Alvorada Voraz
Apesar da reeleição de Dilma ser altamente provável o que importa, neste texto, é a perspectiva de médio prazo. Uma mudança na hegemonia, comandada pelo PT no Governo Federal, é previsivelmente inevitável nos próximos anos. Dificilmente a atual coalizão de governo resistirá ao início dos anos 20.
Vivemos o mais longo período de relativa normalidade institucional da história do Brasil. Um olhar para as frequências histórias pode orientar nosso horizonte de expectativas de forma mais segura. Não há nenhuma garantias de que esta estabilidade se mantenha em médio prazo. Apesar de que nosso desejo insista em se travestir como análise, o fato é que logo poderemos sentir saudade desses tempos que estão findando.
O terceiro mandato do PT no executivo federal é parte de um período de estabilidade econômica iniciada nos dois mandatos de FHC. Politicamente lastreada na luta contra a ditadura e na instituição de um Estado Democrático de Direito, nossa democracia ainda é incipiente. Sendo baseada na ideia de produzir justiça social a partir da Constituição de 1988, a atual hegemonia foi forjada na luta e nos movimentos sociais.
Esse fenômeno social se articulou com as características peculiares de nossa economia, sustentada, em grande parte, na pujança do setor de serviços. Nosso desenvolvimento econômico vicejou com o aumento da capacidade de consumo, financiada pelas políticas de renda mínima, sustentadas na melhoria da distribuição de renda.
Podemos pensar que um aumento na produtividade geral proporcionou este crescimento econômico em nosso país. Essa melhora na eficiência gerou um aumento na riqueza a partir de um binômio: De um lado nossa capacidade, inscrita na cultura, de auferir renda prestando serviços, seja de lazer e entretenimento, de cuidado, comércio, etc. Temos uma tradição, desde o período da escravidão, em torno de uma série de modos de trabalho baseados na oferta de alguma forma de atenção. Isso representa uma face de nossa capacidade em servir, para subsistir, em troca de dinheiro.
A produção era a pior forma de exploração de mão de obra escrava. Já os escravos que cuidavam da casa grande ou da população urbana, tinham uma existência comparativamente melhor do que os que trabalhavam até a morte nos canaviais e morriam antes dos 25 anos de idade.
Ou seja, nos desenvolvemos porque somos carentes, no acesso e no consumo de bens e serviços, considerados de civilização. Mas também somos bons em prestar esses serviços de que carecemos. Nossa economia floresce na ampliação do acesso a informação, comunicação, transporte, vestuário, alimentação e prestação de serviços diversos, incluindo a atenção e promoção da saúde, bem como de assistência social. O setor de serviços permite trocas monetárias que se convertem em acesso ao mercado de consumo: uma precária forma de círculo virtuoso.
De outro lado, passamos por um reconhecimento internacional em torno de nossas potencialidades ambientais. Assim, fatores como a viabilidade da exploração comercial de nossas reservas petrolíferas na camada pré-sal, aliada a nossa biodiversidade, permitiram ao Brasil o benefício de poder fundar seu crescimento econômico na confiança internacional e na expansão de seu mercado de consumo interno.
Entretanto, o desenvolvimento no capitalismo é uma face de um ciclo de expansão e retração. Embora a longo prazo o desenvolvimento se imponha, ele avança por períodos de crescimento e estagnação que desenham um gráfico de altos e baixos que se sucedem.
Nesse contexto de estabilidade institucional e oscilação econômica, a disputa pelo poder político tem se caracterizado pela busca do alinhamento eleitoral com os ciclos de desenvolvimento para quem está no poder. Já, para as forças que desejam chegar ao poder político, trata-se de aproveitar a coincidência das crises econômicas com os períodos eleitorais.
Embora situação e oposição estejam amarrados aos interesses dos agentes econômicos mais poderosos, o governo da hora não pode contar com a proteção do mercado e dos financiadores privados em situações de recessão ou depressão na economia. Nesses casos, aqueles que detém o poder econômico, protegem seus ativos, mesmo ao custo de aumentar a crise, e se alinham a forças políticas oposicionistas que podem cooptar.
O Brasil está no limiar do final de um ciclo econômico. Muito dinheiro público foi investido em nossa vocação cultural para o terceiro setor. Saúde, educação, assistência social tiveram seus equipamentos e serviços ampliados. No entanto, essas políticas serão as primeiras baixas que se seguirão a um desaquecimento da economia. Isso conferirá argumento para as iniciativas de corte de gastos sociais da próxima coalização que vier a governar, seja em 2022, ou ainda bem antes.
Por outro lado, a recessão, será também o calcanhar de Aquiles de uma nova coalização governista. Se esse for o caso, como após o final da era Vargas, veremos as pessoas mais pobres lamentarem o fim da era Lula.
O fato é que temos parte da oposição ao governo atual se reagrupando em torno de uma agenda conservadora e reacionária. Mês a mês os observadores mais atentos podem mapear a aproximação entre agentes diversos, como setores religiosos (que não toleram a diversidade cultural), conservadores acadêmicos, setores da cultura… Enfim, os extremistas de todas as cores vem se agrupando em torno de uma uma meta compartilhada: derrubar a atual hegemonia política.
É possível identificar também uma fadiga nos metais mais entranhada no senso comum. O medo e o cansaço em relação a estabilidade se confundem. A geração que cresceu depois do final da hiperinflação, da popularização da telefonia móvel, do acesso a TV a cabo e principalmente da internet não conhece as fortes emoções de lutar contra o sistema.
Os mais jovens podem saber que a geração anterior foi reprimida, não tinha os confortos da atual e teve que lutar para viver numa democracia institucional. Mas isso é pouco. Os ativistas atuais compõe uma geração que rapidamente vai se tornando minoria em relação ao contingente de adultos maduros e idosos. E, principalmente, os jovens que sofrem de forma mais intensa os efeitos de nossas contradições econômicas e culturais, tendem a ansiar pela revolta.
Rapidamente eles estão se dispersando em aglomerados de descontentes de extrema esquerda e extrema direita, e/ou ligados ao crime organizado. Uma nova era de extremos parece estar se insinuando. A partir de junho de 2013, a urgência em manifestar uma opinião imediata, em dar-se a inclusão na existência pela participação em atos espetaculares, vem se acentuando.
O que os ciclos de expansão e retração econômica proveriam normalmente, nos próximos oito anos, a articulação entre redes sociais, a copa do mundo e as olimpíadas no Brasil podem nos proporcionar bem antes. Uma crise cultural, social e institucional, uma após a outra e simultaneamente, podem incendiar as ruas como já vimos tantas vezes ao longo do século XX.