A democracia nos serviços de saúde
A PNH tem como pressuposto a construção da democracia, também nos espaços de trabalho. Os seus princípios e propostas enfrentam aspectos importantes da dinâmica dos poderes nas organizações, principalmente na relação do “saber” com o “fazer”. Avançamos muito em experiências que procuram desconstruir a engrenagem taylorista de alienação dos trabalhadores em relação ao seu fazer e saber. Mas curiosamente temos avançado pouco em relação à critérios de escolha de coordenações de serviços de saúde e de democratização destes processos de escolha, mesmo quando se trata de equipes de referência. Nem na PNH e nem em outros espaços propositivos de políticas para a gestão do SUS, enfrenta-se diretamente a questão da escolha e da avaliação das pessoas que formalmente ocupam lugares de poder. Sim, sim, todos fazem gestão!! Mas não igualmente. Enquanto não estivermos propondo a auto-gestão, talvez tenhamos que propor algo concreto para os processos de escolha das pessoas que estão neste lugar específico de gestor. E é fato que fragilidade neste campo, permite que o SUS padeça fortemente da partidarização na escolha de cargos gerenciais, em todos os níveis. Os serviços de saúde, fazem parte hoje, no país, do loteamento para composição de bases de sustentação dos governos (municipal, estadual e federal). Isto obviamente torna mais difícil construir projetos de médio prazo e criar espaços de trabalho minimamente qualificados, porque a função de sustentar aliados de governo, compete com a função social dos serviços de saúde de produzir saúde e sujeitos. E é mais difícil ainda pensar em democracia nos serviços de saúde, quando a escolha de chefias e coordenações é arbitrária e quase vitalícia (já que também não há,via de regra, processos de avaliação com a participação dos trabalhadores). A hipótese é que mesmo as gestões mais bem intencionadas e que conseguem trazer para a gestão dos serviços as pessoas mais adequadas, fragilizam o seu projeto e diminuem o entusiasmo dos trabalhadores, ao se utilizarem de uma lógica que perpetua a unilateralidade do processo de escolha de coordenadores.
Um dos desafios atuais do SUS é enfrentar abertamente o problema da escolha de coordenações (talvez isto fique mais fácil na esteira do enfrentamento do problema da carreira SUS), discutindo e criando critérios mínimos para se ocupar estes cargos (critérios não corportivos) e explicitando os papéis elementares para os coordenadores de serviços e equipes.
Além disto, criar um compromisso democrático mais radical no SUS significa apostar e definir formas de participação dos trabalhadores na escolha dos gerentes. Com critérios claros e específicos para coordenar equipes de cada tipo de serviço, se poderia selecionar internamente candidatos interessados. Estes candidatos, no entanto, seriam sabatinados pelos trabalhadores dos serviços, a quem caberia escolher entre eles, ou os recusar. Da mesma forma, seria possível aos trabalhadores, a partir de critérios explicitados e discutidos, avaliar periodicamente os coordenadores. A aposta é de que este processo de avaliação e escolha seria sempre especular para os trabalhadores: não há como avaliar um coordenador sem SE avaliar. Não há como falar, sem ouvir. Não há como sabatinar um candidato a coordenador de um serviço ou equipe, sem que esta equipe auto-analise seus objetivos gerais, específicos e seus interesses. Não se trata de sindicalizar as escolhas, nem de diminuir radicalmente o poder dos gestores. Mas de possibilitar outros tipos de relações de poder. Os gestores podem circular nas equipes e serviços e até voltar para “a ponta” eventualmente ou periodicamente. Trata-se de criar espaços em que esta relação istituinte da dinâmica gerencial possa estar viva, em constante discussão e análise.
Este tipo de compromisso democrático, por outro lado, pode aproximar o SUS de inúmeras outras experiências libertárias em outros tipos de instituições e organizações. Este debate talvez interesse não somente ao setor público, mas a toda sociedade.
De qualquer forma não me parece que sejam problemas que governos possam resolver e decidir sozinhos, mas mudanças que, para ocorrer, precisam da sustentação de movimentos sociais.