo de uma humanidade divina que Deus designou para os poucos santos e redimidos. Se você não tem, então servirá com seu corpo e sua alma de repasto ao príncipe das trevas. É uma loteria. Muitos perdem, ninguém ganha.
Para o personagem do pai da protagonista, no filme de Lars Von Trier, a segurança vem da razão. Não é capaz de ver que a razão começa com a razão. Bem depois da vida, da morte e de todos os mistérios…
Já a protagonista, essa quer preencher todos os buracos de seu corpo. Com os atributos do corpo masculino, de muitos corpos, de muitos homens. Haja pênis, dedos e línguas para tantos buracos.
Nessa tríade de personagens, onde uns são mais irreais do que os outros, é Rachel Sherazade que é a mais plausível, comum e inverossímil. Que sua filosofia não vai tapar nem um buraco é tão real quanto o fato de que, quando mais falar mais vai dizer de seu próprio vácuo interior. Isso não é feio. É humano. Desumano é ela, e muitos, a maioria, desejarem preencher seus buracos com a carne, o sangue, os corpos e a alma de seus semelhantes.
O curso biológico do corpo de Biber, Sherazade, eu e você será o mesmo. Entre o início e o fim é que está o inferno. Ou o céu.