Tomar o pulso da Mostra – crônica da vida cotidiana na RHS

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Foto de Débora Algieri – humanauta da RHS

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Plagiando Peter Pál Pelbart, mas nem tanto, já que se trata de uma prática afeita ao campo da saúde, façamos uma medida de corações e mentes nos três dias da mostra sobre a Atenção Básica e Saúde da Família. E daquilo que reverbera no sismógrafo – é de intensidade que se trata – do day after.

Uma unanimidade dos relatos fala do afeto de beber o leite e o mel dos encontros. Unanimidade nada burra. Uma sabedoria nada trivial para os ares que vivemos no contemporâneo ali se desenhou.

A pulsação era quase audível, tal a vibração dos corpos no encontro com tantos recursos expressivos em falas, práticas e performances artísticas de todos os sotaques. Beleza brasileira comparecendo para a composição da partitura da saúde. Muitas formas de resistência afectiva se encenando e, por vezes, até transbordando as fronteiras concretas do lugar. O CiberespaSUS, por exemplo, acontecia na composição nem sempre harmoniosa de falas, pois misturadas às melodias e cantorias do espaço ao lado. Tudo bem, as misturas são mesmo heterogêneas.

Um SUS que dá certo compareceu à Mostra. Disso também ninguém teve dúvidas. Da Tenda do Conto ao relato dos procedimentos mais "tradicionais" do campo da saúde, houve uma espécie de virtualização percorrendo os modos de reencantar as experiências susistas.

Certas formas de apresentação dos trabalhos intensificaram os seus efeitos sobre aqueles que ali compareciam: a Tenda do Conto, experiência de Panatis, Rio Grande do Norte, foi associada à apresentação do filme "Edifício Master", de Eduardo Coutinho. Jacqueline Abrantes e Luiz Fuganti encantaram a roda de conversa sobre a tenda, dispositivo de produção de subjetividades vivas e potentes. E ali se passou o que Fuganti apontou como a força da singularidade, seu presente vivo e criador.

 

A paixão como medida da pulsação da mostra também apareceu sob a forma da vida em redes virtuais nas rodas de conversa que habitaram o CiberespaSUS.  Mas a curadoria que fez a composição de temas e pessoas foi exata como um poema de João Cabral. Falas vanguardistas misturadas às experiências de jovens blogueiros da saúde e humanautas da redehumanizasus.net povoaram o espaço em forma de aquário de vidros transparentes, num convite permanente aos que lá fora passavam.

O processo de construção da mostra foi tornado público pela mesa “Curadoria em Rede”, numa apresentação empolgante do modo como se partiu de conceitos corriqueiros para uma depuração que convergiu para uma forma imanente de curar. Trata-se aqui do relato de um desembocar no protagonismo coletivo da construção. Coisa linda de se ver!

 

Muita coisa rolou e o espaço de uma crônica é pequeno e impróprio para dar a dimensão do que lá compareceu nas onze mil almas que viveram a dor e a delícia de fazer um comum.

Em meio a tudo isso, pelos corredores abarrotados de gente, pude testemunhar uma certa dor. Outros dizeres: como voltar desta imersão e lidar com a dureza do instituído? Como viver junto novamente em outros espaços, trespassados muitas vezes pela solidão que as formas protocolares de trabalhar impõem? Como criar para si um corpo sem órgãos, plano de experimentação de um novo espaço-tempo inventado ali?

Se o presente inventado ali exclui a ilusão de uma utopia a ser buscada lá fora, se a distância não mais é a medida das estratégias, se tudo é imanente, como resistir?

Peter Pelbart escreve sobre o esgotamento e o niilismo contemporâneo ( O Avesso do Niilismo – Cartografias do esgotamento – São Paulo, n-1 edições, 2013 ) e eu faço um saque a la Deleuze, um “roubo” de suas  palavras, também saqueadas de outro autor, Tony Negri.

Negri disse “Dói, dói muito!”, aos jornalistas que vinham em busca de “palavras de potência e esperança”. A dor dos “corpos que não aguentam mais”, como Lapoujade a nomeou. Mas essa dor “nunca é individual, ao contrário, ela é uma chave que abre a porta da comunidade. Todos os grandes sujeitos coletivos são formados pela dor – pelo menos aqueles que lutam contra a exploração do tempo da vida por parte do poder, aqueles que descobriram o tempo de novo, como potência, como recusa do trabalho explorado e dos ordenamentos que se instauram com base na exploração”   (p. 192 e 193).

 

Na trilha dos escritos e da vida conturbada, mas fascinante, de Peter e Negri, chamamos todos para um occupy da RHS.

Ela nos povoa e nos faz resistir juntos!

 

Iza Sardenberg