IV Mostra Nacional sob a ótica de uma usuária do SUS – o filme que nunca vi anunciado nos jornais

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Nasci em São José dos Campos, cidade provinciana do Vale Paraibano Paulista, em 1976, e lá vivi até 1997, ano em que me mudei para a Capital de São Paulo para estudar Direito. Em São José, frequentava o cinema para assistir aos filmes de Hollywood, porque outra opção não existia lá. Vindo para São Paulo, descobri o que era o cinema de outras regiões do mundo (tive que sair de minha cidade natal para conhecer também o cinema brasileiro), e quantos filmes diferentes havia além-states.

Fiquei encantada quando, pela primeira vez, pude conferir em 1999 a Mostra Internacional de Cinema de São Paulo, pela gama de filmes interessantes e diversos que passavam no festival. Lembro de ter assistido o filme alemão Corra Lola Corra 3 vezes, e isso porque nem conhecia ainda o diretor americano Jim Jarmusch e seu maravilhoso filme Ghost Dog, que também passou nessa 23ª edição do festival.

Nesse primeiro ano, perambulava de uma sala de cinema a outra na tentativa de conseguir assistir ao maior número de filmes possível, e muitas vezes cheguei a dormir na sala de cinema porque estava cansada demais. Ou seja, não conseguia aproveitar o momento de estar ali assistindo ao filme, porque já pensava no seguinte (ou dormia na cadeira do cinema). Assim, aprendi que é melhor escolher alguns filmes apenas, apreendendo e desfrutando cada um com a calma e o prazer de uma apreciadora devota. É o que faço atualmente quando compareço à Mostra Internacional.

Lembrei dessa sensação de desejo plural assim que cheguei ao Centro Internacional de Convenções do Brasil, em Brasília, onde aconteceu entre os dias 12/03/14 a 15/03/14 a IV Mostra Nacional de Experiências em AtençãoBásica/Saúde da Família, realizada pelo Ministério da Saúde, para promover a interatividade entre os trabalhadores e gestores do SUS, como forma de ampliar e aperfeiçoar o atendimento da saúde da população brasileira.

O evento contou com 10 mil inscrições, tendo comparecido 6.300 pessoas no total. Algo muito grandioso, característica perceptível ao primeiro olhar. Muitas tendas e espaços com inúmeras atividades destinadas à troca de experiências, através de várias formas (inclusive através da arte). Atividades que envolviam dança, teatro e grafite. Até mesmo o cinema se fez presente na Mostra, com filmes abordando a saúde pública.

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Mirando aquela paisagem pela primeira vez, tive vontade de sair correndo e percorrer todos os espaços para tentar aproveitar o maior número de atividades possível. Mas lembrei da minha experiência prévia na Mostra de Cinema e, assim, resolvi escolher apenas algumas atividades para desfrutar cada uma delas com a calma e o prazer de uma amante devota do SUS, enquanto usuária do SUS.

Embora eu faça parte da iniciativa privada, na área jurídica, fui convidada para participar de uma mesa de debates no CiberespaSUS, sobre blogagem em saúde, enquanto blogueira da Rede HumanizaSUS. Assim como eu, algumas pessoas (o uso da palavra “usuário” não passou impune pelo debate hermenêutico) que também não trabalham no SUS estiveram presentes nessa Mostra, como o grupo de idosos que dançam para tratar artrose, coordenados por uma equipe multidisciplinar de cuidadores do SUS.

A palavra cuidado, ao lado de afeto, colaboração e humanização, era ouvida a todo instante nas várias rodas de conversa, tendas e espaços montados na Mostra. E todo esse cuidado, direcionado à pessoa enquanto ser individual e proprietário (na concepção de Locke) de suas particularidades – e não à doença, consegui perceber neste SUS que dá certo, e que infelizmente quase nunca aparece reportado na mídia tradicional.

O SUS que lá presenciei é formado por profissionais sérios, que também se dedicam à causa da saúde no Brasil com a devoção de quem acredita na cidadania. Um SUS que, partindo da cooperação entre os pares – e não da competição de cunho ideológico eminentemente capitalista, que visa apenas preservar os interesses e benefícios individuais – busca transformar a realidade do país, para tornar o Brasil mais justo e solidário. E que, acima de tudo, cuida do cidadão que procura por seus serviços.

O que vivi lá reportarei em pílulas de postagens, divididas em mais 5 partes – e-SUS, diabetes e o SUS no Brasil, contos da pós-mostra (todas as conversas que tive com os funcionários e gestores do SUS em espaços não oficiais da Mostra, como dentro do ônibus durante algum trajeto), judicialização da saúde do outro lado do balcão (na visão dos trabalhadores do SUS), e pessoas que usam x pessoas que trabalham no SUS – pois são muitas as sensações experimentadas.

Como sentimos após assistir a um bom filme no cinema!