Caros colegas:como podemos manejar a seguinte situação: familiar de crianças e/ ou adolescentes que alegam ter um bom vinculo com o serviço de CAPS e preferem permanecer no local aonde estão acostumados e não gostariam de ser encaminhados para o serviço na sua região, alegando o bom atendimento recebido mesmo que não seja próximo á sua residencia.
11 Comentários
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Por Ricardo Teixeira
Ela diz respeito a todo serviço de base territorial e "clientela adscrita", princípios organizativos do SUS. Situação cotidiana na atenção básica.
Entendo que são apenas diretrizes para uma organização geral do sistema e não devem ser entendidos como "cláusulas pétreas" de uma organização burocrática. Essas situações devem ser tratadas uma a uma e o interesse do paciente será sempre o critério primaz. Não tenho dúvidas a esse respeito.
É claro que a territorialização e população adscrita não são meros critérios de partição e distribuição dos usuários pelos serviços disponíveis, mas também respondem a necessidades técnicas relacionadas ao fato destes equipamentos terem o território e a população como objeto de intervenção (basta pensar no exemplo clássico das ações de vigilância epidemiológica, no caso da atenção básica). Só pra lembrar que a questão não é apenas "burocrática"…
No entanto, essa ordenação entra em conflito, por exemplo, com uma dinâmica "migratória" intensa nos centros urbanos, em especial numa grande metrópole, em especial em suas periferias, que fazem com que situações como essa que você descreve sejam relativamente comuns. O que essas situações quase sempre (re)colocam é a questão mais geral da "livre escolha" do cuidador pelos usuários do SUS.
Precisamos fazer essa discussão avançar! E esse seu compartilhamento do problema é uma grande contribuição nesse sentido. Além de realizar o que me parece ser uma das maiores vocações desta Rede: ser um espaço de construção de inteligência para o aprimoramento das práticas no SUS.
Grande abraço,
Ricardo
Por Sabrina Ferigato
Oi Cleida
Sua questão é muito importante, especialmente no tratamento em saúde mental onde o vínculo é tão importante.
Existem muitos princípios interessantes na lógica da adscrição da clientela: co-responsabilização na produção de saúde de um território, minimizar a chance de alguns territórios ficarem sem assistência em saúde, criação de redes territoriais entre os serviços, etc… No entanto esses princípios não dão conta da complexidade da relação que um usuário ocupa com seu território, nem da complexidade que os vínculos terapêuticos podem proporcionar (em casos de necessidade da mudança de equipe). Penso que as fronteiras sanitárias não podem ser mais importantes do que o direito do usuário poder escolher onde se tratar em casos como o seu… Na prática vemos que cada município lida com questões como essa de modo diferente, alguns com maior rigidez, outros com algum grau de flexibilidade. O sistema britânico de saúde pública tem mostrado que a flexibilização na direção do direito de escolha do usuário tem dado certo!
bjos
Oi Cleida,
Muito pertinente o seu questionamento.
Sabe-se da importância da territorialização e adscrição da clientela na organização do atendimento nas unidades de saúde. Entretanto, como já disseram os companheiros, cada caso é um caso, e a questão do vínculo deve ser um elemento muito importante a ser considerado na ordenação dos serviços.
No Hospital em que trabalho, em 2010, período em que se iniciou no nosso estado, a regulação dos serviços do SUS, uma criança, procedente de outro estado, ao receber alta médica, a mãe recusou a transferência do tratamento para o seu Estado de residência, argumentando o vínculo estabelecido entre ela e a equipe de profissionais do hospital. Depois de muita polêmica e mediações, o SUS flexibilizou e autorizou o tratamento no hospital.
Parabéns pelo post, e os seus questionamentos serão sempre bem vindos neste espaço!
Um abraço!
Emília
Por Marco Pires
A construção do vínculo, seu desdobramentos terapêutico e, mesmo o dia em que o necessário se torna, aos poucos provisório, é tecido em encontros que tem um tempo próprio.
Nós conhecemos nossos cuidadores em dias de tormenta, com eles rumamos para a turbulência intermitente. Depois, vamos os vendo menos, quando estamos bem o suficiente para acolher a alegria e suportar as dores incontornáveis da existência. Mas o sempre nunca é definitivo. Sabemos que retornaremos ao cuidado, seja para dá-lo ou, para recebê-lo.
No entanto, há os encontros que se estendem pelo tempo e pelo espaço. Não respeitam prognósticos, nem territórios.
Minha esperança na humanidade vem dessa disposição, as vezes esquecida e nunca abandonada, de dar ao mundo do direito a magia da felicidade. O mundo do direito seria o das dignidades (que somadas chamamos de direitos humanos).
As dignidades dependem de ordem, pactuações e regras. Há uma certa dignidade humana de que o Erasmo sempre nos fala. Basta essa menção para sabermos que há dignidade na dor.
Assim, toda a dignidade, todo o direito humano, existe em meio a diversidade e é conquistado pelo trabalho laborioso, exige auto-avaliação constante e vigília sem fim.
Mas a felicidade não é da ordem da dignidade. A felicidade está além da dignidade por que está dada bem antes e bem depois da razão. Sabem que eu estou pensando com Giorgio Agamben.
Há um sabor de magia nesta necessidade da rede. O certo é digno, está racionalmente fundado no merecimento. Mas em meio ao cuidado, em meio a luta por merecer receber e ofertar alívio é necessário que não esqueçamos que ser feliz não tem nada a ver com merecer, com ser digno.
Ser feliz é ainda mais que merecer ou ser digno. O que este pedido anuncia é a necessidade de ser feliz, mesmo quando estamos na turbulência, quando ela insiste em ser a rotina, em ser o contínuo da vida. A felicidade não tem hora.
Pois então: Que a felicidade, sem poder ser um direito, seja possível. Sendo ela necessidade e busca é uma maravilha que se demande pela felicidade, sem perder direitos.
Que o instante da magia estenda o tempo do adeus e que desconheça a marca dos territórios.
Que o desejo do usuário seja uma extensão da dignidade, baseada no afeto e no amor. E que seja possível transcender a regra em nome do que realmente importa.
Ainda, ser feliz!
Por Shirley Monteiro
Interessantíssimo encontrar hoje esse post, pois ele vem provocar e complementar uma leitura que estive fazendo, a partir do comecinho da noite de hoje, e com a qual muito me identifiquei nas práticas no SUS e além. Dessa leitura, em relação ao que voce Cleida nos trás, destaco:
" …Clinicar em alguma medida, é submeter o protocolo (e as regras) à condição de instrumento-guia, mas não no único guia. Clinicar neste sentido, é uma atividade subversiva: se apoia mas enfrenta e afronta a regra… A clínica portanto, resulta desta imbricação dialética entre o controle e a autonomia…" p. 114.
" A justiça social deve garantir também, a capacidade de criar o possível" p. 42.
Nesse caso, considero pessoalmente o vínculo que já se estabeleceu, por algumas razões da própria logica institucional, as vezes contraditória em seus atravessamentos concretos, como prioritário e central, nesta questão.
Citações do livro " ÉTICA, TÉCNICA E FORMAÇÃO: AS RAZÕES DO CUIDADO COMO DIREITO À SAÚDE" – Lappis- IMS- UERJ- Abrasco- 2010.
Bjos.
Shirley Monteiro.
Por SILVANA RABELLO
Que bom Cleida, que você se sente apropriada desse seu espaço nas redes de cuidado da nossa cidade, do nosso território e nessa rede virtual.
Seu depoimento é tão importante, por este motivo e por tantos outros.
Um deles é o fato de você reafirmar o lugar do acolhimento nos cuidados a uma pessoa qualquer e no seu caso, á sua família…Numa família são tantos os cuidados e apreensões, tantos personagens envolvidos, o desenvolvimento das crianças em definição, a articulação saúde e escola….o apoio a você, educadora do seu filho, tarefa esta sempre tão cheia de apreensões….
Outro, porque voce mostra que a idéia de encaminhamentos traduz rupturas, encerramentos, perdas, nem sempre necessárias….Ao contrário do encaminhamento, pensar na composição de cuidados numa rede de atenção a sua família pode ser bem interessante: manter esse espaço tão querido e que se mostra tão bem sucedido e expandi-lo, eventualmente, articulando-o a outros espaços de acolhimento interessantes que possam existir.
Um abraço a todos vocês neste domingo de Carnaval!
Por Raphael
Sei que o zoneamento é feito para organizar as redes, e que os recursos financeiros e humanos empregados em cada equipamento variam de acordo com a demanda atendida. Entretanto o tratamento no CAPS nem sempre se encaixa nessa lógica, acredito que a vontade do usuário deve ser respeitada.
Abraços,
Raphael
Por Luciane Régio
Oi, Cleida, que interessante está teu post, que com poucas linhas trouxe uma questão sempre presente, não é mesmo? Vários comentários interessantes!
Enfim, muito do que gostaria de te dizer, alguns já expuseram. Principalmente, o que para mim é o mais importante, que você mesma evidenciou: o desejo do usuário. Esse desejo, que quando compartilhado com a equipe, produz possibilidades, deslocamentos, movimentos, ideias, uma certa cumplicidade e confiança.
Tenho certeza que essa é a base de um PTS (projeto tereapêutico singular), que aspiramos conhecer e que não tem receita. Assim como não há um local ideal na rede, senão esse, onde o usuário deseja estar! E em qual, estamos com ele… Penso que é neste "junto com", que tanto a PNH tem insistido, o eixo das relações construídas e experimentadas. A vida está nessa experimentação. Hoje, a equipe da área adscrita não interessa, mas ela é móvel, assim como a equipe do centro de atenção psicossocial. Produzir encontros, fazer descobertas, não somente territorializar, prover cobertura, mas viver esse território juntos. O que tem nele que faz o usuário preferir um centro especializado?
Uma ideia possível seria identificar aquilo que o usuário mais gosta no CAPS e propor a ele que ajude a criação em outro local, por exemplo, se for uma oficina, na sua comunidade, para que outras pessoas também "curtam", por onde ele possa também circular, curar e por que não, coordenar?
Apoio matricial para mim quer falar disso, de estar juntos. Como alguém que não está junto pode apoiar? E o apoio é passagem, também vai/vem, sai de cena e está ali quando preciso. Juntos, não precisa ser fisicamente, mas também é tão eficiente a presença… não é "passar/estudar o caso", é causar um movimento na comunidade/nas equipes, lutar por, e, com esse "caso"… pelas pessoas que insistimos/seduzimos tanto para construir vínculos com elas. E para que serve um vínculo? Ele nos liga e é importante para que a luta faça/produza sentido(s)…
(Re)visite esta cartilha da PNH, gosto muito da página 24 em diante… na verdade, de toda 🙂 e, logo após, na 39, tem mais sobre PTS. Vale a pena uma roda no serviço, com referências como esta, facilita saber que já tem bastantes propostas escritas: https://bvsms.saude.gov.br/bvs/publicacoes/clinica_ampliada_compartilhada.pdf
Identifico que, sua (e de muitos) questão é bem móvel. A vida muda e vai criando respostas… O jeito de andar na vida, não de "en-caminhar", mas de criar possibilidades juntos! O CAPS, porta aberta, em que as pessoas possam perceber tanto como sair, ou entrar quando necessitarem. Absolutamente importante: garantir o acesso = o ir e vir do cuidado em liberdade, na cidade, na vida da cidade.
Para finalizar, por enquanto, acho que tornamos o CAPS um lugar especial, sim. Em que os usuários tem atenção, alimentação, atividades etc. E, descobrimos que isso ainda é pouco, por isso a necessidade de aprendermos como explorar questões de cidadania e autonomia! O CAPS como lugar de passagem. Não somente do ato de passar com o corpo, mas aquele que sonhamos em 2002, que desperte politicamente as famílias e os usuários para seus direitos, direitos de circular, de fazer da sua diferença aquela de qualquer um, chegar em qualquer lugar… (Na UBS, na ESF, e acima de tudo, ser acolhido. Os usuários foram acostumados ao tal do encaminhamento? O que o encaminhamento também diz? Talvez diga também, "aqui não é seu lugar"…) A função primorosa que as Assembléias dos usuários e familiares tem! Roda de conversa nessas assembléias, refletindo sobre a vida que queremos, dos direitos que se tem.
Conheci um serviço, que fez um vídeo belíssimo, no qual os usuários davam seus depoimentos, do quanto gostavam do CAPS. Realmente, magnífico e que bom… só que cada um foi dizendo isso e eu identifiquei que era esse "gostar" que me incomodava. É ótimo gostar de um local (de pessoas desse local, lutamos tanto para construir vínculos!), desde que ele garanta a saída, a entrada, outros atendimentos conjuntos, atendimentos conjuntos de base territorial, reinvenções do trabalho em que esse nem seja muito identificado e se pareça mais com a vida… um grupo de viagens, um momento de mistura da comunidade/territórios… O "gostar" que promova liberdade. Pensei um monte de coisas e por isso te agradeço!
Abraços,
Luciane
Por Marcelo Dias
Fiquei pensando sobre o que você disse e vou expor algumas ideias e perguntas iniciais que surgiram:
1- Você falou dos familiares das crianças e adolescentes, mas o quê as crianças e os adolescentes querem?
2- Mais do que quererem ser acompanhados no CAPS ou UBS, eles não querem é ser ENCAMINHADOS, questionando assim a lógica do encaminhamento e consequente não compartilhamento.
3- O que faz um serviço estar próximo da residência não é algo da geografia. Provavelmente esse CAPS está mais próximo do usuário do que a própria UBS.
4- De qualquer forma parece que o CAPS está distante de alguma forma da Atenção Básica, e acho que se o mesmo se aproximar do território vai estar automaticamente levando consigo esses "familiares".
Grande provocação Cleida! Abraço!
Oi sou Eliane de Fortaleza, não está muito claro, mas pelo que eu entendi, o motivo da escolha é uma atitude natural vindo de usuários. O novo é sempre uma preocupação, principalmente no que se refere a humanização, o diferente é sempre assustador.
Para entender melhor, seria necessário uma avaliação mais profunda do local, varia muito de Estado para Estado, Fortaleza por exemplo, tem uma deficiência muito grande na unidades de CAPS. É falha de gestão, as vezes a unidade até oferece mais conforto, oficinas, atividades psicopedagógicas, no entanto, a recepção é decepcionante, somos tratados com indiferênça, isso é marcante. O que mais desmotiva nós usuários dos serviços do SUS em geral é o atendimento.
A maioria dos funcinários dos serviços de saúde são insatisfeitos e transferem todos aborrecimentos para os usuários que não têm culpa de nada, chegam frágeis, debilitados, sem perspectivas de vida, em busca de apoio.
Eu já precisei levar um familiar a um CAPS e encontrei muitas dificuldades, a primeira foi encontrar vagas, depois, a falta de profissionais capacitados, não marca por telefone, fui três vezes e não tinha médicos, na quarta vez tinha médico mais não tinha remédio, com uma semana chegou remédio e faltou vale-transporte, resumindo, desisti. Então, existem motivos relevantes que nos fazem optar por outros serviços.
Por Maria Luiza Carrilho Sardenberg
Caríssima Cleida,
A situação que você relata precisa de mais desdobramentos para que fique explícita a gama de fatores a considerar. Por exemplo: por que fazer esta mudança de local de tratamento? Quem ou o que a demanda?
A força da vinculação é um dos motores do tratamento, concordas?
O grupo de trabalhadores ao qual você se engaja em teu local costuma conversar sobre a clínica entre os pares e com os usuários?
Enfim, aguardamos a tua resposta para continuar a conversa, ok?
Iza